Para onde o mercado de micromobilidade está se movendo?

Após a euforia anterior à pandemia, o Brasil conta com um número menor de players e um modelo de operação mais consolidado

Josué de Oliveira
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Para onde o mercado de micromobilidade está se movendo? (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)
Para onde o mercado de micromobilidade está se movendo? (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)

O ano é 2019. Ao caminhar por bairros movimentados de São Paulo, é possível ver patinetes e bicicletas de cores variadas soltos pelas calçadas. A cena se repete em outras grandes cidades brasileiras.

Trata-se de uma ideia um tanto esquisita. As bikes e patinetes eram alugadas por aplicativo, e o usuário podia deixá-las onde julgasse conveniente. Muita gente gostava dessa comodidade; as prefeituras, nem tanto.

Em mais de uma ocasião, os meios de transporte oferecidos por startups como Yellow e Grin foram apreendidos. Era um prenúncio de que o mercado de micromobilidade podia ser interessante, mas ainda precisava atingir certa maturidade.

Corta para 2023. Yellow e Grin não estão mais operando. O mesmo vale para a Lime, outra competidora que chegou a se aventurar por aqui. Até mesmo o Uber fez uma tentativa, mas também desistiu. O que aconteceu?

Bem, no meio do caminho do segmento de bikes e patinetes compartilhados houve uma pandemia, é claro. Mas não foi só isso que tirou tantos players do mercado.

Quem ficou para trás

O jeito mais simples de explicar o fracasso de muitas operações de micromobilidade no Brasil é que elas não foram suficientemente rentáveis. Esse fato fica claro quando olhamos para a Grow.

Nascida em 2019 da fusão da brasileira Yellow com a mexicana Grin e contando com uma grande frota, a empresa prometia ser um dos grandes representantes do setor na América Latina.

O que acabou acontecendo, no fim das contas, foi o encerramento da operação com bikes. Os patinetes foram mantidos em apenas três cidades. O enxugamento foi descrito como um “ajuste operacional”.

A empresa acabaria sendo vendida para um fundo de investimentos com o objetivo de torná-la lucrativa. Mas esse futuro não chegou, e, em julho de 2020, um pedido de recuperação judicial foi apresentado. As dívidas chegavam a R$ 38 milhões.

Pouco tempo antes disso, outro player, a Lime, já havia feito uma demissão em massa e anunciado a saída do mercado brasileiro, além de outros onze. Sinal de que o setor apresentava desafios consideráveis.

Patinete elétrico da Lime (Imagem: Divulgação/Uber)
Patinete elétrico da Lime (Imagem: Divulgação/Uber)

Trata-se de uma operação com custos elevados. A frota precisa de constante manutenção, além de estar sujeita a furtos. E estes gastos não podem ser de todo repassados ao usuário, sob o risco do produto se tornar menos atrativo. Em resumo, é difícil dar lucro.

Some-se a isso o período de pandemia, durante o qual muita gente não pôs os pés para fora de casa. Um golpe impiedoso num negócio voltado para locomoção de pessoas.

Recentemente, a Grow teve sua falência decretada. Além da Lime, o Uber que tinha até comprado uma startup da área também não prosseguiu com a operação. Com isso, este mercado que um dia esteve aquecido esfriou significativamente.

Quem permanece

Uma startup, no entanto, conseguiu se manter em meio à queda dos concorrentes. Foi a Tembici, fundada em 2010. Desde 2017, a empresa opera as famosas bicicletas do Itaú.

No Tecnocast 314, conversamos com Maurício Villar, cofundador e Diretor de Operações da Tembici. Ele deu detalhes dos modelos de negócio da empresa e compartilhou suas percepções sobre o setor de micromobilidade no Brasil.

Para começar, a Tembici trabalha muito com parcerias. A mais conhecida é com o Itaú, mas também há acordos com empresas como iFood e Gympass, além de prefeituras. A receita com o cliente que aluga as bikes nas estações é importante, mas não é a única, o que é importante num mercado com custos tão altos.

Outro ponto é a logística. Lembra das bicicletas e patinetes que ficavam largados pelas cidades? Esse tipo de operação é chamado de dockless, ou seja, sem estações. Uma parte significativa dos problemas das empresas que saíram do mercado, segundo Villar, veio daí.

A primeira coisa que todo mundo pensa é “vão roubar todas as bikes”. E é verdade, roubam muito mais bicicletas nesse modelo. Mas ele traz outros problemas, também. É uma dificuldade logística muito maior. Você oferecer uma bicicleta de qualidade é muito mais custoso no modelo dockless. No nosso modelo, com estação, você tem mais previsibilidade, você consegue oferecer uma qualidade de serviço melhor.

Bike Itaú (Divulgação/Tembici)
Bike Itaú (Divulgação/Tembici)

As estações fixas oferecem mais organização, o que é preferível para marcas interessadas em realizar parcerias. O modelo dockless não trouxe esse tipo de benefício para quem apostou nele.

A dor de cabeça do patinete elétrico

Outra diferença entre a Tembici e os demais players é o foco nas bikes. A empresa até fez um teste com patinetes em 2018, mas optou por não oferecer mais o produto.

Para além da complicação do modelo de dockless, há também questões inerentes ao próprio patinete. Ele não é tão familiar para a maioria dos usuários quanto a bicicleta, e não funciona tão bem em certos relevos. Pense em cidades com muitas ladeiras, por exemplo.

Além disso, por ser elétrico, o patinete adicionava novas complexidades à execução. Carregamento, autonomia das baterias, despesas com manutenção; mais elementos numa operação já bastante intrincada.

Mas o que de fato selou o fim da oferta de patinetes na Tembici foi o fator segurança. Segundo Villar, o produto não estava pronto para as ruas, o que punha os usuários em risco.

Esse foi o principal fator pra gente abandonar e abandonar tão rápido o nosso projeto com patinetes. (…) A gente começou a perceber um volume de acidentes de categoria mais grave com uma frequência muito maior, absurdamente maior que com a bicicleta.

Villar ainda cometa que, na época, alguns dos patinetes disponíveis se pareciam mais com brinquedos do que com meios de transporte. Modelos mais atuais se mostram mais seguros, mas o custo também sobe, dificultando o retorno financeiro.

Para a Tembici, portanto, o negócio é 100% bicicleta. E, mais recentemente, os investimentos se voltaram para as bicicletas elétricas. A empresa inaugurou um centro de pesquisa e inovação próprio, voltado para aprimorar a tecnologia dessa modalidade.

A primeira bike elétrica criada no centro oferece, entre outras coisas, autonomia de 100km e pneus anti-furo. O modal representa a grande aposta da empresa para o futuro. Pelo menos de acordo com a Tembici, é para lá que o serviço de micromobilidade está se movendo.

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Josué de Oliveira

Josué de Oliveira

Produtor audiovisual

Josué de Oliveira é formado em Estudos de Mídia pela UFF. Seu interesse por podcasts vem desde a adolescência. Antes de se tornar produtor do Tecnocast, trabalhou no mercado editorial desenvolvendo livros digitais e criou o podcast Randômico, abordando temas tão variados quanto redes neurais, cartografia e plantio de batatas. Está sempre em busca de pautas que gerem conversas relevantes e divertidas.

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