Bancos terão “degustação” de dados pessoais no governo; isso viola a LGPD?

Instituto pró-consumidor enviou nota à ANPD questionando acordo entre governo e bancos privados para compartilhamento de biometria e outros dados

Pedro Knoth
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Caixa eletrônico - bancos

Um acordo entre o Ministério da Economia e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) foi motivo de uma nota do Idec (do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) enviada à ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados). A parceria permite o uso da ICN (Identidade Civil Nacional), uma espécie de carteira de identificação biométrica a partir do CPF, pelas instituições financeiras. Segundo o instituto pró-consumidor, o acordo pode violar a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

“Degustação experimental”

O Acordo de Cooperação foi firmado pela Secretaria de Governo Digital (SDG), vinculada ao Ministério da Economia, com a ABBC, que reúne empresas como Banco BMG, C6 Bank e a XP Investimentos.

O documento prevê uma “degustação experimental” das APIs usadas pelo governo para validar a identidade de usuários que acessam a plataforma Gov.br. A base de dados, a ICN, contém informações consideradas sensíveis de acordo com a LGPD, como a biometria para validação em apps como e-Título.

Pelo lado dos bancos, o uso seria para aperfeiçoamento de seus aplicativos. O usuário poderia fazer login usando as informações do Gov.br, como já é feito por algumas instituições. Além disso, ações ligadas ao aplicativo podem usar APIs do governo federal, desde que levem a logomarca da Gov.Br.

A equipe do Idec, em ofício enviado ao Ministério da Economia, acredita que o Acordo de Cooperação pode violar a LGPD, porque não há provas de que a parceria segue critérios estabelecidos pela lei. No documento, fica explícito que os “aspectos técnicos” de uso das APIs do governo “serão tratados diretamente entre a SGD e os Bancos”.

Na nota enviada à ANPD, o Idec pede justificativas sobre os seguintes pontos:

  • A delimitação de base legal para o tratamento desses dados;
  • As justificativas para interesses públicos;
  • O direito a autodeterminação informativa dos titulares de dados;
  • E as garantias quanto à segurança dos dados.

Dados da ICN são usados no ConectSUS e Enem

A ICN é uma base de dados governamental que inclui informações do e-Título, do Sistema Nacional de Informações do Registro Civil (Sirc). O comitê por trás da ICN é responsável pela criação do Documento Nacional de Identidade (DNI), a ser produzido pelo Serpro em conjunto com o TSE.

Os dados da ICN são usados na própria plataforma Gov.br, que junta informações de serviços como o ConectSUS, INEP — base dados do Enem, Sisu, Prouni e Fies —, Carteiras Digitais de Trânsito e Trabalho Digital, além de informações da Receita Federal.

Meu gov.br App (Imagem: Gabrielle Lancellotti/Tecnoblog)
Meu gov.br App (Imagem: Gabrielle Lancellotti/Tecnoblog)

Recentemente, o governo federal despachou um decreto para substituir o comitê da ICN pela CEFIC, a Câmara-Executiva Federal de Identificação do Cidadão.

Como diversos bancos já possuem seus próprios sistemas de biometria de clientes, o Idec levantou dúvidas quanto ao uso privado desses dados. O instituto não reconheceu os interesses do governo ao promover e fornecer as APIs de reconhecimento aos bancos. O Idec complementou no ofício enviado ao Ministério da Economia:

“Tratam-se de objetivos extremamente amplos e abstratos, que utilizam os dados pessoais dos cidadãos coletados inicialmente para a finalidade de execução de política pública para melhorias dos aplicativos do Governo, mas também para uma melhoria não justificada e pouco transparente dos aplicativos de bancos.”

A falta de transparência pública para realizar o acordo, sem consulta pública, atesta a falta de controle dos titulares sobre suas próprios dados, tanto sensíveis quanto não-sensíveis, diz o Idec.

Com informações: TeleSíntese

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Pedro Knoth

Pedro Knoth

Ex-autor

Pedro Knoth é jornalista e cursa pós-graduação em jornalismo investigativo pelo IDP, de Brasília. Foi autor no Tecnoblog cobrindo assuntos relacionados à legislação, empresas de tecnologia, dados e finanças entre 2021 e 2022. É usuário ávido de iPhone e Mac, e também estuda Python.

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