Financiar o jornalismo não é fácil, mas o Google pode ficar com parte da conta

Discussões sobre o papel das plataformas digitais na remuneração dos veículos de imprensa avançam no mundo todo, e no Brasil não é diferente

Josué de Oliveira
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• Atualizado há 8 meses
O Google deve pagar pelas notícias? (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)
O Google deve pagar pelas notícias? (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)

A internet trouxe uma série de oportunidades para criação de conteúdos de todos os tipos. Isso é verdadeiro para a pessoa fazendo uma dancinha no TikTok, mas também para instituições bem menos moderninhas, como os veículos de imprensa. A web é, hoje, uma das principais formas pelas quais os brasileiros obtêm informação.

É o que aponta um levantamento do PoderData feito em 2021: dos entrevistados, 43% se informam primariamente pela internet. No entanto, a maneira como essa informação chega aos usuários pode afetar a receita de jornais, revistas e sites de notícias. As mesmas ferramentas que permitem que o trabalho da imprensa seja descoberto nem sempre trabalham em favor dela, mas de si mesmas.

Diante da reflexão sobre a viabilidade do jornalismo – sobretudo o jornalismo de interesse público, que fiscaliza o poder –, uma proposta ganha destaque. Ela põe em cheque as grandes plataformas, como o Google, e sugere que parte da conta seja paga por elas.

Por que as plataformas deveriam pagar?

Num primeiro momento, talvez a ideia pareça estranha. Há tantos sites que jamais pensariam em cobrar das plataformas, seja pela indexação em pesquisas, seja por terem seus conteúdos compartilhados em redes sociais. Por que com o jornalismo seria diferente?

O argumento central de quem defende essa ideia tem a ver com o uso do material produzido pelos veículos jornalísticos. Pense no funcionamento do Google. Quando você pesquisa por algo, pode ser que encontre o resultado na própria página de resultados, sem precisar clicar na fonte da informação. O Google oferece trechos dos conteúdos pesquisados sem que seja necessário acessar os sites encontrados. São pageviews que jamais serão computados por estas páginas.

Qualquer site precisa de acessos, e ainda mais para veículos de imprensa. Afinal, só faz sentido produzir notícias se elas forem lidas, de preferência por inteiro. Outras receitas, como publicidade, podem ser impactadas pela falta de cliques.

Página do Google no navegador (Imagem: Simon/Pixabay)
Página do Google no navegador (Imagem: Simon/Pixabay)

Enquanto isso, o Google se beneficia, já que o usuário pode acabar permanecendo em seu ambiente, onde a plataforma exibe anúncios. É como se o intermediário da notícia – o veículo – fosse eliminado da equação.

No caso de redes sociais, é bem comum que os temas polêmicos que pautam a conversa pública nesses locais tenham origem na imprensa. E o uso de resumos e pequenos trechos pode acabar “prendendo” ainda mais o usuário na rede.

Em resumo, o argumento é que o conteúdo jornalístico é explorado pelas plataformas, por vezes de modo injusto. Elas estariam usando algo que não ajudaram a produzir em benefício próprio. A conclusão, portanto, é que deveriam pagar por isso.

O que dizem as plataformas?

No Brasil, o debate sobre a remuneração do jornalismo pelas redes sociais e buscadores se deve em parte ao PL 2630/2020. Ou PL das Fake News, como ficou conhecido. O projeto de lei acabou ganhando um artigo que prevê o pagamento pelo uso de notícias. E as empresas afetadas deixaram claro que não gostam muito da ideia.

O Google, por exemplo, lembra que já traz enormes benefícios ao jornalismo ao enviar “24 bilhões de cliques para sites de notícias em todo o mundo sem custo algum”. Já o Twitter aponta que o texto da proposta é genérico e sequer define o que se enquadra como veículo de imprensa.

Vale lembrar que iniciativas semelhantes já geraram consequências negativas no passado. Em 2014, o Google News foi descontinuado na Espanha após aprovação de uma lei que o obrigaria a pagar pela republicação de notícias. A empresa reativou o produto esse ano, mas sua saída do país provocou queda no acesso a sites de notícias espanhóis.

Ou seja: a lei, que visava beneficiar o jornalismo, acabou trazendo consequências negativas para o mesmo. As plataformas ainda têm a escolha de encerrar seus produtos, caso entendam que sairão prejudicadas nesse arranjo. Para ser bem-sucedida, qualquer proposta de remuneração dessa natureza precisaria alinhar veículos e plataformas. E aí está a dificuldade da coisa.

O que dizem os jornalistas?

Em países como Austrália e França, já há modelos um pouco mais definidos para essa remuneração dos veículos pelas plataformas. No Brasil, ainda não. Associações de profissionais da área, como Abraji e Ajor, veem com desconfiança o texto atual do PL 2630/202, concordando em parte com o Twitter. Falta ali direções e critérios claros para a criação de um dispositivo de financiamento do jornalismo a partir de Google, Facebook e outros.

Para as organizações signatárias, a redação do artigo é genérica e incapaz de dar conta da complexidade do tema. Não define, por exemplo, o que será considerado como material jornalístico, nem como se dará tal remuneração ou quem fará a fiscalização. O debate, que envolve a sustentabilidade do jornalismo, requer tempo e ampla participação social, inclusive das entidades em defesa da liberdade de expressão e do acesso a informação, diz o manifesto.

Manifesto pela supressão de artigo do PL das Fake News

A jornalista e pesquisadora Marina Pita, conselheira do Intervozes, organização que trabalha pelo direito à comunicação, também entende que o texto pode ser problemático. A falta de critérios poderia levar a cobranças um tanto absurdas. Mas, para além disso, o modelo de remuneração escolhido pode acabar beneficiando um grupo pequeno de veículos.

O exemplo australiano, que seria a inspiração para a proposta brasileira, ilustra esse problema. Lá, a lei determina que veículos e plataformas negociem entre si. Parece o ideal, mas não necessariamente:

Não há na Austrália, que é modelo no qual a gente está se espelhando, nenhum caso de negociação por intermediação do Estado. E é claro que as grandes empresas têm maior potencial de negociação. A nossa preocupação á quem vai sentar nessa mesa (de negociação). (…) Então existe um desafio de entender como esse modelo vai ajudar a ter maior diversidade e pluralidade nos meios de comunicação no Brasil.

Marina Pita, conselheira do Intervozes

Não se trata apenas de dizer que agora o Google e demais empresas vão ter que negociar, portanto; é necessário considerar quem vai estar do outro lado. Nesse sentido, pode ser difícil até mesmo definir quem está fazendo jornalismo. Veículos especializados em tecnologia entram na conta? E jornalistas individuais, que trabalham no Twitter, por exemplo? Ou pior: sites que surfam na onda das fake news serão elegíveis?

Muitas perguntas. Poucas respostas, até mesmo entre aqueles que gostam da proposta. Como a própria Marina ressalta, talvez seja necessário escolher o modelo menos pior. Mas até ele ser identificado, um debate muito exaustivo estará em curso.

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Josué de Oliveira

Josué de Oliveira

Produtor audiovisual

Josué de Oliveira é formado em Estudos de Mídia pela UFF. Seu interesse por podcasts vem desde a adolescência. Antes de se tornar produtor do Tecnocast, trabalhou no mercado editorial desenvolvendo livros digitais e criou o podcast Randômico, abordando temas tão variados quanto redes neurais, cartografia e plantio de batatas. Está sempre em busca de pautas que gerem conversas relevantes e divertidas.

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