Por que podemos esperar cada vez mais produções originais na Netflix

Tem para todos os gostos: são 70 novas atrações prometidas somente para 2016

Emerson Alecrim
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• Atualizado há 1 ano e 3 meses
Netflix

De um serviço de aluguel de DVDs via correios nos Estados Unidos a uma gigante do streaming com atuação global. É assim que dá para resumir a trajetória da Netflix. Com tanta prosperidade, a companhia tem conseguido apostar cada vez mais em produções originais, especialmente séries. Esse é um grande diferencial, não? Mais do que isso: no fundo, essa é uma estratégia de sobrevivência.

Não que a Netflix esteja passando por algum tipo de crise. É o contrário: a companhia começou 2016 disponibilizando os seus serviços em mais 130 países. Estamos falando da execução do maior plano de expansão da empresa desde o seu surgimento, em 1997. Em vez de sobrevivência, poderíamos dizer que essa é uma estratégia de “dominação mundial”, portanto.

Sucesso demais, renovação de menos

O problema está nos efeitos colaterais. O sucesso crescente da Netflix está fazendo a empresa enfrentar dificuldades para fechar acordos de licenciamento. As consequências você conhece bem: filmes ou séries que somem do catálogo e não voltam mais (eu até hoje sinto falta de Futurama e South Park), além de certa letargia na renovação do conteúdo — o acervo tem menos títulos do que você gostaria, acertei?

Essa é uma queixa antiga. Quando a Netflix chegou ao Brasil, em 2011, muita gente experimentou o serviço, mas se decepcionou com a quantidade de produções oferecidas. De lá para cá o acervo aumentou consideravelmente, mas a sensação de que o conteúdo poderia ser mais extenso permanece, ainda que em menor escala.

Netflix - logo

Se engana quem pensa que esse é um problema exclusivo da versão brasileira. A Netflix não gosta de liberar abertamente os seus números, mas um levantamento feito pelo AllFlicks, site que lista o conteúdo disponível no serviço, indica que o acervo da empresa nos Estados Unidos perdeu cerca de 2,5 mil filmes nos últimos dois anos: no início de 2014 o catálogo contava com 6.494 títulos; hoje há 4.335.

É uma redução de aproximadamente 30%. E olha que faltou falar dos seriados e programas de TV: no início de 2014 havia 1.609 produções do tipo; hoje o acervo registra 1.197 séries.

Os números retratam a versão da Netflix para os Estados Unidos, mas a situação do serviço em outros países não é muito diferente. Isso acontece, basicamente, porque cada produção disponibilizada tem um prazo para ficar no catálogo estabelecido no licenciamento. Como nem sempre a Netflix consegue renovar o acordo, esses títulos desaparecem.

A Netflix também enfrenta dificuldades para trazer títulos inéditos à plataforma, especialmente aqueles que acabaram de sair do cinema. Há diversas razões para isso. Os contratos de licenciamento ou renovação podem ter preços maiores do que o razoável, por exemplo. Também é possível que serviços rivais estabeleçam acordos de exclusividade com determinadas produções.

Nivelando por baixo

As produções originais estão entre as classificações mais altas
As produções originais estão entre as classificações mais altas da Netflix

Para a companhia, o ideal seria oferecer um acervo universal, isto é, único para todos os países. Assim seria mais fácil (e, talvez, menos custoso) negociar licenciamentos e os usuários não se preocupariam em utilizar proxies ou outras artimanhas para acessar conteúdo disponível em um acervo estrangeiro.

Só que os acordos são quase sempre locais. “As distribuidoras possuem interesses diferentes em cada país”, explicou Carlos Gomez Uribe, vice-presidente de inovação da Netflix, ao Estadão. É por isso que há diferenças nos catálogos de cada mercado.

Nesse ponto, não é necessariamente ruim para a Netflix diminuir o catálogo da versão norte-americana, por incrível que pareça. Essa é uma forma de nivelar por baixo: o acervo dos Estados Unidos, o mais generoso em número de títulos, acaba ficando mais próximo da quantidade de produções oferecidas em outros países, deixando a plataforma mais unificada, digamos assim.

Porém, nem eu nem você ficaria feliz em saber que a Netflix está, deliberadamente, diminuindo o acervo. Esse é o tipo de economia que levaria usuários para serviços rivais (no mercado onde eles existem) ou, pior, faria todo mundo recorrer aos torrents da vida. O que a empresa está fazendo, portanto, é uma troca: o conteúdo de terceiros diminui (mas não acaba, veja bem), mas as produções originais aumentam.

Há muita astúcia nessa abordagem. Os usuários já entenderam que, na maioria das vezes, as atrações originais da Netlix têm excelente qualidade e são exclusivas: Narcos, Sense 8, Fuller House, Orange Is The New Black, Demolidor, Jessicas Jones, Flaked, House of Cards e tantas outras produções só estão disponíveis por lá. Ou quase: House of Cards, por exemplo, é produzido pela Media Rights Capital, que tem alguma autonomia para licenciar a série para outras empresas.

House of Cards

A melhor parte é que as produções originais realmente diminuem a dependência da Netflix de distribuidores, estúdios de cinema e produtoras de TV. O conteúdo original pode ficar indefinidamente no acervo e, ainda por cima, ter lançamento simultâneo em todos os mercados em que a Netflix atua.

70 novas atrações originais só em 2016

Não é de se surpreender, portanto, que a Netflix planeje produzir cerca de 70 atrações somente em 2016. O caixa para isso não é pequeno: pelo menos US$ 5 bilhões estão disponíveis para essas produções e para contratos de licenciamento.

Com tanto dinheiro, a Netflix está podendo até diversificar: das 70 novas atrações, pelo menos 20 serão produções para crianças, público que encontra cada vez mais espaço no serviço. Os efeitos disso já são sentidos pelos rivais. Em 2015, Disney Channel e Cartoon Network tiveram queda de 25% na receita, aproximadamente. Em parte, a “culpa” disso é dos serviços de streaming.

Outra prova do engajamento da Netflix com as produções originais está nos detalhes. Demolidor e Jessica Jones, por exemplo, foram feitos para que até usuários que não acompanham as publicações da Marvel pudessem entender as histórias. Essa abordagem deu tão certo que as reclamações sobre essas séries são pouco frequentes.

Demolidor

Pode não ser evidente, mas a diversificação de conteúdo também é um cuidado para aumentar o engajamento. Reed Hastings, CEO da Netflix, disse no ano passado que acha Demolidor muito violento, mas admite ser fã de Unbreakable Kimmy Schmidt. O que ele quis dizer com isso é o seguinte: podemos esperar, cada vez mais, produções para todos os gostos.

Se antes havia certa desconfiança dos investidores em relação a essa estratégia, hoje parece estar claro que o melhor caminho para a Netflix é mesmo esse. Tanto que o número de produções originais regionais também deve aumentar. A companhia já está investindo em conteúdo espanhol, só para exemplificar. O mesmo deve acontecer em relação ao Brasil.

De tudo isso eu só espero uma coisa: arranjar tempo para assistir a tantos vídeos.

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Emerson Alecrim

Emerson Alecrim

Repórter

Emerson Alecrim cobre tecnologia desde 2001 e entrou para o Tecnoblog em 2013, se especializando na cobertura de temas como hardware, sistemas operacionais e negócios. Formado em ciência da computação, seguiu carreira em comunicação, sempre mantendo a tecnologia como base. Em 2022, foi reconhecido no Prêmio ESET de Segurança em Informação. Em 2023, foi reconhecido no Prêmio Especialistas, em eletroeletrônicos. Participa do Tecnocast, já passou pelo TechTudo e mantém o site Infowester.