Estamos passando por um período que será retratado nos livros de história em alguns anos. Período esse no qual guerras e conflitos violentos em países como Síria, Iraque, Afeganistão, Nigéria e Haiti forçam seus habitantes a procurem outro país para viver. Ou sobreviver.
Como era de se esperar, recentemente muitos deles passaram a procurar abrigo na Europa, o que gerou situações extremamente tristes, como embarcações que afundaram, deixando muitos mortos, incluindo idosos e crianças, crises de imigração em diversas fronteiras, braços abertos de países como a Alemanha, mas também braços cruzados por parte de outras nações européias — a exemplo da Polônia, que devido ao seu passado, diante do que aconteceu com a Alemanha nazista e os russos décadas antes, esperava-se que fosse ser menos radical.
Adicione a essa receita do caos o que aconteceu em Paris, todos os ataques terroristas, a motivação religiosa, econômica e política do Daesh (prefiro não chamar de Estado Islâmico), fomentada pelo extremismo de seus integrantes, e temos um cenário de medo e desinformação, que culmina em intolerância e xenofobia.
Nos Estados Unidos, a confusão é tanta que algumas pessoas chegaram a criar comitês regionais para tentar evitar que seus estados recebam refugiados muçulmanos, sendo que uma atitude como essa se dá em esfera federal. O presidenciável Donald Trump, o mesmo que quer criar uma muralha nas fronteiras com o México para combater imigrantes ilegais, chegou a propor um plano para registrar muçulmanos, obrigando-os a portar um documento ou insígnia para evidenciar sua religião ou seu país de origem. Para quem não se lembra, foi exatamente isso que os nazistas fizeram com judeus.
Alguns argumentam que refugiados poderiam levar violência para os países que por ventura abrirem suas portas para eles. Ou também que essas pessoas em fuga possuem uma religião ou cultura que os impedem de se misturar à sociedade local. Só que os números e a história provam que isso não é verdade. Para quem ainda tem dúvidas em relação a isso, por favor assistam a este vídeo do pessoal do Kurzgesagt:
Outra pergunta que algumas pessoas se fazem, e é esperado e compreensível que estas perguntas surjam, é como saber distinguir refugiados de terroristas. Como lidar com esse risco. E realmente isso é um problema, que deve ser endereçado pelos órgãos de inteligência de cada país, com investigação, monitoramento e colaboração da sociedade local.
“Ah, mas isso pode aumentar o risco de atentados terroristas!” – Aí eu preciso lembrar que há indícios de participação de franceses nos ataques de Paris. Como o governo Francês precisa lidar com isso? Impedindo que franceses entrem na França sob o risco de deixar franceses terroristas entrarem em seu território? Não, certo? Eles devem resolver isso como se lida com terroristas, sejam eles franceses ou cidadãos vindos de outros lugares. O que não se pode é cunhar como possível terrorista justamente as pessoas que abandonaram tudo para fugir destes mesmos monstros.
Pode parecer redundante o que eu vou dizer, e não é, mas poucas coisas nesse mundo são mais assustadoras que o medo coletivo.
Teoria do caos, Efeito Borboleta e um mundo completamente diferente
Eu não sei se todos estão familiarizados com estes conceitos, mas antes de falar da parte técnica disso (e pelo bem da arte que existe por trás de termos matemáticos), dê uma olhada nesse diagrama da trajetória do sistema de Edward Lorenz (com valores r = 28, σ = 10, b = 8/3):
Lindo, né? Você nota como as linhas vão para um lado das asas da “borboleta”, fazem a curva e voltam para a outra asa, mas com uma mudança em seu trajeto, da mais sutil à mais drástica? Pois é. Segundo a teoria apresentada, o bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas. Poético.
Eu poderia aqui criar um sistema dinâmico, com a definição matemática, mas antes de terminar de escrever a fórmula, vocês estariam dormindo. Prefiro ficar com a parte divertida da coisa, e ninguém melhor que o Átila do Nerdologia para mostrar o conceito de uma forma tão didática:
Com isso em mente, comecei a me questionar sobre como seria o mundo hoje em dia se os países fechassem suas fronteiras para pessoas em necessidade, pautados no medo, preconceito religioso ou xenofobia. E se isso fosse aceitável?
Dos mais renomados estudos científicos, aos mais simples componentes eletrônicos, muita coisa mudaria. Justamente porque boa parte destas coisas se tornaram realidade, direta ou indiretamente, por causa de imigrantes e/ou refugiados.
Albert Einstein
Que tal viver num mundo no qual descobertas imprescindíveis do ramo da Física, ou a Teoria da Relatividade, padecessem diante de um regime ditatorial?
Albert Einstein foi uma das maiores mentes científicas do mundo. Ele ganhou prestígio e fama por suas descobertas, incluindo a Teoria da Relatividade. Em 1921, Einstein ganhou o Prêmio Nobel de Física.
Na década de 1930, os nazistas chegaram ao poder, e Einstein passou a sofrer antisemitismo e perseguição, obrigando-o a fugir para os Estados Unidos. Lá ele assumiu um cargo de professor na Universidade de Princeton e, além de ter ajudado a proteger e salvar judeus alemães, foi mentor de muitos de seus estudantes, os auxiliando a seguirem carreira e compartilharem seu conhecimento.
Frédéric Chopin
Polonês nascido em 1810, Chopin foi provavelmente o maior compositor do século XIX. Apaixonado, trágico, melancólico e patriota, esse gênio da música sonhava com uma Polônia livre. Ainda estudante ele planejou uma insurreição contra os russos, e passou a divulgar a causa da Polônia no exterior, através de sua música, com permissão de seu pai, um patriota polonês inveterado.
Chopin deixou a Varsóvia e se mudou para Viena. Alguns meses depois, quando os combates começaram, ele foi aconselhado a não voltar, sendo acolhido pela nobreza polonesa que se refugiava em Paris, por volta de 1831.
Raphael Lemkin
O advogado polonês Raphael Lemkin foi responsável por cunhar o termo “genocida”, muito antes do mundo conhecer os horrores de Auschwitz. Já em 1933 ele apareceu diante do conselho Jurídico da Liga das Nações, em Madrid, com uma proposta pacificadora, na tentativa de proibir atos de barbárie e vandalismo.
Ele ajudou a elaborar o código penal da recém-independente Polônia, pouco depois da Primeira Guerra Mundial, e serviu como promotor público em Varsóvia até 1934, quando ataques antissemitas o obrigaram a abandonar seu trabalho governamental. Em 1939 ele teve que fugir, se escondendo em florestas a caminho da Suécia.
Em 1941 ele conseguiu asilo nos Estados Unidos, se tornando professor da Duke University. Até hoje Lemkin é conhecido como uma das vozes mais fortes na luta contra crimes de guerra.
Satya Nadella
Nadella nasceu em Hyderabad, Andhra Pradesh (hoje Telangana), Índia, no ano de 1967. Mudou-se para os Estados Unidos em 1988 para estudar e não voltou mais.
Ele fez grandes contruibuições à Sun Microsystems, foi contratado pela Microsoft em 1992, chefiou a divisão de serviços nas nuvens e, em fevereiro de 2014, se tornou CEO da Microsoft, o terceiro da história da empresa.
Mobile First, Cloud First.
Sergey Brin
Imagine o mundo atual sem o Google. Pois é, complicado, né? Sergey Brin nasceu em Moscou, na Rússia. Quando ele tinha 6 anos de idade, seus pais se mudaram para os Estados Unidos, onde ele cresceu, se desenvolveu e deu frutos. Não, calma, isso é uma árvore.
Seus pais, Mikhail e Yevgenia Brin, ambos formados pela Universidade Estadual de Moscou, se tornaram, respectivamente, professor de matemática na Universidade de Maryland e pesquisadora do Centro de Vôos Espaciais Goddard, da NASA. Imagine as conversas na hora do jantar dessa família!
Brin seguiu os passos de seu pai, estudando matemática e, depois, se formando em Ciência da Computação. Quando estava estudando na Universidade de Stanford para adquirir o título de PhD, ele deu início a uma pequena startup, chamada Google, numa garagem alugada. O resto é história. Pode procurar no… tá.
Vale citar que o atual presidente do Google é Sundar Pichai, ou Pichai Sundararajan (ou: பிச்சை சுந்தரராஜன்), nascido na Índia, e que também estudou em Stanford.
Steve Jobs
A crise da Síria trouxe à tona novamente o fato de que o pai biológico de Steve Jobs, fundador da Apple, NeXT e Pixar, era um refugiado político da Síria. Abdul Fattah Jandali fugiu do Oriente Médio por causa dos protestos e revoltas armadas que aconteciam no Líbano entre 1952 e 1954.
Como hoje, muitos optavam em ir para a Europa, mas Jandali conhecia o até então embaixador sírio das Nações Unidas, Najm Eddin al-Rifai, e foi morar em New York.
Ele conseguiu uma bolsa de estudos na Wisconsin University, onde obteve o título de PhD em Economia e Ciências Políticas. E onde também conheceu Joanne Carol Schieble, uma garota católica de origem alemã-suíça, com quem teve um relacionamento amoroso. Eles engravidaram, mas a família de Joanne não aceitava o namoro de forma alguma, justamente pelo fato de Jandali ser muçulmano. Os dois se separaram e a criança foi colocada para adoção em San Francisco, sob a condição de que os pais adotivos fossem católicos e tivessem formação superior. Assim o bebê foi parar nos braços do casal Paul e Clara Jobs.
Num mundo de fronteiras fechadas, a história da computação pessoal seria completamente diferente. E talvez não tivéssemos smartphones. Certamente iPhones não existiriam, nem filmes da Pixar. Como viver num mundo sem Toy Story, sem Wall-E, sem Vida de Inseto, sem Procurando Nemo, sem Up: Altas Aventuras? Não tem condições.
A Syrian migrants’ child. pic.twitter.com/sjBxuInpEp
— David Galbraith (@daveg) September 2, 2015
Matheus Gonçalves
Matheus Gonçalves é um brasileiro que se mudou para os Estados Unidos em…
Não, sacanagem!
Um mundo de igualdades e diferenças
Dizem que a maior demonstração de igualdade é a total aceitação das diferenças. E eu acredito nisso. Sei que é difícil manter um espírito otimista e humanitário vendo extremistas religiosos tirando vidas inocentes, ou tendo bom senso e clareza de ideias a milhares de quilômetros de distância de uma cultura desconhecida, de um sofrimento que não se sente.
Isso deturpa qualquer indício de empatia.
Mas ficou evidente que o mundo seria completamente diferente caso a xenofobia crescente fosse a voz da maioria. E existem muitos outros imigrantes ou refugiados nem tão famosos, mas que participaram ativamente em ações que mudaram a história como a conhecemos. A lista é imensa.
E você, o que pensa disso tudo? Tem outros nomes para adicionar à lista?