Lá vou eu contar mais uma história sobre minha já folclórica mãe. Em crônicas prévias, como a do Saraiva, vocês viram que ela não é uma pessoa fácil…
Pois bem. Há algum tempinho o cabeçote do seu multifuncional pifou, e na assistência técnica disseram não haver peças pois o modelo era importado — apesar de comprado no Brasil. Enquanto ela esbraveja, prometi procurar um para ela e mandar importar. Enquanto isso, meu próprio multifuncional ficou à disposição dela. Instalei os drivers em seu laptop e expliquei que, caso eu estivesse viajando, ela poderia vir até minha casa e usá-lo por wifi. Não precisaria nem ligá-lo, ficaria sempre em standby. Ou então, ela me mandaria seus documentos por email, eu imprimiria e, em minha próxima visita, entregaria à ela.
Foi quando surgiram as greves dos Correios e dos bancos para complicar nossas vidas.
As contas pararam de chegar e ela precisou solicitar 2ª via de tudo pela internet. Minha caixa de entrada ficou atolada de boletos. Ela pediu que imprimisse todos e entregasse a ela, para pagar nos terminais das agências. Mesmo sabendo que ela não gosta de internet banking, falei que era uma emergência, afinal, cada dia viria uma conta nova, e eu teria que imprimir e levar uma a uma até ela antes que vencessem.
Expliquei — com cuidado — que não seria necessário imprimir nada. De posse do PDF, era só acessar o site do banco e digitar os códigos de barras. Me propus a ensinar pessoalmente como se fazia. Pra quê… ela disse que jamais usaria banco online, que é perigoso, que tá cheio de hackers por aí, que nenhum dos colegas dela usa e até a própria gerente (!) desaconselhou a prática. E me acusou injustamente de estar com preguiça de fazer esse favor para ela, que ela era minha mãe e deveria respeitá-la, e que se o problema fosse cartucho de tinta, ela compraria. Baixei a guarda e não discuti mais.
E os dias foram passando. Além dos boletos das contas, vieram recibos de compras online, confirmações de compras com os números dos pedidos, reservas de passagens aéreas, pesquisas, vouchers de hotéis. Eventualmente, um ou outro email de algum amigo, encaminhado, que ela queria que eu imprimisse. Felizmente não eram correntes nem PowerPoints… Resignadamente imprimi tudo.
Um belo dia me assustei com a impressão de um PDF de 57 páginas. Era o comprovante de um seguro de viagem, acompanhado de cláusulas e orientações… em português, inglês e espanhol! O papel e a tinta acabaram no meio do processo, mas não adiantou nada tentar uma altercação. Foi preciso deixar todo o calhamaço pronto.
A história tem tom de comédia, mas o propósito deste artigo é outro: mostrar que conforme vamos envelhecemos, não conseguimos nos livrar de velhos hábitos e gostos. É por isso que muitos idosos se recusam a fazer check-ups de saúde — antigamente só se procurava médico em caso de extrema necessidade. E quando veem programas na TV de hoje, suspiram dizendo: “antigamente sim se fazia novela boa…”
Um amigo meu passou por uma tremenda saia justa no último “Dia do Planeta”, aquele evento mundial em que o mundo apaga suas luzes e desliga aparelhos em prol da economia energética. Enquanto na mesa de jantar ele zombava da inutilidade daquilo, foi prontamente censurado pela petulante filha de 5 anos, que já tem aulas de cidadania e ecologia: “A economia é só por uma hora, mas o importante é conscientizar as pessoas a usar melhor a energia TODOS os dias!”
Desconcertado, o pai foi buscar fósforos e realizou o jantar à luz de velas; não queria decepcionar a pequena, que certamente falaria do mau exemplo na escola no dia seguinte. Já o avô não se sensibilizou nem um pouco: “depois de décadas trabalhando que nem uma mula, chego à essa altura da vida comendo à beira do fogo que nem índio…”
Meus pais não reclamam só do internet banking. Embora não contestassem o gosto de meu irmão pelo Iron Maiden a vida inteira, não compreendem como aquele barulho todo pode ser considerado música. Mas eles mesmos me contavam desde a infância que, quando ouviam Beatles ou a Jovem Guarda, meus avós diziam: “se iê-iê-iê fosse música, macaco seria gente.”
Na verdade, o mundo não piora com o tempo. A TV, e mais recentemente a internet, nos chocam ao escancarar a quantidade de imbecis que existe. Antes eles estavam apenas no anonimato.
Caros tecnoleitores, sei que muitos de vocês abominam ídolos adolescentes atuais egressos da internet, como Justin Bieber e Restart. Mas o que vocês ouviam na adolescência? Backstreet Boys? New Kids On The Block? Menudos? E quantos quarentões geeks que leem este artigo não dançavam Roupa Nova para chamar a atenção das meninas nos bailinhos? “Eu perguntava do you wanna dance… / E te abraçava do you wanna dance…”
Não, não precisam confessar seu passado aqui nos comentários. Compreendo que ao ouvir certo lixo musical muitos têm vontade de voltar no tempo. A dúvida é: se pudessem voltar, teriam coragem de deixar seus iPods pra trás?