Coletes com GPS e anéis inteligentes podem ajudar no futebol até durante a Copa
Coletes por baixo da camisa trazem aparelhos para monitorar velocidade, aceleração e distância percorrida; jogadores da Seleção Brasileira usarão Oura Ring
Coletes por baixo da camisa trazem aparelhos para monitorar velocidade, aceleração e distância percorrida; jogadores da Seleção Brasileira usarão Oura Ring
Após o apito final, muitos jogadores de futebol tiram a camisa, seja para trocar com os adversários ou presentear algum torcedor. De alguns anos para cá, uma coisa chama a atenção neste momento: os atletas usam um colete por baixo do uniforme. Esse acessório, na verdade, é só uma pequena parte do lado tecnológico do esporte – que inclui até mesmo anéis inteligentes.
O colete conta com um aparelho que tem GPS, acelerômetro e giroscópio. Ele coleta informações importantes para a comissão técnica.
“Isso permite saber o que o atleta realiza dentro de campo em termos de deslocamento. A gente consegue ver também as questões de aceleração, frenagem, saltos e giros”, explica Daniel Gonçalves, coordenador científico do Palmeiras, em entrevista ao Tecnoblog.
Além dos dados totais de deslocamento, as distâncias percorridas em alguns parâmetros. Em termos de velocidade, existem as faixas acima de 19,8 km/h e acima de 25 km/h, que dão uma ideia de qual a distância percorrida em alta intensidade.
Em acelerações e desacelerações, há categorias acima de 2, 3 ou 4 m/s². “Isso nos dá parâmetros de resistência, força e velocidade”, explica o coordenador científico do Palmeiras.
Gonçalves também comenta que há motivos para colocar o aparelho no colete e não em outro lugar. “Estudos científicos mostram que os dados de acelerometria ficam menos impactados nessa posição. Portanto, tem maior confiabilidade, reprodutibilidade e validade.”
O uso de coletes com GPS no futebol começou por volta de 2014. De lá para cá, surgiram alternativas, que dispensam o uso desses equipamentos.
É o caso do Mediacoach da LaLiga Tech. A LaLiga é a associação esportiva dos clubes da primeira e segunda divisão do campeonato espanhol.
O sistema usa 16 câmeras nos estádios, que capturam os movimentos dos atletas a 25 quadros por segundo. A tecnologia é usada pelos times e também pelas transmissões esportivas.
“Na Espanha, graças ao Mediacoach da LaLiga Tech, que coleta alguns desses dados durante os jogos, muitos clubes não usam GPS na competição”, explica Fabio Nevado, PhD em ciências esportivas que trabalha na área de pesquisa da LaLiga.
Mesmo assim, as câmeras têm limitações e não substituem completamente o colete. “O GPS pode oferecer mais dados do que o nosso sistema, em termos de frequência cardíaca, impactos, dados metabólicos de energia”, complementa Nevado.
Por ter uma gama maior de dados, mesmo os clubes espanhóis continuam com o GPS durante os treinamentos. Isso permite preparar melhor cada um dos jogadores.
Os dispositivos são úteis para avaliar como foram as partidas, mas também têm papel importante na preparação.
“A carga dos jogadores é um bom indicador em termos de risco de lesão, por isso a equipe técnica analisa todos os dados para projetar sessões de treinamento e plano de jogo sabendo o máximo que puder”, explica Nevado.
Os aparelhos nos coletes dos jogadores transmitem dados por telemetria e Bluetooth, e um software coloca as informações de maneira acessível para a comissão técnica, que pode fazer as alterações imediatamente.
“Os dados são interpretados em tempo real. Eles podem ser usados para mudar o treinamento ou solicitar que o atleta mude seu comportamento”, diz Gonçalves.
O coordenador científico do Palmeiras explica que dados de velocidade, aceleração e frenagem são correlacionados com outros dados físicos e fisiológicos.
Assim, é possível ver como o jogador está se recuperando de uma lesão ou se adaptando a um treino. Dependendo dos dados, a comissão técnica pode reduzir a carga para prevenir novos problemas médicos ou aumentá-la para acelerar a recuperação.
Um desses dados é a frequência cardíaca, que também é acompanhada por equipamentos usados pelos jogadores. “Um atleta pode ter a mesma distância percorrida que outro, mas o treino pode ser mais exaustivo para um do que para outro”, conta Gonçalves.
Nevado também menciona o histórico de lesões, exames físicos, informações médicas, hábitos alimentares e qualidade do sono. “Cada pequena informação é útil, mas depende de cada clube priorizar quais informações analisam.”
Durante a Copa do Mundo de 2022, os jogadores da Seleção Brasileira usarão o Oura Ring, anel inteligente com sensores parecidos com os de um smartwatch. A ideia é monitorar o sono e o descanso dos atletas entre as partidas.
Os jogadores convocados com mais frequência levaram o aparelho para usar no dia a dia. Fred, do Manchester United, disse o Globoesporte que isso o ajuda a acompanhar a qualidade de seu sono e manter uma rotina mais disciplinada.
O Oura Ring também foi utilizado em outro esporte: no basquete. Em 2020, meses após o início da pandemia, a NBA levou parte dos times para Orlando (EUA), onde ficaram isolados e participaram de um torneio para encerrar a temporada. Os jogadores usavam esses anéis como forma de monitorar possíveis sintomas de COVID-19.
E os smartwatches? Quando surgiram, eles prometiam substituir os smartphones. Com o passar do tempo, porém, esse tipo de produto acabou se voltando para as áreas de saúde e esporte. Alguns, como o Apple Watch, relógios voltados para corredores e as pulseiras Mi Band, se popularizaram entre quem pratica atividades físicas como hobby.
Nas competições de alto nível, nem sempre esse tipo de aparelho têm espaço. Nevado, da LaLiga, considera que eles não são suficientes nem tão precisos o suficiente para serem adotados.
“A atividade física dos jogadores é registrada pelo clube nos treinos, e no resto do dia assumimos que o jogador está focado no descanso e não em atividades de alta exigência, então esses tipos de aparelhos não são tão úteis”, diz o pesquisador da LaLiga.
Gonçalves, por outro lado, considera que anéis e pulseiras são interessantes para monitoramento de sono, gasto energético e níveis de recuperação. E há aparelhos até mais específicos, como camisas, caneleiras e chuteiras, para acompanhar como o corpo do atleta reage às exigências do esporte.
Os dados coletados pelos equipamentos ajudam até mesmo durante as partidas.
“Alguns dados físicos chegam a considerar a tomada de decisões para fazer uma substituição ou não”, explica Nevado, da LaLiga. Com a carga da partida, a comissão técnica pode avaliar o risco de lesão e trocar um jogador para preservá-lo, por exemplo.
Mesmo com tantos números envolvidos, o processo de escalar um time está bem longe de ser automático. A figura do técnico é essencial para juntar todas essas informações, criar estratégias e levar o melhor time possível a campo, ainda que isso vá contra os dados.
“Um atleta com uma debilidade nos aspectos físicos pode, para aquela partida em questão, ter alguma qualidade técnica ou mental que possa sobrepujar e consequentemente ser usada em prol da coletividade”, observa Gonçalves. “Existe um assessoramento para o treinador, e a tomada de decisão é dele. O treinador é sempre soberano.”