Desconectar-se também é preciso
Se desconectar, momentos de pausa e uso consciente de celulares, redes sociais e afins são importantes para a saúde e bem-estar
Se desconectar, momentos de pausa e uso consciente de celulares, redes sociais e afins são importantes para a saúde e bem-estar
É mais difícil se desconectar do que estar conectado. Atualmente, basta puxar o celular do bolso para ter acesso ao mundo inteiro direto da palma da mão, em qualquer lugar. E este fenômeno é refletido em números: segundo a TIC Domicílios 2019, nove em cada dez pessoas utilizam a internet todos os dias ou em quase todos os dias no Brasil.
Mas e quando esse uso se torna excessivo e desenfreado? Ou até compromete a “vida real”? Em alguns casos, esta situação pode se tornar um problema sério até mesmo para a saúde. Por isso, há quem repense e reduza uso de celulares, computadores, redes sociais e demais tecnologias em busca de mais conforto e uma vida mais saudável.
É o caso de João Gabriel Lira, de 20 anos. Durante a pandemia de COVID-19, o estudante decidiu dar uma pausa no celular e nas redes sociais. “Em quarentena, a gente fica tão limitado e preso no universo das redes sociais que isso, de certa forma, pode massacrar a gente”, conta ao Tecnoblog. “Isso estava me gerando certas crises, como crise de ansiedade e diversas crises de identidade”.
O processo durou um mês. Nesse período, João explica que não só deixou o Twitter, Instagram e Facebook de lado, como parou de usar até mesmo o WhatsApp, limitando-se somente ao e-mail. Mas o hiato do mensageiro durou pouco: em uma semana, retornou ao aplicativo de mensagens para se comunicar com seus colegas do trabalho.
“Apaguei todas as redes sociais, desliguei o celular e coloquei na gaveta. Porque eu sabia que se eu estivesse com os aplicativos instalados, teria uma crise de abstinência e ia mexer. E se estivesse com eles desinstalados e mexendo no celular, ia ter uma crise de abstinência e instalar”, disse. “Eu tive que me livrar do celular para me livrar das redes”.
Os resultados da experiência foram positivos tanto para a sua saúde mental quanto para explorar outras oportunidades, como ler mais, estudar e tocar violão. Mas nem tudo são rosas: o estudante explica que a solidão bateu à porta logo em seguida. Hoje, o uso incessante e no cotidiano está de volta à rotina, mas com algumas alterações.
“Parece que as coisas voltaram a ser como antes do processo. Com a diferença de que, hoje, eu equilibro muito mais o meu tempo do que naquele período”, afirmou.
Maria Eduarda Luporini é outra pessoa que decidiu rever a sua relação com a tecnologia. “Comecei a perceber a maneira como eu estava usando, de muita exposição desnecessária. Então, comecei a olhar mais para dentro de mim e a maneira como eu queria me comportar na internet, e, a partir disso, consumir outros conteúdos”, disse a estudante de 20 anos.
Assim como João Gabriel Lira, a experiência lhe concedeu mais tempo para “coisas off-line” e também auxiliou no seu bem-estar em relação à saúde mental. No entanto, a sensação de isolamento também marcou este período.
“Ficar distante das pessoas que eu gosto me afetou muito. Inclusive, estou fazendo o movimento inverso agora, de tentar me conectar mais a estas pessoas. Ainda assim, tentando manter minha privacidade, me preservando, mas presente”, afirmou ao TB.
A estudante ainda busca reduzir o uso do smartphone, mesmo que considere difícil. Ela acompanha a quantidade de tempo no celular no dia a dia pela ferramenta Tempo de Uso, do iPhone, e se choca com o que encontra. “Eu não sei se estimula, mas fico com mais vontade de diminuir o tempo, porque é muito rapidinho que você, de repente, passa muitas horas no celular”, conta.
Maria Eduarda mantém desativada todas as notificações de redes sociais, com exceção do WhatsApp e Telegram, pois, para ela, é diferente, já que mantém contato com as pessoas, e não apenas consome coisas. Questionada se utilizou o temporizador do celular da Apple, que estipula uma cota para usar aplicativos no smartphone, ela afirma: “Já, mas eu sempre burlo”.
O uso de telefones celulares e computadores se tornou quase que uma necessidade nos dias atuais. Seja para o trabalho ou lazer e entretenimento, os dispositivos eletrônicos com acesso à internet estão presentes no dia a dia de boa parte dos brasileiros. Mas essa dependência da tecnologia precisa ser observada de duas formas.
“Todas as pessoas se dizem dependentes das tecnologias como se fossem viciadas, porque usam diariamente, por muitas horas. Mas isso não significa dependência patológica. Isso é apenas uma falta de educação ao usar as tecnologias, sem limites, no dia a dia”, disse Anna Lucia Spear King, psicóloga, doutora em Saúde Mental e fundadora do Laboratório Delete, ao Tecnoblog.
Segundo a psicóloga, que também é professora de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na disciplina Dependência Digital, a dependência patológica é a nomofobia. Isto é, uma dependência que geralmente é relacionada à ansiedade, depressão e outros tipos de transtornos mentais primários, que potencializa o uso das tecnologias, e que pode afetar também a vida pessoal e profissional.
“As tecnologias, na verdade, são um canal de representação de componentes característicos de cada pessoa. Elas revelam apenas o que já existe em cada um”, explica. “Por exemplo, se a pessoa é compulsiva, ela vai usar a tecnologia para entrar em sites de compras, ficar viciado em jogos, ficar viciado em sites pornográficos, vai usar a tecnologia para representar sua compulsividade”.
O que fazer quando o uso de smartphones, redes sociais e afins se torna um vício? Para a professora e coordenadora do curso de psicologia da Universidade Veiga de Almeida, Danielle Belo Lamarca, o tratamento é realizado por meio da psicoterapia, ou, até mesmo, com o uso de medicações psiquiátricas em casos mais graves.
“Esses tratamentos irão atuar no ‘plano de fundo’ do sintoma, que neste caso, seria o vício no uso dessas ferramentas. Cada indivíduo pode ser capturado por questões diversas. É preciso atuar neste sentido”, explica.
O tratamento também pode ser alcançado através do Laboratório Delete – Detox Digital e Uso Consciente de Tecnologias, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. O núcleo tanto orienta a utilização das tecnologias da maneira adequada quanto realiza o acompanhamento psicológico e psiquiátrico gratuito caso haja necessidade.
“Nós, do Laboratório Delete, não somos contra o uso das tecnologias”, afirma Anna Lucia Spear King. “A gente passa o uso consciente”.
O laboratório da UFRJ ainda trabalha com materiais, como livros para conscientizar o uso dessas ferramentas e questionários para investigar a dependência. Há, também, sessões de fisioterapia para ensinar as posturas adequadas para utilizar estas ferramentas e até grupos de uso consciente para colher os benefícios do uso das tecnologias e evitar os prejuízos que podem ser causados por estes recursos.
A necessidade do uso consciente é também observada pela professora da Universidade Veiga de Almeida. “Uma boa dica é usar esse tipo de ferramenta quando necessário. Perceber que o tempo de lazer, descanso podem ser aproveitados sem o uso do smartphone”, explica Danielle Belo Lamarca.