Mente sã, corpo são, dentro de casa

Os desafios de educadores físicos, professores de artes marciais e alunos em aulas online para continuar os treinos em isolamento

André Leonardo
• Atualizado há 1 ano e 4 meses
Especial: Mente sã, corpo são, dentro de casa
Praticar esportes em isolamento social é um desafio para alunos e professores (Imagem: Vitor Pádua/ Tecnoblog)

Adaptar aulas relacionadas a práticas esportivas para um contexto online, usando a tecnologia, foi um dos desafios vividos por professores e alunos nesse período de pandemia, que exigiu mudanças nos comportamentos, atividades profissionais e até relações sociais.

Atualmente há consenso de que as atividades físicas trazem diversos benefícios ao corpo, como combater o excesso de peso, controlar a pressão arterial, fortalecer ossos e articulações ou promover a sensação de bem-estar através da liberação de endorfina após a realização de treinos.

No entanto, as pessoas estavam isoladas em casa e a prática de atividades físicas tornou-se uma necessidade. Não apenas por questões relacionadas ao bem-estar e o condicionamento, mas até mesmo como uma forma de cuidar da saúde mental.

Realizar uma atividade física nos primeiros meses de pandemia se tornou algo complicado, já que academias e centros de treinamento estavam fechados. Dessa forma, os treinos online foram uma das alternativas criadas por professores para atender a uma nova demanda.

Uma jornada com novos desafios

Com os primeiros pedidos de distanciamento social estabelecidos em março de 2020, alunos e professores precisaram aprofundar o seu nível de afinidade com a tecnologia. Dessa forma, perder o medo de equipamentos, câmeras e transmissões online se tornou uma necessidade.

Em conversas com profissionais da área, pude conhecer um pouco mais deste “novo normal” e ver como a tecnologia e as redes sociais se tornaram ferramentas úteis para adquirir novos alunos, clientes, criar parcerias e de certa forma fazer a diferença na vida das pessoas.

Em entrevista ao Tecnoblog, Filipe Britto, educador físico há 20 anos, líder da Britto Assessoria, conta que cerca de um ano antes da pandemia, havia criado o site da sua empresa e começado a sua participação do mundo online através da criação de conteúdo para redes sociais.

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Filipe em treinos online (Imagem: Filipe Britto/ Acervo pessoal)

Antes da pandemia, Filipe já atendia empresas através de consultoria com avaliações para evitar afastamentos de funcionários que sejam propensos a problemas posturais.

O início do processo é feito através do preenchimento de um formulário no Google Forms para identificação de riscos e depois é feita uma avaliação em vídeo.

Se você ficou curioso sobre qual tipo de problemas mais encontrados, são eles: dores lombares, de punho e cervicais, muitas vezes devido ao uso excessivo de computadores e celulares.

Outra forma de atendimento online que Filipe costuma fazer são palestras informativas para grupos de funcionários de empresas, em que costuma utilizar o WhatsApp para esclarecer dúvidas nos dias de evento.

De certa forma, ele já estava mais próximo da tecnologia, e a migração para um modelo de aulas online durante a pandemia foi uma alternativa para diminuir os impactos na sua renda. Apesar de ter sido acelerado, o processo acabou sendo natural.

Treinos online, como funcionam?

Filipe solicita que o aluno preencha um questionário online, depois faz uma avaliação em vídeo com o mesmo, para descobrir se a pessoa tem algum tipo de restrição. Baseado nisso, ele dividiu seus atendimentos aos alunos de duas formas:

Personal online — Em que cria uma chamada em vídeo e durante a chamada ele monta a série de exercícios, executa para que o aluno veja e depois acompanha ao vivo fazendo correções necessárias, tal qual seria feito em uma academia. A frequência dos treinos é definida entre ele e o aluno.

Consultoria online — Neste tipo de atendimento são marcadas datas específicas durante o mês para que ele crie uma série de exercícios para o aluno e depois uma data para avaliar os progressos feitos.

Neste modelo é feita uma chamada de vídeo, em que o aluno acompanha uma demonstração da série de exercícios definida, para executar em casa. Neste momento é possível tirar dúvidas. Caso o aluno deseje ter um vídeo com a orientação gravada é possível solicitar, por um valor extra e recebê-lo através de serviços como WeTransfer, já que os arquivos são grandes para serem enviados por WhatsApp.

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Filipe em treinos online (Imagem: Filipe Britto/ Acervo pessoal)

Para Sônia Rocha, aluna de Filipe desde antes da pandemia, os treinos online iniciados em março de 2020 foram um caminho natural e fizeram muito bem para a sua saúde mental, pois sempre foi esportista e não imaginaria passar por um longo período sem poder se exercitar.

Ela costuma usar chamadas em vídeo no WhatsApp para realizar seus treinos, pela praticidade e hábito de utilizar o mensageiro. Sônia disse ao Tecnoblog que treina duas vezes por semana e mesmo após o fim da pandemia pretende manter um modelo híbrido com treinos online para reduzir deslocamentos.

Artes marciais online: sim, é possível

Falei sobre atividades físicas de academia, mas e os instrutores de artes marciais? Essa categoria também foi muito afetada pela pandemia, já que academias, centros de treinamento e dojos ficaram fechados.

Conversei com Carlos Henrique Patrocínio, faixa preta, 4º Dan, praticante há 20 anos e instrutor da Bujinkan Budo Taijutsu, escola tradicional de artes marciais japonesas, mas que também é conhecida como Ninjutsu.

Para Carlos, houve um pouco de relutância em iniciar o modelo de aulas online, pois artes marciais costumam ser treinadas presencialmente e muitas vezes em grupo.

A decisão de começar com aulas online surgiu depois de sete meses desde o início da pandemia, após seus alunos pedirem uma alternativa para não ficarem parados por muito tempo. Afinal, quem fica parado esquece ou perde condicionamento.

Carlos separou um espaço na sua casa, de onde transmite as aulas utilizando o Google Meet. “Inicialmente tive uma experiência com o WhatsApp, mas não deu muito certo e depois o modelo se consolidou com o Meet”, informou ao Tecnoblog.

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Aulas de Ninjutsu online (Imagem: Carlos Patrocínio/ Acervo pessoal)

Assim como no caso anterior, os treinos são personalizados, considerando a graduação do aluno e sua aptidão para técnicas. “Um aluno faixa preta vai ter uma composição de treinos diferente de um aluno menos graduado, assim como pessoas diferentes recebem treinos diferentes”.

A prática do Ninjutsu (e de outras artes marciais) envolve certo risco para iniciantes e dificuldades específicas em relação à movimentação. Por questões de segurança, Carlos decidiu não aceitar alunos que nunca tenham sido praticantes, já que alguns movimentos básicos envolvem saltos e quedas.

Os treinos têm uma hora de duração e o conteúdo é montado para cada aluno, seguindo um roteiro com aquecimento, exercícios de respiração, movimentação, técnicas básicas que envolvem socos e chutes e técnicas mais avançadas com armas como espadas ou bastões, sempre considerando a consciência corporal do praticante.

Vanessa Araújo treina duas vezes por semana e foi uma das primeiras alunas online de Carlos. Para ela, que mora com pais idosos, os treinos foram importantes, para manter o ritmo e não esquecer técnicas até que possa ser vacinada.

Entre as suas maiores dificuldades estavam, estabelecer transmissões estáveis, pois algumas vezes a conexão não ajudava. A outra dificuldade é aquela que devem ter imaginado: espaço físico.

Afinal, praticar artes marciais em um apartamento exige algumas adaptações, como organizar objetos no ambiente e realizar movimentos com cautela para não destruir a própria casa ou arrumar confusões com vizinhos.

Mesmo com as adaptações, Vanessa considera que os treinos online foram uma boa maneira para manter o espírito do dojo vivo.

Isso vai de encontro com o que Carlos procura fazer aos sábados, quando costuma reunir os seus alunos online. Ele costuma fazer isso, não apenas para treinar, mas para promover a interação entre o grupo que acabou afastado durante a pandemia e manter o vínculo criado entre os praticantes.

Escassez de recursos durante a pandemia

Um fato curioso: aqui no Tecnoblog, vemos muitas notícias sobre a alta dos preços de componentes eletrônicos, devido à queda no ritmo de produção por causa da pandemia. Isso fez com que os nossos queridos computadores, celulares, consoles e afins chegassem a preços de um patamar considerado “o céu é o limite”.

Entretanto, durante a pandemia, outras categorias sofreram de forma semelhante. No caso dos profissionais de educação física, itens como mini bands, halteres e caneleiras ficaram difíceis de encontrar com o aumento da demanda, os prazos de entrega ficaram mais longos e claro, os preços ficaram bem mais altos do que o habitual durante parte do ano de 2020.

WhatsApp, o preferido do brasileiro

WhatsApp (Imagem: Webster2703/Pixabay)
WhatsApp (Imagem: Webster2703/Pixabay)

Outro ponto curioso sobre as conversas que tive, foi a preferência dos alunos pela utilização do WhatsApp para fazer aulas e consultorias, em vez de utilizar aplicativos mais específicos como Zoom e Google Meet.

As justificativas variam entre o costume de usar o mensageiro no cotidiano até a dificuldade de ter que aprender a utilizar outro aplicativo. Mesmo que os outros apps também tenham versões mobile, como foi dito por Filipe: “O aluno quer praticidade. Ligar a câmera, posicionar o telefone e começar a aula”.

Em atendimentos a empresas ou em palestras é comum utilizar o Zoom, mas segundo Filipe cerca de 80% de seus atendimentos e aulas individuais são feitos através do WhatsApp, enquanto o restante se divide entre Zoom e Skype.

Independente da justificativa, isso é compreensível, afinal o aplicativo de mensagens mais popular do país está presente em 99% dos celulares no Brasil, segundo a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box, divulgada em 2020.

Também vale lembrar que em 2020 o mensageiro atingiu a marca de 2 bilhões de usuários no mundo, enquanto o Brasil foi considerado o segundo país com mais usuários do aplicativo, ficando atrás somente da Índia em uma pesquisa realizada pelo site eMarketer em 2019.

Redes sociais, lives e parcerias com outras áreas

Em 2020 tivemos um período de “boom” envolvendo a criação de lives, por razões das pessoas estarem afastadas. Sim, caro leitor, esse assunto de lives, está um pouco saturado. Contudo, muitos profissionais da área de educação física e outros segmentos investiram nas transmissões em parceria com profissionais de outras áreas.

Filipe informou que por causa de suas lives no Instagram, acabou conhecendo outros profissionais e realizou parcerias com profissionais como médicos e nutricionistas ligados à área esportiva.

Mudanças para o pós-pandemia

Em 2021 muitas medidas de isolamento foram reduzidas e, ainda que a vacinação em nosso país siga de forma vagarosa, a tendência é que a vida volte para algo mais próximo do “antigo normal”. Contudo, o modelo online parece ser algo que veio para ficar.

Para os entrevistados, embora a tendência seja que a quantidade de treinos presenciais, volte a ultrapassar os treinos online. Muitos alunos pretendem seguir com aulas online pelas mais diversas razões: redução de despesas, evitar deslocamentos ou simplesmente porque alguns agora residem em outros estados ou países. Filipe tem alunos em Minas Gerais e Carlos tem uma aluna que está na Inglaterra, por exemplo.

Tecnologia para ajudar na socialização

As aulas online podem ser úteis para manter o condicionamento, economizar tempo, entre outros objetivos práticos. Um aspecto interessante visto nas entrevistas foi a importância das aulas como ferramenta de socialização e interação, principalmente durante a pandemia, em que todos fomos obrigados a nos afastar das pessoas em diferentes níveis.

Ambos os profissionais relataram que muitas pessoas que ficaram solitárias — ou têm algum problema de relacionamento familiar — enxergam no professor/treinador/sensei uma figura de confiança, com quem muitas vezes podem desabafar, conversar ou simplesmente interagir. Embora esses profissionais não sejam terapeutas e deixem isso claro, eles dizem que se sentem felizes fazendo a diferença na vida dos alunos, mesmo à distância através das aulas online.

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André Leonardo

André Leonardo

Ex-analista de conteúdo

André Leonardo é jornalista e radialista formado pela UCAM, com MBA em Mídias Sociais. Trabalhou por 15 anos no mercado audiovisual em empresas como TV Brasil e TV Globo. No Tecnoblog, foi analista de conteúdo entre 2020 e 2023. Apaixonado por games, produziu conteúdo para sites e seu canal no YouTube. Já foi judoca, skatista e atualmente está começando a encarar corridas leves.