Redes sociais fortalecem volta do Taliban, avaliam especialistas

Contas e páginas oficiais no Twitter e no Facebook com milhares de seguidores, grupos de WhatsApp lotados: como o Taliban cresceu usando redes sociais

Pedro Knoth
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• Atualizado há 2 anos e 4 meses

No último domingo (15), as forças do Taliban ocuparam a capital do Afeganistão, Cabul, encerrando uma operação para retomar o controle do país que durou menos de duas semanas. Agora, especialistas apontam que o movimento extremista vai tentar mudar sua imagem pela melhor ferramenta à disposição: as redes sociais. O Taliban se mantém ativo em perfis no Twitter, onde o Tecnoblog apurou pelo menos 5 contas de porta-vozes da organização que somam mais de 1 milhão de seguidores.

Taliban cresce nas redes sociais e faz posts “pacíficos”

Campos verdes e árvores são testemunhas de uma escavadeira, que abre caminho pela estrada de terra, enquanto cinco homens a observam. No teto da máquina, bandeiras brancas. A foto é acompanhada de uma legenda que comunica a construção de uma estrada de 10 quilômetros entre as províncias de Logar e Qasim Kel, no Afeganistão.

A obra é responsabilidade do Emirado Islâmico do Afeganistão — é como o próprio Taliban define o novo governo que instaurou após tomar o controle das 34 províncias do país, depois de mais de 20 anos de guerra. Publicações de obras, mulheres indo às escolas, comunicados de encontros com embaixadores e até coletivas de imprensa: tudo isso faz parte do novo cotidiano digital de porta-vozes do Taliban no Twitter.

Um deles é Suhail Shaheen, que se define como “membro do time de Negociações e Escritório de Política”. Ele escreve posts em duas línguas: pachto, idioma predominante do Afeganistão próximo ao persa, e em inglês. Neste, Shaheen escreve com fluência e até apontou em uma publicação que “dá muitas entrevistas a jornalistas todos os dias”.

Um levantamento do New York Times aponta que mais de 100 contas pró-Taliban foram criadas no Facebook, YouTube e Twitter desde 9 de agosto. Os seguidores na página oficial da organização radical aumentaram em 120%. À medida em que ganham engajamento nas redes, os extremistas moderam o conteúdo: não divulgam cenas que instigam a violência ou ódio, por exemplo. Desta forma, não violam diretrizes das mídias sociais.

Grupos pró-Taliban no WhatsApp estão “lotados”

O Tecnoblog apurou que muitas das contas desses porta-vozes não são necessariamente antigas: foram criadas em 2019, ou 2020. Mas contas menores que enviam mensagens exaltando o regime do Taliban estão se proliferando em outras plataformas.

A reportagem encontrou pelo menos três grupos de WhatsApp e um grupo no Telegram criados por contas favoráveis ao Taliban fora do Brasil. Em um deles, o aplicativo avisa que não é possível entrar porque o grupo está “lotado”. Outro estava perto do limite da plataforma para participantes: 255.

No Twitter, porta-vozes do Taleban fazem posts com fotos de reuniões diplomáticas para passar uma imagem positiva (Imagem: Suhail Shaheen/Twitter)

O professor de Relações Internacionais da ESPM Porto Alegre, Roberto Uebel, aponta que as postagens do Taleban, na verdade, têm hashtags de paz e evitam entrar em conflito com os termos de uso das redes sociais:

“Nós chamamos isso de cyber geopolítica: quando o Taliban usa as redes sociais para ganhar poder, ganhar simpatizantes. Ele é uma organização política, acima de tudo, e é capaz de se infiltrar nas escolas, nas forças armadas. E agora, nas redes sociais.”

O especialista ressalta que o Taliban aprendeu com o comportamento de outra organização radical nas redes sociais: o Estado Islâmico. Mas, ao contrário do EI, a facção extremista que agora domina o Afeganistão não destila ódio nas redes e foge do banimento de empresas como o Facebook ou o Twitter. O Taliban evita posts com linguagem violenta, ao contrário do EI.

Entretanto, o conteúdo nas redes sociais do Taliban se assemelha muito do Estado Islâmico, quando se trata de engajar apoiadores. Essa é a visão de Magno Paganeli, professor na FAESP e pesquisador do Grupo de Trabalho sobre Oriente Médio e Mundo Muçulmano na USP. Para ele, que estudou a comunicação do EI nas redes, o Taliban segue um modelo de propaganda ocidental:

“Primeiro, o Taliban, como o Estado Islâmico, cria a representação de um mundo ideal nas redes. Um lugar de paz onde todos querem viver. Em segundo lugar, o grupo agora reforça ideais políticos e valores por meio de formatos mais atuais, como vídeos ou montagens. Por fim, o Taliban usa as plataformas para recrutar e angariar seguidores — resta saber qual será o efeito sobre pessoas do ocidente.”

Segundo o pesquisador, em seu ápice, o Estado Islâmico chegou a ter, em média, 70 mil contas no Facebook, Twitter e Telegram. Por mais que as plataformas apagassem alguns desses perfis, eles eram restabelecidos pelos terroristas. “O número de contas se mantinha estável”, diz Paganeli.

“Em todos os processos de ruptura política, um dos primeiros efeitos que sempre observamos é a ruptura do acesso às redes sociais. Isso aconteceu, por exemplo, em Cuba. Mas, desde que tomou o poder, o Taliban não interrompeu o acesso a plataformas como o Facebook. Isso quer dizer que há interesse em mantê-las no ar”, completa Uebel.

De fato, manter as redes sociais e apps de mensagem populares no Afeganistão, como WhatsApp e Telegram, parece melhor do que a alternativa contrária. Em entrevista à Bloomberg, o pesquisador do Atlantic Council, Emerson Brooking, pontua que muitos afegãos foram introduzidos, ao longo da década, à internet e ao celular. Agora, 9 em cada 10 usam um dispositivo pessoal de acesso, enquanto 40% conseguem navegar pela internet.

Redes sociais tentam conter crescimento do Taliban

O desafio para as companhias de tecnologia ocidentais é bem maior do que há anos atrás. Elas dependem, por vezes, de definições governamentais para aplicar algumas regras de moderação, principalmente a de “organizações perigosas”, que cabe ao Taliban.

O Departamento de Estado dos EUA define como “organização terrorista” apenas o braço paquistanês do Taliban, e não a divisão afegã da organização extremista. O Taliban do Afeganistão, contudo, é citado na lista de sanções do Escritório de Controle sobre Recursos Estrangeiros dos EUA como uma “organização perigosa”.

É com base nessa lista que o Facebook começou a banir contas relacionadas ao Taliban tanto em sua rede social quanto pelo WhatsApp, popular no Afeganistão. A empresa enquadrou o grupo extremista como uma “organização perigosa” e até derrubou uma linha de emergência montada pelo Taliban no WhatsApp para que afegãos denunciassem incidentes de violência.

O YouTube disse ao Washington Post que também reconhece as sanções dos EUA impostas ao Taliban, e vem derrubando vídeos e canais relacionados à facção radical.

Taliban criou perfil para divulgar a construção de infraestrutura nas redes sociais (Imagem: Divulgação)

O Twitter, apesar de manter no ar os perfis dos porta-vozes do Taliban, contou ao Business Insider que permanece vigilante à situação no Afeganistão, e comentou que “milhares de pessoas estão usando a rede para pedir ajuda e socorro”.

Os especialistas ouvidos pelo Tecnoblog acreditam que o Taliban não deve confiscar celulares da população, já que está usando os meios de comunicação móveis para divulgar uma imagem que destoa dos princípios radicais usados como base para a doutrina do grupo.

“Eu não acredito nessa nova imagem que o Taliban constrói nas redes, até porque isso compromete o apoio político ao grupo, além de macular sua tradição: é uma postura totalmente diferente do que vimos no passado”, afirma o professor Roberto Uebel.

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Pedro Knoth

Pedro Knoth

Ex-autor

Pedro Knoth é jornalista e cursa pós-graduação em jornalismo investigativo pelo IDP, de Brasília. Foi autor no Tecnoblog cobrindo assuntos relacionados à legislação, empresas de tecnologia, dados e finanças entre 2021 e 2022. É usuário ávido de iPhone e Mac, e também estuda Python.

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