Em meros dois dias, o banco das startups afundou

A quebra do Silicon Valley Bank, especializado em atender empresas do ramo de tecnologia, foi uma das maiores da história americana

Josué de Oliveira
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Em meros dois dias, o banco das startups afundou (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)
Em meros dois dias, o banco das startups afundou (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)

O Silicon Valley Bank foi fundado em 1983 com um foco muito claro. Basta olhar para o nome da instituição para entender qual era: atender as empresas que despontavam no Vale do Silício. Em conjunto com elas, o banco prosperou, tornando-se o 16º maior dos Estados Unidos.

E essa era a realidade até bem pouco tempo. O SVB era considerado uma instituição bancária confiável, e seus serviços eram utilizados por cerca de metade das startups americanas apoiadas por fundos de capital de risco.

Mas isso é passado. No dia 10 de março, o SVB teve suas portas fechadas pelas autoridades regulatórias americanas. A falência foi a segunda maior de uma instituição bancária nos EUA, perdendo apenas para a do Washington Mutual, em plena crise de 2008.

Como isso aconteceu?

Como um banco fica sem dinheiro

O Silicon Valley Bank tinha US$ 209 bilhões em ativos. Isso não significa, porém, que toda essa grana estivesse parada num cofre em algum lugar. Como explicamos no Tecnocast 281, não é assim que os bancos funcionam.

O dinheiro estava circulando, afinal, ele é o produto “alugado” (emprestado) pelo banco a diversas pessoas e organizações. A maior parte do dinheiro do SVB, portanto, não estava no SVB.

Normalmente, isso não seria um problema. Mas imagine que, por algum motivo, todos os clientes do banco decidam, ao mesmo tempo, sacar os valores que têm depositados. O banco certamente se veria em maus lençóis cobrir esses saques.

Bem, foi mais ou menos isso que ocorreu com o SVB. Num só dia, cerca de US$ 42 bilhões em saques foram solicitados. Quase um quarto dos ativos da instituição em apenas 24 horas. É claro que o banco não conseguiu aguentar muito mais do que isso.

A situação é uma clássica corrida aos bancos, evento em que os clientes, num estado de pânico, decidem resgatar tudo que possuem com medo de perder as economias. Nesse cenário, quem chegar por último periga ficar sem dinheiro, afinal, uma hora o banco não vai ter mais como atender à demanda por saques.

A pergunta que surge, então, é: o que provocou o pânico que quebrou o Silicon Valley Bank?

Muitos ovos numa cesta só

Se você acompanha o noticiário, sabe que a economia vai mal e a inflação tem sido um problema em vários países. Em resposta a isso, Bancos Centrais no mundo todo têm aumentado as taxas de juros. Guarde essa informação.

Nesse momento delicado, os fundos de capital de risco reduzem seus investimentos em empresas de tecnologia e startups. Numa consequência natural, estas precisam sacar o dinheiro depositado nos bancos para manter suas operações.

Esse movimento já vinha ocorrendo, e o SVB teve de lidar com isso. O banco tinha colocado a maior parte de seu dinheiro em títulos do governo americano, um investimento considerado seguro; e em outros ativos de renda fixa. Mas tratava-se de títulos pré-fixados, ou seja, seria necessário esperar a data combinada na compra para receber o valor esperado.

Mas o SVB não podia esperar. Precisava do dinheiro agora. Assim, a solução encontrada foi vender parte desses títulos.

E aí está o cerne do problema. Lembram do aumento na taxa de juros? Ele fez com que os títulos perdessem valor. Ao vendê-los para lidar com a situação que se colocava, o Silicon Valley Bank teve um prejuízo de cerca de US$ 1,8 bilhão. Essa foi a faísca que resultou no incêndio de pânico.

Percebam que, se o banco tivesse esperado alguns anos até o momento correto de resgatar o investimento, não teria perdido nada. As circunstâncias, no entanto, exigiram uma resposta rápida, e o SVB tinha muitos ovos numa cesta só. Precisou vender os títulos, assumir a prejuízo, e daí para frente tudo veio a baixo.

Um tipo diferente de corrida aos bancos

A perda levou a uma crise de confiança. De uma hora para outra, investidores passaram a recomendar a retirada dos fundos do SVB, e o pânico se espalhou.

Vale apontar o papel de redes sociais e grupos de mensagens na criação e ampliação desse clima de temor. A velocidade com que informações correm fez com que os receios sobre o SVB se espalhassem em tempo recorde entre fundadores de startups, que correram para resgatar seus fundos.

Além disso, a digitalização do acesso a instituições bancárias torna esse tipo de corrida muito mais prática: com alguns cliques, é possível mover seu dinheiro de um banco para outro. Não houve tempo para reação por parte do SVB.

Dois dias foram suficientes para decretar a quebra do banco. No dia 8 de março houve o comunicado do prejuízo inicial de US$ 1,8 bilhão; no dia 10, os órgãos reguladores já haviam assumido o controle da situação.

Diversas medidas foram anunciadas para garantir que todos os clientes tenham acesso aos seus depósitos. Mas a atuação do governo é importante também por outro motivo: conter o pânico. Por ser uma reação irracional, ele pode acabar atingindo outras instituições financeiras, gerando danos em cadeia.

Esta foi a história do Silicon Valley Bank, um banco que cresceu na esteira do Vale do Silício. Não deixa de ser um tanto irônico — e trágico — que, neste momento de adversidade para as empresas dessa região, o banco das startups tenha sucumbido ao pânico que as assolou.

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Josué de Oliveira

Josué de Oliveira

Produtor audiovisual

Josué de Oliveira é formado em Estudos de Mídia pela UFF. Seu interesse por podcasts vem desde a adolescência. Antes de se tornar produtor do Tecnocast, trabalhou no mercado editorial desenvolvendo livros digitais e criou o podcast Randômico, abordando temas tão variados quanto redes neurais, cartografia e plantio de batatas. Está sempre em busca de pautas que gerem conversas relevantes e divertidas.

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