Startup promete pagar R$ 300 a quem comprou iPhone ou Galaxy sem carregador

Regera oferece quantia em troca de indenizações que consumidores possam vir a receber de empresas como Apple, Samsung e Volkswagen

Giovanni Santa Rosa
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Baterias de sódio podem ser a solução para recargas rápidas de verdade (imagem: Paulo Higa/Tecnoblog)

A startup Regera oferece R$ 300 para quem comprou um celular sem carregador na caixa, e para quem foi afetado pelo Batterygate — incluindo donos do iPhone 6, 7 e SE de primeira geração. O objetivo é defender direitos e obrigar grandes companhias a cumprirem a lei, ganhando dinheiro com isso. O Tecnoblog entrou em contato com a empresa e com especialistas para entender como isso funciona, e se isso é realmente permitido.

O foco da Regera está em casos notáveis, como o Batterygate da Apple, o Dieselgate da Volkswagen, e a venda de celulares sem carregador. A startup busca consumidores que podem ter sido lesados, mesmo que não tenham intenção de mover um processo contra as empresas.

A Regera faz duas propostas ao consumidor. Uma delas é receber 70% da indenização devida sem precisar mover um processo para isso — a Regera se encarrega de fazer a parte burocrática e fica com 30% do valor recebido quando a ação for julgada.

A outra opção é mais curiosa: a startup paga uma quantia antecipada, independente do resultado do julgamento. Sim, o cliente recebe um pagamento, mesmo que, lá na frente, a Justiça decida que os consumidores não têm direito a indenizações. Por outro lado, caso o veredito seja favorável, a Regera fica com 100% do valor pago pelas empresas.

Apple, Samsung e Volkswagen são alvos de processos

Atualmente, a Regera tem três casos elencados em seu site. Um deles é o Batterygate — a Apple está sendo processada por restringir deliberadamente o desempenho de iPhones mais antigos, alegando desgaste na bateria.

Outro é o Dieselgate — a Volkswagen fraudou os sensores de emissão de gases poluentes nas picapes Amarok, em um episódio que teve repercussão mundial.

O terceiro e último é a venda de celulares sem carregador, praticada pela Apple desde 2020 e pela Samsung em alguns modelos.

iPhone 7
iPhone 7 é um dos modelos envolvidos no Batterygate (Imagem: Paulo Higa / Tecnoblog)

Para o Batterygate e a venda de celulares sem carregador, a Regera oferece R$ 300 reais antecipados. A outra opção é esperar o processo correr e ficar com 70% da indenização.

A empresa estima em R$ 3 mil o valor da indenização, caso a Justiça dê ganho de causa aos consumidores. Isso pode não acontecer, ou pode acontecer somente daqui a cinco ou dez anos.

Fazendo negócios com direitos

A Regera se posiciona como uma fintech de compra de direitos creditórios padronizados — isto é, ela compra muitos direitos “iguais” de várias pessoas.

O valor antecipado, como você pode perceber, é bem menor. Bruno Dollo, fundador da empresa, diz haver vários fatores envolvidos.

“Nesta quantia, estão precificadas variáveis como custo do dinheiro, tempo estimado até o julgamento, probabilidade de ganhar, probabilidade de ganhar e não receber, probabilidade de o negócio não dar certo”, explica, em conversa com o Tecnoblog.

Nem todo mundo opta por antecipar o valor. Nos casos envolvendo celulares, Dollo diz que cerca de um terço dos consumidores quis esperar para tentar receber mais.

No Dieselgate, ocorreu o inverso: um terço preferiu receber R$ 1.540, enquanto a maioria quis aguardar. Estima-se que a ação resulte em uma indenização de cerca de R$ 25 mil, mas isso só deve acontecer daqui a cinco a dez anos.

Volkswagen Amarok
Volkswagen Amarok, envolvida no Dieselgate (Imagem: Vauxford / Wikimedia Commons)

A Regera foi fundada há quatro anos e, até agora, não obteve receitas. Com a ajuda de investidores, ela constituiu um fundo de R$ 85 milhões para compra de direitos creditórios. Até o momento, cerca de 10 mil foram comprados — os planos são chegar a 100 mil até o fim do ano, gastando R$ 20 milhões do que foi levantado até o momento.

A empresa também busca novos casos que possam ser interessantes. O fundador comenta que novidades relacionadas aos setores de telecomunicações e automotivo devem surgir até o fim de 2022. A ideia é formar uma plataforma em que os consumidores possam vender direitos de várias ações ao mesmo tempo.

Além disso, a empresa pretende negociar os direitos creditórios adquiridos no mercado secundário, vendendo-os para outros interessados nas indenizações que as causas podem render.

Os processos em questão são ações civis públicas. Elas não podem ser movidas por qualquer pessoa, apenas por estas entidades: União, Estados, Municípios, Distrito Federal, Ministério Público, Defensorias Públicas e associações autorizadas por lei.

Quando as ações civis públicas tratam de direitos coletivos e a Justiça determina a indenização, os consumidores lesados podem comparecer e solicitar seu pagamento, mesmo que não tenham participado do processo.

No caso do Dieselgate, o processo é da Assecivil (Associação de Defesa dos Direitos dos Consumidores). No Batterygate, foi a Iconprev (Instituto do Consumidor e da Previdência) quem moveu a ação.

Dollo explica que a empresa mapeia ações que ainda estão na chamada fase de conhecimento, quando se é discutido o mérito da questão, e podem ser interessantes ao negócio de compra de direitos creditórios. Ela também tenta soluções administrativas, sem a necessidade de entrar na Justiça.

Volkswagen Imagem: Erik Mclean/Unsplash
Volkswagen (Imagem: Erik Mclean/Unsplash)

A operação pode parecer estranha, mas é legal. “A cessão de direitos creditórios ou cessão de crédito judicial é permitida por nosso ordenamento jurídico, especialmente, a partir do art. 286, do Código Civil”, explica ao Tecnoblog a advogada Ana Carolina Teles, do escritório Assis e Mendes.

O negócio funciona exatamente dessa forma: uma pessoa física ou jurídica que tem algo a receber repassa esse direito a outra, que fica com o pagamento feito por um terceiro, de acordo com decisão judicial.

Mauricio Fabbri, advogado do escritório Cescon Barrieu, pondera que podem surgir questionamentos ou dúvidas na Justiça. “Tendo em vista que o assunto é relativamente novo, não dá para descartar discussões inéditas, tais como: quem comprou o crédito do consumidor faz jus à inversão do ônus da prova?”, questiona ele em conversa com o Tecnoblog.

Em outras palavras: pode ser que certas práticas adotadas para “equilibrar” julgamentos de direito do consumidor passem a não valer para quem comprou os direitos.

O Tecnoblog apurou, no entanto, que existe certo receito com a questão. Uma fonte, que pediu para não ser identificada, teme que os processos sejam “vulgarizados”, e o negócio se torne uma “loteria”, com investidores entrando com muitas ações, buscando ganhar algumas para ter lucro na operação.

Dollo, porém, defende que a Regera pode ajudar a fazer os direitos do consumidor serem respeitados. Ele afirma que, quando se trata de ações envolvendo quantias menores de R$ 20 mil, apenas 5% dos cidadãos afetados buscam seus direitos.

A atuação da startup, na visão do fundador, poderia incentivar um movimento nesse sentido. As associações poderiam mover mais processos, e os consumidores teriam acesso mais fácil a quantias a receber. Para Dollo, essa atuação pode forçar as empresas a, enfim, respeitar as leis.

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Giovanni Santa Rosa

Giovanni Santa Rosa

Repórter

Giovanni Santa Rosa é formado em jornalismo pela ECA-USP e cobre ciência e tecnologia desde 2012. Foi editor-assistente do Gizmodo Brasil e escreveu para o UOL Tilt e para o Jornal da USP. Cobriu o Snapdragon Tech Summit, em Maui (EUA), o Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre (RS), e a Campus Party, em São Paulo (SP). Atualmente, é autor no Tecnoblog.

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