Taliban confisca sistemas de biometria e pode punir quem ajudou EUA
Grupo extremista captura tecnologia usada pelos EUA para identificar íris e digital de aliados afegãos; ONG dá dicas de como enganar sistema de biometria
Grupo extremista captura tecnologia usada pelos EUA para identificar íris e digital de aliados afegãos; ONG dá dicas de como enganar sistema de biometria
O presidente americano Joe Biden disse em pronunciamento que investiu US$ 1 trilhão nas operações dos EUA no Afeganistão. Parte desse dinheiro foi para a compra de aparelhos de reconhecimento biométrico, usados pelos americanos para registrar aliados dentre a população local. Agora, o Taliban, que retomou o controle do país, capturou os leitores capazes de escanear a íris e as digitais do usuário, e pode usá-lo para ter o efeito reverso: o de perseguir os traidores.
Nesta semana, o Taliban recuperou o controle do Afeganistão e, com isso, colheu alguns espólios das forças de segurança do presidente Ashraf Ghani, que tiveram apoio dos EUA. Membros da organização extremista foram vistos com equipamentos e armas roubados.
Mas uma reportagem do The Intercept trouxe a informação de que o grupo capturou scanners de biometria usados pelos militares americanos.
O equipamento é conhecido como HIIDE (Handheld Interagency Identity Detection Equipment) e usa dois leitores biométricos: um para catalogar a íris e outro para as digitais. Além disso, ele armazena informações biográficas, e é usado para acessar uma grande base de dados centralizada de usuários.
O HIIDE foi empregado pelos EUA para monitorar milhares de afegãos por dia, com o objetivo de identificar terroristas e insurgentes, assim como catalogar quem ajudava o exército americano; até crachás foram feitos para os aliados dos americanos no país, segundo fontes do The Intercept.
O sistema de biometria foi usado para identificar, inclusive, afegãos que gostariam de trabalhar na embaixada americana em Cabul, capital do país. “Eu não acho que alguém tenha pensado em privacidade dos dados ou na ocasião do sistema [HIIDE] cair nas mãos erradas”, diz Welton Chang, diretor-executivo de Tecnologia da ONG Human Rights First e ex-oficial de inteligência do exército americano.
A Human Rights First emitiu um documento na terça-feira (17) avisando sobre a possibilidade do Taliban ter adquirido o sistema de biometria usado para distinguir aliados de inimigos dos EUA:
Nós entendemos que o Taliban provavelmente tem acesso a diversas bases de dados biométricos e equipamentos no Afeganistão, incluindo os que foram deixados para trás por forças da coalizão. Essa tecnologia provavelmente inclui acesso a uma base com informações obtidas via scanner de digitais e de íris, e inclui tecnologia de reconhecimento facial. No geral, é muito difícil evitar o reconhecimento com uso de dados biométricos.”
Mas a ONG fornece algumas recomendações para evitar a identificação por scanner biométrico, como olhar para baixo: toda vez que o usuário entrar no campo de uma câmera que tem um leitor facial, ele deve evitar olhar diretamente para ela. Assim, o aparelho não é capaz de captar frames do rosto — basta a coleta de alguns poucos pixels para que a identificação seja realizada.
Outro método para enganar biometria facial, segundo a Human Rights First, é modificar partes do rosto: boca, maxilar, olhos e nariz. Qualquer mudança pode ajudar na hora de passar despercebido pelos leitores faciais — muita maquiagem e próteses de plástico podem ajudar, mas a ONG não garante que sejam efetivas.
Burlar leitores de íris ou de digitais é mais difícil e arriscado. Uma forma de enganar scanners da palma da mão ou ponta dos dedos é deixar a mão seca, ou pressionar forte demais o dedo contra o leitor biométrico. Usar uma lente que é capaz de mudar a tonalidade do olho ajuda contra aparelhos usados para identificar a íris do usuário.
No Brasil, leitores biométricos estão em alta: recentemente, aeroportos passaram a usar a tecnologia para identificar brasileiros e facilitar o embarque de passageiros na ponte aérea Rio-São Paulo.
A Polícia Federal contratou empresas para auxiliar na implementação do sistema Abis (Solução Automatizada de Identificação Biométrica). O órgão de segurança pretende usar a tecnologia para identificar cerca de 50 milhões de brasileiros na fase inicial do projeto. Caso tudo corra bem, em fases seguintes ele será capaz de catalogar a biometria de quase toda a população. Entidades questionaram o sistema em uma nota à ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), alegando que a iniciativa gera risco à segurança e à privacidade.