Chega de culpar os videogames pela violência na vida real

Felipe Ventura
• Atualizado há 1 mês

Na semana passada, um tiroteio em uma escola na Flórida deixou 17 mortos e vários feridos. Nikolas Cruz, de 19 anos, usou um fuzil AR-15 para atirar em alunos e professores da Marjory Stoneman Douglas High School.

Este foi um dos dez tiroteios em massa com maior número de mortes na história recente dos EUA. Por que isso acontece com tanta frequência? Em vez de se concentrar nas armas, alguns políticos estão culpando videogames.

O governador do Kentucky, Matt Bevin, disse na semana passada que os videogames violentos “celebram o abate de pessoas. Existem jogos que literalmente dão aos usuários a habilidade de ganhar pontos por fazer o mesmo que esses alunos estão fazendo dentro das escolas”.

Bevin usou esse mesmo argumento em janeiro, quando ocorreu um tiroteio em uma escola de Kentucky. Ele disse que videogames fazem parte da “imundície” da indústria de entretenimento, e “dessensibilizam os jovens para a verdadeira realidade trágica e para a permanência da morte”.

Esta semana, o presidente Donald Trump também resolveu culpar os videogames. “Estou ouvindo mais e mais pessoas vendo que o nível de violência nos jogos realmente está moldando a mente dos jovens. E então você avança um passo, e temos os filmes… eles são tão violentos, com matanças e tudo mais, e talvez devêssemos pensar sobre isso”.

Como solução, Trump sugere que “talvez precisemos colocar um sistema de classificação para isso”. Filmes e jogos têm classificação etária há décadas.

Na mídia

Essa suposta conexão entre tiroteios e jogos violentos não é nova, e vem sendo repetida pela mídia. Em 1999, várias notícias apontavam que um dos atiradores de Columbine era fã de Doom. Um boato desmentido dizia que ele criou fases adicionais para treinar o ataque. Em 2007, alguns relatos associavam Counter-Strike ao atirador da Virginia Tech que deixou 33 mortos.

E em 2011, o jornal O Globo publicou uma matéria dizendo que Wellington Menezes de Oliveira, atirador no massacre de Realengo, trocava mensagens na internet sobre GTA e Counter-Strike.

Ela dizia que, nos dois jogos, “o jogador municia a arma com auxílio de um Speed Loader, um carregador rápido para revólveres, usado por ele no massacre de alunos na Escola Municipal Tasso da Silveira… acumula mais pontos quem matar mulheres, crianças e idosos”. Essa parte foi silenciosamente removida da reportagem porque estava incorreta.

Jogos não causam violência

Afinal, existe alguma conexão entre jogos violentos e violência na vida real? Não.

Christopher J. Ferguson, pesquisador que vem estudando o assunto há 15 anos, analisou 101 estudos e descobriu que videogames violentos têm pouco impacto em jovens — isso inclui notas na escola, humor, medidas de agressividade e disposição para ajudar os outros.

Um estudo da Universidade de York, publicado este ano, analisou 3 mil pessoas e descobriu que o realismo em jogos violentos não se traduz em agressão no mundo real.

Estudos mostram, na verdade, que a violência juvenil pode cair substancialmente graças a videogames violentos. “Pesquisas mais recentes sugerem que o lançamento de jogos violentos altamente populares está associado a declínios imediatos em crimes violentos”, escreve Ferguson.

Criminologistas que estudam tiroteios em massa dizem que a conexão com jogos violentos é “mito”. E a Associação Americana de Psicologia sugeriu em 2017 que os políticos e a mídia parem de associar os tiroteios em massa a videogames violentos, porque não existe conexão entre os dois.

John Edwards, que trabalha na comissão de privacidade da Nova Zelândia, lembra que o mundo inteiro tem acesso aos jogos e filmes violentos dos EUA, mas tiroteios em massa nas escolas não ocorrem com frequência em outros países.

O motivo deve ser outro. É bem possível que a culpa seja das armas reais, e não das virtuais: os EUA correspondem a 4,4% da população global, mas detêm 42% das armas de fogo em todo o mundo.

Com informações: Ars Technica, The Next Web.

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Felipe Ventura

Felipe Ventura

Ex-editor

Felipe Ventura fez graduação em Economia pela FEA-USP, e trabalha com jornalismo desde 2009. No Tecnoblog, atuou entre 2017 e 2023 como editor de notícias, ajudando a cobrir os principais fatos de tecnologia. Sua paixão pela comunicação começou em um estágio na editora Axel Springer na Alemanha. Foi repórter e editor-assistente no Gizmodo Brasil.