Videogames são à prova de crises. Ou eram
Conhecida por segurar bem o tranco em época de recessão, a indústria de games terá que provar mais uma vez a sua resiliência
Conhecida por segurar bem o tranco em época de recessão, a indústria de games terá que provar mais uma vez a sua resiliência
Em 1983, o mercado de games quase naufragou. Havia empresas demais produzindo jogos, que eram lançados aos montes sem que houvesse de fato público suficiente para recebê-los. O resultado foram prateleiras lotadas de produtos encalhados. O prejuízo foi tamanho que inúmeros cartuchos foram despejados num aterro do Novo México, nos Estados Unidos.
O crash de 1983 ensinou diversas lições à indústria de videogames. Tanto é que, desde então, não houve outra grande crise no setor. Bem pelo contrário: o desempenho do mercado de jogos costuma ser bom até mesmo nos momentos de crise econômica. Criou-se até mesmo a máxima de que essa é uma indústria à prova de recessões.
Só que recessões acontecem de tempos em tempos. E, de acordo com economistas, estamos às portas de mais uma (inclusive os Estados Unidos, tecnicamente, talvez já tenham chegado lá). Os games, portanto, terão que provar mais uma vez sua força em meio a um cenário de desaceleração econômica.
Mas recessões não são iguais, e cada uma impõe desafios peculiares. E há quem aposte que a recessão que vem aí atingirá os videogames com mais força do que as anteriores.
Antes de entrar nessa discussão, no entanto, vale a pena entender o histórico positivo da indústria de games em meio às crises.
Após a crise nos anos 1980, o mercado de jogos passou por uma onda de crescimento nas duas décadas seguintes. Segundo o analista Rob Fahey, do GamesIndustry.biz, isso pode ser atribuído à frequente renovação do público. Se no início os videogames eram vendidos como a diversão de meninos adolescentes, esse perfil foi se ampliando mais e mais com os anos.
Tornou-se mais aceito que pessoas mais velhas jogassem, e não apenas o público jovem. Além disso, o público feminino passou a ser mais contemplado pela indústria. O hábito de jogar se converteu numa forma bastante abrangente de entretenimento. Jogar era para todo mundo, e a indústria respondia com games capazes de dialogar com diversos públicos.
O valor dos games também entra nessa equação. Nos EUA, jogos tendem a custar pouco em comparação a outras formas de entretenimento. Mesmo os famosos jogos AAA, mais caros, podem ser considerados um investimento interessante. Afinal, a experiência que fornecem pode durar semanas, talvez meses. Muito mais do que uma ida ao cinema ou uma viagem de férias. Comparativamente, jogar pode ser um hobby barato.
Com um público em constante expansão (bem diferente do cenário de 1983) e entregando um produto cujo valor era visto como vantajoso, a indústria se fortaleceu. Isso significa que os videogames se tornaram um setor à prova de crises? Rob Fahey explica a situação da seguinte forma:
(…) “à prova de recessão” é um termo impróprio; não é que o negócio de jogos fosse imune aos efeitos da recessão, mas sim que estava crescendo tão rápido que mesmo uma recessão não poderia compensar o crescimento a ponto de empurrá-lo para números negativos.
Trata-se de um pequeno exagero, portanto, descrever a indústria de jogos com à prova de recessão; no entanto, sua performance durante crises mostrava que o setor conseguia se sair bem quando as coisas iam mal.
Inflação em disparada no mundo todo, estragos nas cadeias de produção causados pela pandemia, a guerra entre Rússia e Ucrânia mexendo com o comércio entre países. Estes são alguns dos elementos que constituem a recessão que se aproxima (ou que já está aqui, dependendo de quem analisa).
O que torna esta crise mais preocupante que outras, pelas quais a indústria de videogames já passou? O primeiro ponto a ser considerado, de acordo com Fahey, é a própria capacidade do mercado gerar mais público. O crescimento meteórico ocorrido nas décadas passadas se reduziu a um ritmo bem mais controlado. Os games já estão no mainstream; é natural que o público não tenha mais tanto espaço para crescer.
Também é preciso considerar que o cenário favorável trazido pela pandemia – presos em casa, muitos inseriram os jogos em suas rotinas – está se desfazendo. Com o avanço na vacinação e o retorno às atividades presenciais, o mercado já demonstra sinais de desaceleração, com diversas empresas do setor reportando números abaixo das expectativas.
Outro ponto que levantado é a queda no poder aquisitivo. Crises econômicos normalmente trazem consigo aumentos nos produtos mais essenciais, como itens de alimentação. No nosso contexto, podemos colocar também os combustíveis na conta. É um contexto em que as pessoas reavaliam seus gastos – e aqui é que mora o perigo para os videogames, que poderiam ser considerados uma despesa supérflua.
Aqui também pesa o modelo de gasto constante que hoje é empregado por muitos players do setor: jogos com DLCs e conteúdos à parte, onde o consumidor precisa continuar gastando após comprar o produto inicial. Ou jogos de celular onde é literalmente necessário pagar para vencer. Difícil justificar gastos como esses quando é necessário economizar.
Além disso, a inflação pode levar a um aumento também no valor dos jogos. Isso sem falar nos consoles. A Sony já anunciou que Playstation 5 terá reajuste em alguns mercados, por exemplo. E os jogos AAA podem entregar meses de entretenimento, mas, ainda assim, R$ 350,00 num lançamento pode pesar bastante no orçamento mensal.
Nesse sentido, a faixa etária dos jogadores conta muito, como Fahey argumenta:
Por mais que o público de jogos tenha envelhecido, as partes mais engajadas desse público (…) tendem a ser consumidores masculinos mais jovens, e, na maioria dos países, esse grupo viu seus ganhos estagnar na melhor das hipóteses, o que significa que agora estão diminuindo drasticamente em termos reais. Um aumento de preço será difícil de vender para esse público.
Isso significa que os videogames perderão suas “defesas” contra a recessão? Não necessariamente. Mas a aposta de analistas como Fahey é que, desta vez, o golpe na indústria será mais contundente. Tudo depende de como ela vai usar a experiência acumulada desde 1983 para navegar os tempos difíceis que se aproximam.