Netflix suspende funcionária que apontou transfobia em especial de comédia

Engenheira trans da Netflix que apontou transfobia no stand-up The Closer, de Dave Chappelle, foi afastada; presidente do streaming defende especial

Pedro Knoth
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• Atualizado há 2 anos e 4 meses

A Netflix afastou uma funcionária transexual que apontou comentários transfóbicos feitos pelo apresentador Dave Chappelle em The Closer, seu mais recente especial de comédia lançado pelo serviço de streaming. A engenheira Tara Fied, uma mulher trans, veio a público com uma thread no Twitter que se tornou viral sobre como o comediante ataca pessoas trans e o próprio significado do que é ser transexual. No especial, Chapelle diz que a comunidade LGBTQ+ se tornou “sensível demais”.

The Closer foi ao ar no dia 5 de outubro, e no momento tem boas avaliações no site de crítica especializada IMDb. Mas Chappelle, que é conhecido por gravar stand-ups de sucesso para a Netflix, está sob críticas de funcionários do streaming por comentários considerados transfóbicos.

No dia seguinte ao lançamento do stand-up, a engenheira de software da Netflix, Tara Fied, escreveu que o comediante “ataca a comunidade trans” e o próprio significado do que é “ser trans” em seu especial. A thread no Twitter feita pela funcionária viralizou e provocou um debate sobre liberdade de expressão e cultura do cancelamento.

A Netflix decidiu afastar Fied e mais outros dois funcionários que tentaram comparecer a uma reunião de executivos para a qual não foram convidados. Além da suspensão, outro funcionário trans se demitiu. O motivo seria o gerenciamento da Netflix sobre situação de Fied e o lançamento do especial de Chappelle.

Ao The Verge, o serviço de streaming alegou que eram absurdas as alegações de que a engenheira trans teria sido afastada por seu tweet. “É absolutamente falso que nós tenhamos suspendido qualquer funcionário que tenha tuitado sobre o show [The Closer]” disse um porta-voz. “Nossos empregados são encorajados a abertamente se manifestarem contrários, e nós apoiamos o seu direito de fazê-lo”.

Ted Sarandos, CEO da Netflix, defende especial

O especial de Dave Chappelle causou uma crise interna dentro da Netflix. Logo depois do lançamento do programa, alguns funcionários começaram a questionar se houve participação de transexuais para levar o stand-up ao ar, assim como a linha traçada pela Netflix para distinguir entre comentários transfóbicos e comédia.

Em um documento de perguntas e respostas, uma pessoa que trabalha naa Netflix diz que o estúdio está “fornecendo, repetidamente, a plataforma para conteúdo que é tóxico para a comunidade trans”. Diz, em continuação, a nota:

“Essas decisões tem um impacto material em nossos negócios, como nossos atuais empregados e talentos se recusando a trabalhar conosco. Qual é nosso plano e como vamos consertar essa situação especificamente?”

No dia 8 de outubro, última sexta-feira, o CEO da Netflix, Ted Sarandos, respondeu a essa pergunta em um e-mail interno que foi obtido pelo The Verge.

Na carta aos funcionários, Sarandos diz que lamenta o fato de que colegas da Netflix tenham sido ofendidos pelo especial de Dave Chappelle. Contudo, o presidente do streaming não deve derrubar The Closer do catálogo. “Estamos cientes que alguns de nossos empregados podem tentar receber a ajuda de terceiros nos próximos dias para tentar tirar o show do ar, algo que nós não faremos”, afirmou o executivo.

Ted Sarandos, CEO da Netflix, defendeu especial de Chappelle após acusações de transfobia (Imagem: Daniel Benavides/ Flickr)

Sarantos também disse no e-mail interno que The Closer não rompe a linha tênue entre comédia e discurso de ódio:

“Vários de vocês perguntaram quando nós definimos um limite sobre o que é ódio. Nós não permitimos obras que são criadas para incitar ódio ou violência na Netflix, e acreditamos que The Closer não excede esse limite. Contudo, reconheço que distinguir entre comentário e ofensas é difícil, especialmente com comédias stand-up, que existe para quebrar tabus. Algumas pessoas acreditam que a arte do stand-up significa ter uma intenção maliciosa, mas nossos membros gostam dela, e ele é uma parte importante do conteúdo que oferecemos.”

Diretor de filme sobre imagem trans rebate Netflix

Sarandos continua, falando que o compromisso da Netflix com a inclusão é um reflexo de algumas das séries disponíveis no catálogo, como a popular Sex Education, e o documentário Disclosure, que retrata o impacto da indústria de Hollywood na imagem de pessoas trans. Mas o diretor da obra afirmou que o streaming alugou o doc pela metade do valor que foi usado na produção.

“E, para constar, eles alugaram [o filme] por metade do que custou para produzi-lo” @SamFederFilm

Não bastasse ser rebatido pelo diretor do documentário sobre imagem trans em Hollywood, uma indústria da qual a Netflix faz parte, uma fonte interna disse ao The Verge que não tinha sido convencida pelo e-mail de Ted Sarandos. “Não existe ‘compensação de carbono’ para intolerância”, disse o empregado.

Sarandos também defende o especial pelos números: o executivo diz que stand-up anterior de Dave Chappelle produzido pela Netflix, Sticks & Stones, é o “mais assistido, controverso e premiado até o momento”.

Dave Chappelle e Netflix têm uma relação de longa data. Em 2016, o comediante assinou um contrato para produzir três especiais exclusivos para o serviço de streaming. Quatro anos depois, a empresa tirou do ar o Chappelle Show a pedido de Dave — ele foi restabelecido em 2021, quando a briga do autor com o Comedy Central esfriou.

Apesar de seus últimos especiais terem sido alvo de polêmicas, o The Closer é o que vem recebendo uma resposta mais dura. A GLAAD (Aliança Gay e Lésbica Contra a Difamação) escreveu que a marca de Dave Chappelle havia se tornado um sinônimo para ofender “gays, lésbicas e outras comunidades marginalizadas”. Em pronunciamento à revista Variety, a entidade civil Coalizão Nacional de Justiça Negra (NJBC) pediu pela retirada imediata do stand-up.

Com informações: The Verge

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Pedro Knoth

Pedro Knoth

Ex-autor

Pedro Knoth é jornalista e cursa pós-graduação em jornalismo investigativo pelo IDP, de Brasília. Foi autor no Tecnoblog cobrindo assuntos relacionados à legislação, empresas de tecnologia, dados e finanças entre 2021 e 2022. É usuário ávido de iPhone e Mac, e também estuda Python.

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