Por que teorias culpando o 5G pela Covid-19 estão se espalhando

Conspirações que culpam o 5G pela Covid-19 já fizeram dezenas de torres de telefonia serem queimadas

Emerson Alecrim
• Atualizado há 1 ano e 7 meses
Antena de celular

É lamentável, mas não surpreendente, que tempos sombrios como o que estamos vivendo resultem em tantas teorias da conspiração. No entanto, poucas conseguem ser tão absurdas quanto as que culpam redes 5G pela disseminação do coronavírus ou pela gravidade da Covid-19.

Mais absurda ainda é a quantidade de pessoas que acreditam em acusações tão fantasiosas. Movidas pelo medo ou sentimentos de indignação, elas espalham as falsas teorias por meio de redes sociais e serviços como o WhatsApp.

O resultado causa perplexidade: na Europa, sobretudo no Reino Unido, onde as teorias ganharam força descomunal, dezenas de torres de telefonia celular, muitas das quais não funcionam com 5G, já foram queimadas. Trata-se de uma releitura completamente distópica da caça às bruxas.

Como chegamos a esse ponto?

O celular como vilão

A telefonia móvel se tornou amplamente difundida com as redes 3G, que favoreceram o tráfego de dados e deixaram de tratar as chamadas de voz como única prioridade.

Os efeitos disso são visíveis até para o observador menos atento: torres de telefonia passaram a fazer parte da paisagem de numerosas cidades; smartphones com telas amplas substituíram celulares só usados para ligações, torpedos, e o jogo da cobrinha.

Se na época dos aparelhos mais simples já havia estudos que tentavam descobrir se esses dispositivos causam problemas como câncer e infertilidade masculina, a preocupação só aumentou com a chegada massiva dos smartphones.

Celular + câncer (Ilustração: Newsweek)
Ilustração: Newsweek

De lá para cá, diversas pesquisas sobre a relação de celulares com problemas de saúde foram publicadas, muitas das quais enveredaram para as redes de telefonia móvel em si.

Alguns estudos associaram a telefonia celular a determinadas doenças ou condições, mas sem apresentar evidências realmente fortes sobre isso. É por isso que nenhuma agência de saúde condena o uso de celulares.

O problema é que, embora nunca tenha sido a intenção dos pesquisadores (pelo menos daqueles que são sérios), a divulgação desses estudos acabou gerando ondas de desconfiança que, aos poucos, alimentaram ou resultaram em teorias da conspiração.

Como redes 5G entram nessa?

Na Europa, as redes 3G foram introduzidas em 2003. Em 2009, foi a vez das redes 4G. E qual a relevância dessas constatações? Bom, 2003 também foi o ano em que o mundo testemunhou o surto de SARS. Já 2009 marcou a chegada da gripe suína (H1N1).

Pois é, a pandemia da Covid-19 teve início no final de 2019, ano em que as redes 5G começaram a ser instaladas em escala comercial em diversos países, sobretudo na China. Não demorou para algumas mentes férteis desconfiarem de que essas coincidências de datas não são… coincidências.

Teorias relacionando celulares ou redes 3G / 4G a doenças já existiam, mas nenhuma ganhou a escala que a associação do coronavírus com o 5G está tendo.

5G

De acordo com a Earhart Business Protection Agency, entidade que rastreia a desinformação na internet, o primeiro vídeo sobre o assunto surgiu no começo de janeiro na forma de uma palestra que abordava a influência da radiação eletromagnética nas pandemias.

Nas semanas seguintes, dezenas de vídeos foram publicados mostrando pássaros mortos ou pessoas desmaiando por conta de um suposto efeito do 5G, tipo de conspiração que, na verdade, vem sendo espalhado desde 2019. O movimento ganhou força graças à ação de grupos anti-5G que, como tal, associam esse tipo de rede a uma série de malefícios, não só à Covid-19.

Estima-se que, só em janeiro, esses vídeos tenham atingido quase 13 milhões de visualizações. As teorias se espalharam pela Europa, mas se propagaram com mais intensidade no Reino Unido. Uma provável explicação é o fato de o assunto ter sido abordado pela mídia televisiva, gerando um alarmismo desproporcional à realidade.

Ataques a torres de 5G

As teorias que associam a Covid-19 a serviços 5G seguem várias versões, mas podem ser resumidas a duas vertentes: a de que a exposição a redes 5G enfraquece o sistema imunológico do indivíduo (tornando a infecção pelo coronavírus mais fácil) e a de que torres de transmissão podem propagar o vírus.

É claro que nada disso é verdade. Não existe nenhuma comprovação com respaldo científico de que a radiação eletromagnética das torres de telefonia pode enfraquecer a imunidade. Sobre propagar o coronavírus, seria interessante ver o vírus surfando nas ondas de rádio das antenas, mas convenhamos, né?

De vídeos, as teorias conspiratórias passaram a ser divulgadas massivamente em redes sociais e serviços de mensagens instantâneas, sobretudo o WhatsApp. Teve até gente famosa contribuindo com isso, a exemplo do ator Woody Harrelson, conhecido por filmes como Zumbilândia e Truque de Mestre (ele já apagou a postagem).

O problema é que o medo suprime a racionalidade e anda de mãos dadas com a ignorância. Junte a isso a necessidade latente que conspiracionistas têm de encontrar culpados para apedrejar e o que temos é isto: torres de telefonia móvel estão sendo incendiadas no Reino Unido, Holanda, Irlanda e outros países.

Torre incendiada (fotos: The Sun / SnapperSK)
Torre incendiada (fotos: The Sun / SnapperSK)

Estima-se que, só no Reino Unido, cerca de 60 torres de telefonia móvel já tenham sido atacadas. Como se não bastasse, funcionários de empresas de telecomunicações que trabalham nas ruas têm sido abordados com intimidações.

Queimar torres implica em deixar muita gente com dificuldade para acessar serviços de telefonia e internet, justo em um momento em que a comunicação é extremamente importante.

A situação chegou a tal ponto que a GSMA, associação que reúne operadoras de todo o mundo, se viu obrigada a publicar uma nota para repudiar os ataques e reforçar que a exposição a frequências de rádio de redes móveis, incluindo de 5G, não oferecem risco à saúde das pessoas (PDF).

YouTube e Facebook reagem

Circunstâncias como as atuais exigem que o mal seja cortado pela raiz. Diante do agravamento da situação e, presumivelmente, da pressão exercida por autoridades, YouTube e Facebook decidiram eliminar todo conteúdo que relaciona o coronavírus com o 5G.

Começou pelo YouTube. Inicialmente, o serviço apenas reduzia o alcance de vídeos com teorias conspiratórias ligadas ao assunto, mas começou a banir publicações que claramente culpam as redes 5G pela Covid-19.

“Agora, qualquer conteúdo que contesta a existência ou transmissão do Covid-19, contrariando o que é dito pela OMS e autoridades locais de saúde, viola as políticas do YouTube. Isso inclui teorias da conspiração que alegam que os sintomas são causados pelo 5G”, explica o serviço em nota. Se há violação de política, o vídeo pode ser apagado.

O Facebook seguiu pelo mesmo caminho: “de acordo com nossas políticas contra desinformação prejudicial, estamos começando a remover teorias falsas que vinculam a Covid-19 à tecnologia 5G”, disse a companhia, também em comunicado recente.

Postagem no Facebook incentivando ataques a torres 5G
Postagem no Facebook incentivando ataques a torres 5G

Não por acaso, o Facebook excluiu recentemente dois grupos com milhares de usuários que faziam essa associação: Stop 5G UK (Pare o 5G no Reino Unido) e Destroy 5G Save Our Children (Destrua o 5 G, salve nossas crianças).

Além de espalhar teorias conspiratórias, ambos os grupos incitavam a destruição da infraestrutura 5G. No primeiro, havia até postagens promovendo a hidroxicloroquina como cura para a Covid-19. Vale destacar: não há comprovação de que a droga é um tratamento eficaz contra a doença.

Diante de tantos absurdos, é preciso mesmo que YouTube, Facebook e outras plataformas reajam. O problema é que essas são apenas batalhas dentro uma guerra longe do fim. Além das pessoas que espalham essas teorias por medo, há aquelas que o fazem para alimentar movimentos anti-5G (que já se manifestam no Brasil) ou anti-China, até porque o país é um dos mais avançados na implementação de redes 5G.

Tempos difíceis estes, e não só por conta do coronavírus.

Com informações: Financial Times, Reuters, Business Insider, CNET, New York Post.

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Emerson Alecrim

Emerson Alecrim

Repórter

Emerson Alecrim cobre tecnologia desde 2001 e entrou para o Tecnoblog em 2013, se especializando na cobertura de temas como hardware, sistemas operacionais e negócios. Formado em ciência da computação, seguiu carreira em comunicação, sempre mantendo a tecnologia como base. Em 2022, foi reconhecido no Prêmio ESET de Segurança em Informação. Em 2023, foi reconhecido no Prêmio Especialistas, em eletroeletrônicos. Participa do Tecnocast, já passou pelo TechTudo e mantém o site Infowester.