Meta pode ter que vender WhatsApp e Instagram caso viole nova lei na Europa

DMA coloca Google, Apple, Amazon, Microsoft e Meta na mira; empresas não podem favorecer seus serviços nem obrigar consumidores a usá-los

Giovanni Santa Rosa
Logotipo do WhatsApp

A União Europeia chegou a um acordo provisório sobre uma série de medidas que vão impactar gigantes da tecnologia. O chamado Digital Markets Act (DMA) impõe regras para que empresas como Meta (dona de Facebook, WhatsApp e Instagram), Apple, Google, Microsoft e Amazon não possam forçar usuários a adotarem seus produtos e deem alternativas para apps, lojas e plataformas. As punições em caso de desrespeito às futuras normas são pesadas.

O Digital Markets Act (ou Lei dos Mercados Digitais, na versão em português) já vem sendo discutido há algum tempo. Ele é parte da abordagem da União Europeia para tentar diminuir o poder das chamadas big techs.

Por lá, essas empresas já foram multadas várias vezes por violações a leis de livre concorrência e questões de privacidade.

Caso o texto entre realmente em vigor, os serviços digitais nos países do bloco podem passar por mudanças consideráveis. A lei ainda precisa ser aprovada no Parlamento Europeu e no Conselho Europeu.

Meta pode ser dividida caso descumpra DMA

Um dos pontos do texto diz que empresas que violarem as leis podem ser divididas. Isso só aconteceria em último caso, se uma companhia descumprir as regras três vezes em oito anos.

Mesmo assim, a Meta, que também é dona do Facebook, pode ter que se desfazer de Instagram e WhatsApp, ou pelo menos das operações europeias dos dois apps.

Ainda que não chegue a esse ponto, uma novidade pode pintar: o DMA obriga as empresas a fornecerem interoperabilidade entre serviços de mensagem instantânea.

Ícones de Messenger e Facebook (Imagem: Alexander Shatov /Unsplash)
Ícones de Messenger e Facebook (Imagem: Alexander Shatov /Unsplash)

O Messenger e o WhatsApp da Meta, por exemplo, poderão ser obrigados a enviar mensagens para iMessage, Telegram e Signal.

O texto fala apenas em funções básicas, então é possível que recursos mais avançados como stickers fiquem de fora.

Mesmo assim, podemos imaginar a possibilidade de não precisar usar o WhatsApp só porque sua família e amigos usam, já que outros apps ainda garantiriam a comunicação.

Lei pode obrigar Apple a aceitar outras lojas de apps no iPhone

Outro caso que está bem na mira do DMA é o da Apple e da App Store do seu iPhone.

Basicamente, não existe um jeito oficial de instalar aplicativos no smartphone sem ser pela loja da empresa. A União Europeia considera que isso atrapalha a concorrência.

De acordo com as novas regras, a empresa terá que criar uma forma para instalar apps sem ser pela App Store. Além disso, mesmo os aplicativos distribuídos pela loja oficial da Apple não serão obrigados a usar o sistema de pagamento da empresa.

Esse ponto é importante. Ele foi o xis da questão de toda a briga entre Epic Games e Apple. A desenvolvedora do Fortnite queria usar seu próprio sistema para processar a compra de itens no jogo e não pagar comissões para a Apple. A empresa e o game acabaram banidos.

Ícone do Fortnite no iPhone (Imagem: André Fogaça/Tecnoblog)
Ícone do Fortnite no iPhone (Imagem: André Fogaça/Tecnoblog)

O Spotify também já reclamou disso. A empresa de streaming diz enfrentar concorrência desleal do Apple Music, porque precisa pagar comissões para Apple e cobrar mais caro dos usuários, coisa que a plataforma musical da maçã está isenta.

Não por acaso, a Coalition for App Fairness (coalização para justiça dos apps, em tradução livre) apoia o DMA. Epic Games e Spotify fazem parte da aliança, que também inclui Tile e ProtonMail, entre outras empresas menores que as big techs.

Por fim, nem o Apple Pay parece estar a salvo. O DMA obrigaria as empresas a liberar acesso de componentes secundários de seus produtos, como o NFC dos iPhones. Assim, outras carteiras de pagamento poderiam chegar aos aparelhos.

A quem o Digital Markets Act (DMA) se destina

O DMA tem como foco os chamados gatekeepers, empresas que controlam serviços centrais do mercado digital. Entre os exemplos, estão:

  • lojas de aplicativos;
  • motores de busca;
  • redes sociais;
  • serviços de nuvem;
  • provedores de anúncios;
  • assistentes de voz;
  • navegadores.

Não basta, porém, fornecer um desses serviços para se tornar um gatekeeper. A legislação define alguns critérios.

Um deles é ter no mínimo 45 milhões de usuários mensais ou 10 mil usuários corporativos na União Europeia.

Além disso, para ser gatekeeper, a empresa precisa controlar um ou mais serviços de plataforma em no mínimo três países do bloco.

Sim, são mínimos bem altos. Sobram basicamente as gigantes da tecnologia, como Apple, Google, Meta, Microsoft e Amazon.

A UE já vinha investigando bem de perto o poder dessas companhias, e agora decidiu estruturar várias ideias em uma única legislação.

Condições e proibições

Essas companhias ficarão obrigadas a algumas condições, caso o DMA seja aprovado.

Elas terão que dar aos usuários a opção de não utilizar serviços de uma plataforma — usar o YouTube ou o Gmail sem precisar de uma conta no Google, por exemplo.

As empresas não poderão colocar seus próprios softwares como padrão nos seus sistemas operacionais — nada de Chrome padrão no Android, nem Edge no Windows, nem Safari no macOS.

Além disso, elas terão que abrir seus aplicativos de mensagem para outros desenvolvedores como forma de garantir a interoperabilidade de funções básicas.

Os gatekeepers também não poderão limitar o acesso de desenvolvedores a partes suplementares de seus produtos. Um dos casos é o dos chips NFC dos smartphones, que deve impactar o Apple Pay, como mencionamos.

Apple Pay (Imagem: CardMapr/Unsplash)
Apple Pay (Imagem: CardMapr/Unsplash)

As empresas de comércio também precisarão dar aos vendedores de seus marketplaces acesso a dados de marketing ou propaganda.

Por fim, a Comissão Europeia precisará ser informada de aquisições ou fusões dessas entidades.

Várias práticas também podem ser proibidas, como:

  • ranquear seus próprios produtos acima dos demais;
  • reutilizar dados privados coletados em um serviço em outro;
  • colocar condições injustas para usuários corporativos;
  • pré-instalar certos apps;
  • exigir que desenvolvedores usem determinados serviços (como sistemas de pagamento ou provedores de identidade) para serem incluídos nas lojas de aplicativos.

As punições para quem violar o DMA

Caso o Digital Markets Act seja mesmo aprovado, as empresas que se encaixarem na lei terão punições pesadas caso descumpram as regras.

Uma primeira violação pode acarretar multa de até 10% da receita global. Caso a companhia repita o erro, uma nova multa pode ser aplicada, desta vez de 20%.

Se os erros forem sistemáticos e não houver sinal de mudança de conduta, a União Europeia pode iniciar uma investigação e tomar medidas comportamentais ou estruturais. Em outras palavras, ela pode determinar que uma empresa se divida em outras menores.

Quem critica e quem apoia

Como era de se esperar, nem todo mundo está contente com mudanças tão grandes nos negócios. Google e Apple aparecem entre os maiores críticos.

A Apple diz estar preocupada com algumas das medidas do DMA. Segundo a companhia, elas podem criar vulnerabilidades desnecessárias de privacidade e segurança para usuários.

Já o Google diz apoiar as ambições da legislação, mas considera que algumas das regras podem reduzir a inovação e as escolhas disponíveis para os cidadãos europeus.

De maneira um pouco surpreendente, a Microsoft apoia a novidade. Casper Klynge, vice-presidente da empresa, disse em seu LinkedIn que “plataformas abertas são importantes na inovação para o futuro”.

Com informações: MacRumors, Android Police.

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Giovanni Santa Rosa

Giovanni Santa Rosa

Repórter

Giovanni Santa Rosa é formado em jornalismo pela ECA-USP e cobre ciência e tecnologia desde 2012. Foi editor-assistente do Gizmodo Brasil e escreveu para o UOL Tilt e para o Jornal da USP. Cobriu o Snapdragon Tech Summit, em Maui (EUA), o Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre (RS), e a Campus Party, em São Paulo (SP). Atualmente, é autor no Tecnoblog.