Nossa maior jabuticaba tecnológica: os celulares rodando S40
Recentemente falei aqui no Tecnoblog das jabuticabas da tecnologia móvel, coisas tão características nossas quanto o futebol e o carnaval. Não comentei no texto, mas ficou faltando uma. A principal! Por isso, decidi dedicar uma coluna somente para ela.
Trata-se do sistema operacional S40 da Nokia. O S60, chamado de Symbian, foi aposentado. Não serão mais feitos aparelhos S60, mas os últimos modelos continuarão à venda por um tempinho, junto com os 43% da base de smartphones que hoje está nas ruas brasileiras.
Foquemos, portanto, nos S40 – sistema que embarca os smartphones light da finlandesa. Segundo números da IDC, o sistema tem 43% do mercado de smartphones no Brasil. Por muito tempo o Symbian foi o líder isolado e somente ano passado perdeu o posto para o Android. Hoje a liderança é apertada: o sistema do Google conta com 51%.
No resto do mundo, os números são bem mais modestos. A Nokia com seu Symbian sempre foi fortíssima na Europa, mas com o advento do iPhone e do Android, saiu dos holofotes e perdeu mercado. Já o S40, voltado para mercados emergentes, ganhou terreno e hoje, especificamente no Brasil, compete de frente com os Androids de entrada.
Sei que a base dos leitores do Tecnoblog é composta de geeks juramentados, que acharão uma afronta comparar Androids de entrada com S40. Afinal, trata-se de um sistema operacional completo contra um super enxuto e limitado. A questão aqui é colocar-se no lugar dos milhões de brasileiros comuns, leigos, que querem um celular barato com redes sociais, email e um navegador básico. A maioria não vai além disso, e os S40 podem custar a metade de um Android de entrada com vantagens extras.
Pesquisa de campo
A maneira como as fabricantes colocam o sistema operacional Android em aparelhos de entrada é lamentável. Via de regra, são SOs já defasados, que jamais serão atualizados. Adequações custam caro para as empresas, e esses aparelhos têm margem de lucro pequena. Não compensa. Corta-se uma coisinha aqui, outra ali, mas o sistema ainda pesado acaba espremido num hardware modesto. Em poucos meses de uso, as lentidões, os travamentos ea bateria deficitária são a tônica da frustração de muita gente.
Aqui no Brasil, com a gigantesca base de usuários de pré-pagos, temos um agravante: a péssima qualidade das conexões. Cliente pré quer gastar o mínimo, tanto com o aparelho quanto com os serviços, e as operadoras não querem gastar com eles. Hotspots de Wi-Fi grátis são raros em pontos de movimentação popular. Faz pouco tempo que as conexões pré começaram a se popularizar, justamente por causa dos pacotes especiais para a categoria.
Os pacotes pré mais populares são os diários a R$ 0,50, ofertados por três operadoras. Em duas delas, essa franquia diária é 10 MB, depois disso, a velocidade cai para até (importantíssima essa palavra em se tratando de telecoms!) 50 Kbps em uma e 32 Kbps na outra. A terceira operadora dá franquia de 5 MB com velocidade de 1 Mbps, caindo depois para até 50 Kbps.
E lá fui eu conversar com trabalhadores e estudantes de escolas públicas que me procuraram dizendo que seus celulares Android eram “uma porcaria”. Na verdade, as queixas mais recorrentes são de que “meu aparelho é muito lento” e “a internet não funciona”. Na verdade, eu constatei que eles:
- Entupiam seus aparelhos de aplicativos, principalmente jogos. O desempenho não era adequado em boa parte desses jogos, que exigiam melhor hardware.
- Instalavam aplicativos conectados, como o WhatsApp e Zelo. Somando-se às redes sociais e emails, que já ficam permanentemente conectados, claro que a franquia diária (ou semanal, ou mensal) dura apenas alguns minutos. Sim, meus caros, minutos! E depois, o que as operadoras fazem? Derrubam a conexão a um mínimo tão baixo (até 50 ou 32 Kbps) que o navegador simplesmente não funciona! Facebook e email ficam abrem pateticamente, de forma intermitente, mas o navegador fica eternamente à espera de algo que nunca chega. Testei eu mesma, em vários smartphones, e o problema se repetia. Não sei se há alguma limitação técnica ou, o que eu mais suspeito, alguma espécie de shaping das operadoras em cima dos usuários pré – e nesse momento, convoco meus leitores ninjas a descobrir a pegadinha.
- Mesmo quando os usuários ficavam horas sem pegar nos aparelhos, todos os processos ficavam em background consumindo recursos do sistema. Quando o coitado decidia fazer uma ligação, não tinha mais bateria.
Muitas pessoas ficavam confusas quando eu indagava se era o aparelho ou a sua internet que era lenta. No geral, botavam tudo num balaio de caranguejo, culpando “a porcaria” do aparelho.
Já nos usuários de S40 isso não acontece. É um sistema com uma imensa base de clientes satisfeitos. Muitos, inclusive, vindos do Android. Uma geek como eu não se conformou em ver tanta gente dizendo que S40 “é muito melhor” que Android, lógico. Qual o segredo?
- Os jogos e aplicativos instalados pela loja da Nokia sempre são compatíveis com o hardware do usuário. Aplicativos que exigem mais hardware sequer são listados no hardware em uso.
- O gerenciamento de dados móveis é mais inteligente. É feita uma compressão, o recarregamento é acelerado, o que resulta numa boa experiência, mesmo em celulares 2G. Aliás, é por isso que muitos desses celulares sequer tem 3G. Pra que, afinal, se o coitado vai navegar o tempo todo em até 50 Kbps? De quebra, barateia mais ainda o celular.
- Menor consumo de recursos, menor gasto de bateria.
Mais uma vez: a culpa não é do Android como OS. É a implementação precária. Claro que esses usuários poderiam se informar mais. Porém, o linguajar é inacessível. Megabaites, kilobites, blablablá, eu só quero abrir meu Feicibuque, pô!
É por isso que o S40 é nossa maior jabuticaba. E notem: não há concorrência no mercado para ele, por enquanto.
Situação pitoresca
Várias pessoas com quem conversei ficaram pasmas quando falei que era muito mais vantajoso o pacote de dados pré mensal. Nele, por R$ 9,90 ao mês (200 MB a 1 Mbps), o gasto diário é de apenas R$ 0,33.
“Ah, mas eu não uso internet todo dia!”, alegou um incauto.
Retruquei: “Você não, mas seu celular sim”. Todo santo dia o sistema e os apps vão se conectar sem você perceber, nem que seja apenas para checar se há alguma atualização.
“Ah, é por isso que a operadora X fica comendo meus créditos…”
“Não é a operadora, é você. Seus R$ 0,50 só não serão debitados, com certeza, se o celular ficar desligado o dia todo!”