Em uma entrevista concedida ao Link em 2013, Justin Mateen, fundador do Tinder, disse que o app “acabava com a rejeição”. Três anos após o seu lançamento, o Tinder é possivelmente o app de relacionamentos mais popular do Brasil e pode (junto com as redes sociais) estar moldando um pouco a forma como as pessoas se relacionam.

Sempre gosto de me perguntar: será que estamos fazendo bom uso da tecnologia? Abaixo listo alguns comportamentos que tenho observado em eventos e círculos sociais, sempre relacionados a pessoas que estão levando o app um pouco a sério demais.

Culto à superficialidade

O Tinder é um aplicativo cuja dinâmica enaltece primariamente o que é superficial. Você arrasta para a direita as fotos que gosta e para a esquerda as que não gosta. O candidato tem apenas algumas fotos para passar mais ou menos uma noção de como se parece na vida real. E é aí que mora o problema: como são muitos usuários e não existe nenhum filtro por afinidade, é muito trabalhoso para quem está jogando entrar em todos os perfis e checar se existe algo em comum, ou simplesmente ver mais fotos.

Ou seja, em 90% dos casos você bate o olho na primeira foto e já passa para o próximo perfil.

Mas do que as mulheres gostam de verdade? Bem, alguns elementos são questão de moda e é fácil de descobrir: barba, cortes de cabelo, roupas, alguns tipos de tatuagens, etc. É como criar um anúncio no Facebook: basta saber o público que você quer atingir, utilizar uma imagem que tenha apelo com essa audiência e voilá! Sabendo que o app funciona dessa forma, a técnica para conseguir atenção é bem lógica: é preciso passar uma ótima impressão na primeira foto. Não precisa ser bonito, ou ter um corpo sarado, o importante é pegar um ângulo legal. Não precisa amar animais ou saber tocar algum instrumento, basta estar segurando um dos dois e você já vai parecer sensível e descolado.

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Abaixo reproduzo um trecho do livro Quiet, de Susan Cain:

Os Estados Unidos mudaram do que o influente historiador de cultura Warren Susman chamou de Culto ao Caráter para o Culto à Personalidade — e abriram a caixa de Pandora das ansiedades pessoais das quais nunca nos recuperaríamos totalmente.

No Culto ao Caráter, o caráter ideal era o de alguém sério, disciplinado e honorável. O que contava não era tanto a impressão que alguém causava em público, mas como o indivíduo se portava na esfera privada. A palavra “personalidade” não existia em inglês até o século XVIII, e a ideia de “ter uma boa personalidade” não foi difundida até o século XX.

Na redes sociais todo mundo parece querer ser entendedor das coisas, ou pertencente de algum grupo, mesmo sem necessariamente ser nenhum dos dois. E no Tinder não é diferente. É a técnica do “Fake it until you make it” – você não precisa ser nada do que está vendendo nas fotos. Isso nos leva a um terceiro tipo de culto, o da superficialidade. Pessoas que se esforçam para parecer várias coisas e acabam suprimindo a própria personalidade.

No caso do aplicativo, o importante é conquistar a atenção do sexo oposto, e conseguir conversar o básico para trazer aquilo para o mundo real. Por conta desse tipo de dinâmica, os homens parecem mais preocupados em passarem uma impressão de que são algo, do que em honestamente serem. O caráter e a personalidade ficaram em segundo plano. Mas eles se esquecem que, para a maioria das mulheres, o visual sequer é a parte mais importante.

Não acredita? Então assista ao experimento social feito pelo canal Simple Pickup no YouTube:

A versão masculina você encontra aqui e acho que nem preciso dizer que o resultado foi bem diferente, né?

Meu ponto é: focar no superficial pode virar um hábito. Se você se preocupa demais com a sua aparência e com o que se parece nas fotos, vai acabar transportando essa obsessão para a vida real.

É o fim da rejeição

Se você é tímido e tem medo de conversar com mulheres, o Tinder é o aplicativo perfeito. Isso porque ele só notifica o seu alvo sobre o seu interesse caso ela também tenha te dado um sim. É maravilhoso, porque quebra um pouco a vantagem que os extrovertidos levam na conquista. Com o medo da rejeição sendo colocado de lado, você só precisa focar em tirar uma foto bacana e depois ser você mesmo na conversa.

Mas existe um lado negativo nessa lógica. Como o homem é notificado apenas sobre as mulheres que o acharam atraente, pode se esquecer das outras centenas que não corresponderam ao seu like e criar essa falsa sensação de que é amplamente desejado.

Sabe aquela criança que se acha especial porque só ouve sim dos pais? Então.

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Ele também se achava super especial…

O fato é que você pode até ter um número grande de matches, mas isso não te faz uma pessoa excepcional. As mesmas mulheres que gostaram da sua foto, também curtiram centenas de outros caras. Levar um não às vezes, como acontece quando você conhece uma garota na vida real, te ensina humildade e te faz refletir sobre como você pode melhorar e transformar aquela situação. Por outro lado, ser notificado apenas dos “sims” tende a amaciar o ego um pouco além do necessário.

Está deixando as pessoas preguiçosas

Se antes você era obrigado a tomar uma iniciativa para conhecer alguém legal, agora não precisa mais. O catálogo de mulheres está ali no seu bolso e você não precisa mais se esforçar para fazer nada no mundo real – é tudo mais fácil no app.

Viu uma garota interessante em um pub? “Deixa eu ver se encontro ela no Tinder, vai que ela deu like em mim” – assim, zero risco. Se não encontrar, também não tem problema, o importante é evitar o constrangimento. E mesmo que ela não esteja no app, milhares de outras estão. Relaxa!

Mas como fazer para melhorar as habilidades sociais sem sair da zona de conforto? E mais, quem garante que a garota mais interessante é também a mais fotogênica, ou a que se preocupa com os estereótipos na hora de escolher a foto? Conheço mulheres que pessoalmente são incrivelmente atraentes, mas que no perfil do Facebook parecem apenas normais (o contrário também, diga-se de passagem).

O mesmo vale para você: pode até ficar descolado com os filtros de Instagram, mas não dá pra capturar trejeitos e linguagem corporal em fotos. Esses detalhes pesam muito na hora da conquista. Também não dá pra usar os filtros na vida real, então cuidado com o que está vendendo!

Em resumo, falar só com quem te deu match no app te coloca em uma bolha social bastante prejudicial.

E se tiver alguém melhor?

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“Gatas, liguem para Barney Stinson”

No episódio “Rabbit or Duck” (S05E15) de How I Met Your Mother, Barney Stinson (o cafajeste do grupo) vai a um jogo do Super Bowl e aparece em rede nacional carregando um cartaz com o seu número de telefone. Ele começa a receber uma onda de ligações de muitas mulheres, todas querendo um encontro. Como o seu telefone não para de tocar (inclusive durante os encontros), Barney acaba dispensando todas as pretendentes, na esperança (ou medo) de que a próxima possa ser mais bonita e gostosa do que a atual.

Dizem que a vida imita a arte. No mundo real o telefone tocando seria facilmente substituído pelo Tinder. Alguns homens não se aprofundam com ninguém, porque têm essa sensação de que a pessoa mais interessante está ali, a um like de distância – basta abrir o catálogo de mulheres.

Claro que isso não é culpa da tecnologia. Conheço pessoas que estão em busca de um relacionamento mas não conseguem encontrar ninguém compatível. Para esses o Tinder pode até ajudar. Mas é preciso não cair nas armadilhas citadas acima, ou você pode pular da posição de “não consigo encontrar ninguém” para a ilusão de “todo mundo me quer! Cara, eu sou demais!”.

Concluindo

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O cara mais sexy do mundo.

Em um episódio recente do Tecnocast, chegamos à conclusão de que a tecnologia apenas potencializa o que já acontece na vida real. Olhando por essa perspectiva, fica fácil entender por que o Tinder está transformando homens em palermas. Mesmo que de forma despretensiosa, ele transmite a sensação de que o mais importante é, na verdade, algo que deveria ser apenas parte do jogo da sedução: a aparência física. Isso pode te levar a fazer as coisas pensando em “quantas mulheres vou impressionar se fizer isso ou comprar aquilo”, deixando de lado os próprios gostos e interesses.

Eu acho errado culpar a tecnologia pelo uso que fazemos dela, mas há de se notar que certas lógicas podem nos levar a padrões comportamentais específicos. Vocês certamente já conheciam caras com o ego inflado antes do Tinder, assim como conhecia caras legais. Mas existe uma porção de caras legais que está se transformando completamente por levarem o que vêem no app a sério demais.

E vale dizer, nem todo homem que usa o Tinder se transforma em um completo palerma. Se você tem maturidade para gerenciar esse jogo de egos, pode fazer um ótimo uso. Mas se sentiu uma leve cutucada ao ler alguma das coisas que falei nesse post, talvez seja melhor voltar duas casas e tentar de novo. 😛

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Escrito por

Thiago Mobilon

Thiago Mobilon

Founder & CEO

Começou a empreender aos 18 anos, fazendo manutenção de computadores e artes gráficas. Criou o Tecnoblog para ser uma espécie de laboratório, onde contaria as suas experiências com eletrônicos e, de quebra, poderia aprender sobre programação e servidores. No entanto o site cresceu rapidamente, se transformando em uma empresa de mídia digital.

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