O caso de amor dos japoneses com o fax
Na próxima vez em que você desembarcar no Japão, pode reparar: para todo canto que olhar, provavelmente haverá uma máquina de fax funcionando normalmente. Acontece na terra do sol nascente aquilo que ficou conhecido como Síndrome de Galápagos. Um país marcado pelo desenvolvimento tecnológico ainda se afeiçoa a itens tecnológicos antigos. Os nipônicos amam o fax.
São vários os motivos para que quase a totalidade das empresas japonesas – e mais da metade das residências – possua uma máquina de fax. Primeiro de tudo, há de se considerar que existem dois alfabetos predominantes, mais cerca de dois mil ideogramas importados da China. É muito complicado reproduzir essa complexidade linguística toda sem recorrer à boa e velha escrita de mão, que tarda mas não falha. Já tentou usar um teclado de smartphone que reconhece os traços para organizar os ideogramas? É uma tortura só. (Não que eu seja fluente em japonês, mas é isso o que me relata uma amiga que estuda o idioma)
Outro detalhe. A população do Japão é mais velha do que o habitual. Cerca de 24% do povo japonês já possui mais de 65 anos, com a projeção de que este percentual salte para 40% até 2060. A presença das máquinas de fax é muito influenciada pelo modo tradicional como pensam essas pessoas. Sim, o WhatsApp existe para entrar em contato com os amigos, mas seria uma grande descortesia recorrer a qualquer outra coisa que não o fax para enviar um convite para uma festa ou cerimônia. Ao menos é o que diz a jornalista Claudia Sarmento, correspondente do jornal carioca O Globo no país.
A jornalista também conta, no artigo publicado no último sábado (31/ago), que os atos governamentais não dispensam os carimbos conhecidos como “hanko”. A burocracia japonesa não permite que os aparelhos de fax sejam esquecidos. Enquanto o mundo caminha para uma realidade de certificações digitais e protocolos de segurança, eles preferem o método antigo, até mesmo por receio de que as comunicações eletrônicas sejam interceptadas (não se esqueça que estejamos na era do Prism e do Google dizendo que não se deve esperar privacidade do Gmail).
O jornal New York Times publicou em fevereiro deste ano uma reportagem na qual conta como está a Síndrome de Galápagos por lá. Embora as exportações de fax estejam diminuindo (quem ainda compra o produto?), os japoneses continuam importando a máquina.
Um usuário constante do fax, Yuchiro Sugahara possui um restaurante no qual a maioria esmagadora dos pedidos chega pelo aparelho, com direito a mensagens do tipo: “pegue leve com a massa de empanado do frango frito” ou “adicione um ovo extra supercozido”. Novamente, entra em cena a questão do alfabeto, mas também da cordialidade que o povo japonês tem no momento de se comunicar. Bem diferente de alguns apps de delivery disponíveis cá em Sampa, nos quais você escolhe os itens rapidamente e faz o pagamento sem nem perceber – e sem chance de avisar, por exemplo, que o cozinheiro deve evitar a adição de pimenta porque lhe causa irritação alérgica (ou algo nessa linha).
A empresa de Yuchiro recebe 62.000 pedidos diários, com mais da metade sendo cuspida das máquinas de fax. Já o site do restaurante responde por menos que 5% de todos os pedidos.
Ainda no campo empresarial, não é difícil ver executivos mais velhos ordenando que os estagiários façam todo o trabalho online. Eles têm horror ao computador. Não querem usar um teclado eletrônico, nem ficar de frente com uma tela. Esse pessoal continua utilizando as máquinas de fax. Inclusive para realizar operações bancárias – por incrível que pareça.
O fax continua sendo um orgulho para os japoneses. Há dois anos, quando houve o tsunami na região, as vendas do produto foram alavancadas porque a população precisava repor o aparelho de casa. Foi nesta casa que um modelo ficou particularmente mais popular: um fax com baterias que duram várias horas. Para quando a próxima catástrofe acontecer. Sim, eles já estão se preparando para isso.
A maior operadora de telefonia de lá tem pensado em formas de evitar que o fax seja esquecido. A inovação mais recente da NTT – ela foi responsável por inventar alguns aparelhos de fax mais em conta – permite que o pessoal mais velho escreva as mensagens e enviem por fax. Elas chegam aos destinatários em aplicativos de email e mesmo apps de comunicação instantânea, como se fossem fotos em anexo. E assim a tradição e a modernidade andam lado a lado.
Eu ainda prefiro mandar por email. Faz pelo menos uns mil anos que não telefono para alguém e peço “Por favor, dá o sinal de fax?” para encaminhar uma mensagem.