Jogos novos para consoles bem velhos
Você já deve ter notado que existe atualmente uma imensa onda de apreciação pela experiência retrô no mundo dos games. Analisando bem, foi um fenômeno inevitável: assim que aquela criançada que passava seu tempo livre jogando videogames cresceu e se tornou parte do mercado consumista, surgiu uma miríade de empresas vendendo para elas bonequinhos, camisetas, chicletes e até revistas direcionadas à turma que ainda defende a opinião de que o SNES é o melhor console de todos os tempos.
Descobrimos que nostalgia vende (e como!). A própria Nintendo, que é a mais velha empresa ainda no mercado dos games, tem uma linha imensa de produtos oficiais com a marca de seus personagens icônicos.
E vemos o fenômeno nos consoles também. Um bom exemplo do mercado produzindo jogos especialmente pros saudosistas são os recentes Mega Man 9 e 10 — jogos novos, porém com visual 8-bits que mais lembra jogos lançados vinte anos atrás:
(YouTube)
Esse é apenas um entre diversos exemplos. “Plataforma retro” já é um gênero legítimo, e nem é exatamente um fenômeno recente. O excelente N, lançado em 2005 como um jogo independente em Flash (e que em 2008 viraria jogo de console, dessa vez com o nome N+) foi uma das mais bem sucedidas tentativas de emular aquilo que os joguinhos clássicos de décadas atrás faziam de melhor — e foi um dos pioneiros neste movimento de retorno às raízes.
Mas isso já é lugar comum. O que talvez muitos não saibam é, que além de jogos “velhos” (pelo menos em aparência e conceito) em consoles novos, há também o extremo inverso: jogos novos em consoles já moribundos. Eu aposto que você não sabia que ainda saem jogos para Mega Drive, por exemplo.
E não estou falando aqui de jogos que são meros ROMs projetados para serem usados com emuladores.
Pier Solar and the Great Architects (2010)
Eis um RPG que muito lembra o clássico Chrono Trigger. Pier Solar and the Great Architects foi idealizado pelos participantes de um fórum de jogos “homebrew” — ou seja, jogos independentes, programados por entusiastas e não por profissionais da indústria —, e era originalmente a respeito da mitologia interna do tal fórum, o Eidolon’s Inn.
A ideia de criar um jogo baseado numa comunidade virtual não é exatamente nova (eu mesmo já me vi às voltas de algo similar, na época em que moderava um fórum), mas geralmente a ideia envolve o simplório RPG Maker e a desistência de todos os envolvidos antes que o jogo se torne um projeto tangível.
Não é o caso de Pier Solar. Demorou quase seis anos desde sua concepção ao lançamento, mas aí está o jogo. Não como um mero download, mas num cartucho assoprável do jeitinho que games costumavam ser. O jogo acompanha caixa e manual ricamente ilustrado.
Há até um CD com trilha sonora e efeitos sonoros em alta qualidade para o jogo, a ser utilizado com o Sega CD conectado no seu Mega Drive.
Halo 2600 (2010)
Este aqui é meio que um misto do novo com o arcaico. Produzido por Ed Fries, que era vice-presidente de publicação de games da Microsoft, Halo 2600 é exatamente o que o nome sugere: uma versão de Halo no Atari 2600.
No fórum AtariAge, Ed Fries explicou que a motivação por trás do projeto foi o livro Racing the Beam: The Atari Video Computer System, publicação de 2009 que trata da programação para Atari 2600. Talvez a existência de um livro técnico recente sobre desenvolvimento pra um console com mais de trinta anos de existência seja tão impressionante quanto um novo jogo sendo lançado pra ele.
Halo 2600 segue certas convenções modernas dos games e teria sido impressionante caso tivesse sido lançado quando o console ainda vivia seu apogeu. Há um início, meio e fim distintos; há diversas áreas diferentes no jogo — contrastando com os jogos visualmente monótonos que eram praticamente a insígnia do console, como Pitfall ou River Raid —, e há diversos power ups para o Master Chief pixelizado.
Curiosamente, Ed Fries foi o responsável pela aquisição da Bungie pela Microsoft; ele não faz mais parte da empresa, mas talvez esse histórico na casa seja o motivo pelo qual o sujeito ainda não foi processado por uso não autorizado de marca registrada.
Halo 2600 também vem num cartucho que você pode colocar no seu Atari empoeirado e jogar como qualquer outro game. Não há uma caixa oficial para o jogo, mas o vlogger Kevin Berryman disponibilizou um template que você pode imprimir em casa e então montar a caixinha.
E é possível jogar Halo 2600 gratuitamente no seu browser clicando aqui.
Uma pequena curiosidade: você talvez tenha lido uma notícia sobre uma empresa que produz esculturas do seu personagem em World of Warcraft. Se você viu esta notícia, você então conhece o Ed Fries: ele é o fundador dessa empresa.
Duck Attack (2010)
Duck Attack é também um game de Atari 2600 e foi lançado no mesmo evento em que Halo 2600 — a Classic Gaming Expo em Las Vegas. É essencialmente uma E3 pra gamers saudosistas.
Duck Attack é um clone meio surreal de Adventure, que foi o primeiro jogo de aventura nos moldes do que só se tornaria popular sete anos mais tarde, por meio de Legend of Zelda no NES. O que começou como apenas ROM hack de Adventure (ou seja, uma alteração na ROM do jogo original) acabou se tornando sete anos mais depois um novo jogo completo, com lançamento em cartucho e tudo.
Will Nicholes, o criador do jogo, contou ao Toledo Free Press (um jornal de Ohio, nos Estados Unidos) que tudo começou com uma pequena alteração em Adventure. O programador inseriu no jogo um balão em que ele podia sobrevoar certas áreas do jogo. Nicholes adicionou muitos objetos em Adventure, até decidir que poderia transformar aquilo num jogo inteiramente novo.
Videogames são uma indústria multibilionária. Se décadas atrás era possível programar um jogo inteiro sozinho, este método é atualmente quase impossível — vivemos numa época de games com orçamentos hollywoodianos, com times de produção imensos. Tudo isso é um grande empreendimento e, como tal, geralmente só as apostas certeiras (aquelas com maior garantia de retorno do investimento) acabam tendo vez.
Talvez por isso esses jogos lançados pra consoles falecidos há tanto tempo tenham um quê de romantismo. O público-alvo pra um jogo como Duck Attack é minúsculo. O programador está o vendendo pra colecionadores e aficcionados. Não há uma grande expectativa de retorno financeiro, e, portanto, a motivação por trás de todo o projeto é simples amor pelos jogos de antigamente.
O mesmo tipo de amor por nostalgia gamer que me faz comprar docinhos que eu não gosto apenas porque a embalagem é ilustrada com cascos e cogumelos.