Netflix precisa dos preços mais altos, mesmo que isso faça você cancelar

Base consolidada em países desenvolvidos, crescimento orgânico em emergentes e pressão de acionistas dão margem para Netflix subir preços

Giovanni Santa Rosa
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• Atualizado há 2 anos e 4 meses
TV com logo da Netflix (Imagem: David Balev/Unsplash)
TV com logo da Netflix (Imagem: David Balev/Unsplash)

A Netflix aumentou mais uma vez seus preços no último dia 22 de julho: os valores agora ficam entre R$ 25,90 e R$ 55,90. Se você pensou em cancelar sua assinatura, provavelmente não foi o único — e provavelmente isso não vai ser um grande problema para a empresa. Segundo analistas de mercado ouvidos pelo Tecnoblog, os investidores vão passar a olhar mais para métricas de receita e lucro e menos para os números de crescimento de assinaturas.

Um relatório do analista Steven Cahall do banco Wells Fargo repercutido pelo site The Hollywood Reporter diz que o aumento das receitas da Netflix, daqui para frente, vai depender mais de planos mais caros do que do crescimento do número de assinantes. De acordo com as projeções do economista, o aumento de preços respondeu por 12,5% do crescimento das receitas em 2020, proporção que deve chegar a 37,1% em 2024. Já a participação do crescimento da base de assinantes deve cair de 87,5% para 62,9% no mesmo período.

Cahall diz que os números da empresa devem mudar de grandes crescimentos na base de assinantes para algo mais previsível e adequado para investidores do chamado perfil GARP.

O que importa para os acionistas da Netflix

GARP é a sigla em inglês para “growth at a reasonable price” ou, em tradução livre, “crescimento a um preço razoável”. Este é o nome dado a uma estratégia de investimentos que consiste em encontrar empresas com muito potencial de crescimento, mas com ações estejam sendo negociadas a um preço não muito alto.

Isso é importante porque a Netflix costumava se concentrar justamente no rápido crescimento — e eram aí que entravam os preços de assinatura bem baixos. Guilherme Zanin, analista da corretora Avenue Securities, explica ao Tecnoblog que esse é o caminho típico das startups: queimar dinheiro em um primeiro momento para obter mais usuários e consolidar uma base de clientes para depois subir o preço e conseguir lucro.

Netflix (Imagem: Stock Catalog/Flickr)

Netflix (Imagem: Stock Catalog/Flickr)

O economista compara a Netflix com o Nubank, que primeiro chegou com um cartão de crédito básico e gratuito e agora oferece outros tipos de serviços, como seguro de vida e empréstimo — e cobra por eles. A Netflix, aliás, também deve diversificar suas áreas de atuação nos próximos anos: a empresa contratou o executivo Mike Verdu, com passagens por Facebook Gaming e Electronic Arts, e promete investir na área de games.

Para Vinicius Araujo, analista global da corretora XP, outro caminho para a Netflix é a escalabilidade da própria plataforma. Ele diz ao Tecnoblog que as produções da empresa hoje permanecerão no catálogo e poderão ser úteis na hora de conquistar (e manter) novos clientes. O economista também comenta que aumentar preços para compensar um ritmo menor de crescimento é uma maneira de acalmar os ânimos dos investidores.

O tabuleiro de War da Netflix

Para entender a estratégia da Netflix, é preciso separar as diferentes regiões geográficas de atuação da empresa. Por um lado, o serviço de streaming já tem muita penetração nos países desenvolvidos da América do Norte e Europa. Por outro, ainda há muito espaço para crescer em regiões em desenvolvimento, como América Latina, África e Ásia.

Isso acontece em grande parte por causa da defasagem tecnológica dessas regiões. Como ainda há muita gente que está comprando seu primeiro smartphone ou smart TV, só agora essas pessoas estão conhecendo as vantagens e facilidades do streaming. Araujo diz que a Netflix considera que há um público endereçável (isto é, que ainda pode assinar o serviço) em torno de 800 milhões a 900 milhões. Atualmente, a empresa tem 207 milhões de assinantes em todo o mundo.

Aplicativo da Netflix no Android (Imagem: Bruno Gall De Blasi/Tecnoblog)

Aplicativo da Netflix no Android (Imagem: Bruno Gall De Blasi/Tecnoblog)

Apesar disso, mercados emergentes têm menor poder aquisitivo e moedas mais fracas. Por isso, a receita por usuário nessas regiões costuma ser mais baixa, já que não é possível cobrar valores muito altos. A título de comparação, os preços no Brasil ficam entre R$ 25,90 e R$ 55,90, o que, com o dólar pouco acima da marca dos R$ 5, dá algo entre US$ 5 e US$ 11. Nos EUA, os planos ficam entre US$ 9 e US$ 18.

Rafael Nobre, analista global da corretora XP, explica ao Tecnoblog que a companhia olha muito para a média de receita por usuário. Portanto, subir os preços em alguns países é uma maneira de compensar o crescimento em áreas onde o valor da assinatura é mais baixo. O economista lembra que, no ano passado, a Netflix disponibilizou um plano de baixo custo que só funciona no celular.

Disney+ e HBO Max: concorrência de peso

A Netflix foi uma das principais responsáveis por popularizar o streaming de séries e vídeos. No entanto, ela não está mais sozinha nesse mercado: gigantes como Amazon, Disney e AT&T (dona do HBO Max) entraram no jogo com suas próprias plataformas. E você mesmo deve ter comparado os novos preços da Netflix com os valores mais baixos da concorrência.

Zanin, da Avenue, acrescenta que, em mercados como o brasileiro, a Netflix tem também concorrência de empresas de telecomunicações, que oferecem seus serviços de TV por assinatura, e de plataformas locais, como a Globo e seu Globoplay.

Para Nobre, uma das consequências dessa maior concorrência é justamente forçar a Netflix a não aumentar tanto o preço.

Mesmo assim, isso não deve ser um problema para a companhia. Araujo diz acreditar que o mercado de streaming não é “winner takes it all” (“o vencedor leva tudo”, em tradução livre). Essa expressão é usada para setores em que uma única empresa acaba dominando — pense no Facebook em redes sociais ou no Google em buscas. Ele diz que, em países desenvolvidos, muitas pessoas vão assinar a Netflix e outros serviços. Já nos mercados em desenvolvimento a conta fica um pouco mais apertada porque a renda média da população é mais baixa e não dá para pagar tudo.

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Giovanni Santa Rosa

Giovanni Santa Rosa

Repórter

Giovanni Santa Rosa é formado em jornalismo pela ECA-USP e cobre ciência e tecnologia desde 2012. Foi editor-assistente do Gizmodo Brasil e escreveu para o UOL Tilt e para o Jornal da USP. Cobriu o Snapdragon Tech Summit, em Maui (EUA), o Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre (RS), e a Campus Party, em São Paulo (SP). Atualmente, é autor no Tecnoblog.

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