Indústria da publicidade versus bloqueadores de anúncios: uma guerra prestes a estourar
Em um passado não muito distante, bloqueadores de anúncios eram assunto para heavy users. Hoje, esse tipo de ferramenta faz parte do dia a dia de um número gigantesco de usuários: 198 milhões de pessoas têm algum bloqueador do tipo, segundo um levantamento feito pela PageFair (PDF) em parceria com a Adobe. É muita gente. Não é de se surpreender, portanto, que a indústria da publicidade online esteja estudando formas de reagir.
Um número tão expressivo não poderia causar outro efeito: o mesmo estudo da PageFair estima que, em 2015, as companhias que trabalham com publicidade online terão custos de US$ 21,8 bilhões com os bloqueadores de anúncios. Mas o que mais preocupa é que, em 2016, esse número deverá subir para US$ 41,4 bilhões. É quase o dobro.
Essa enorme diferença se deve à popularização acelerada dos bloqueadores. Para você ter ideia, o segundo trimestre de 2014 registrou 144 milhões de usuários desse tipo de ferramenta. Em apenas um ano outros 54 milhões passaram a contar com bloqueadores.
Bloqueio em dispositivos móveis
O cenário fica ainda mais assustador (para empresas do ramo e produtores de conteúdo que dependem de publicidade, pelo menos) se levarmos em conta que, no segmento móvel, o bloqueio de anúncios ainda está engatinhando.
A versão final do iOS 9, por exemplo, promete dar abertura para a instalação de bloqueadores de anúncios no Safari, tal como já é possível fazer na versão do navegador para OS X. “A Apple vai criar um enorme apetite nos consumidores para bloquear anúncios”, afirma Sean Blanchfield, CEO da PageFair.
Jason Kint, CEO da Digital Content Next, uma associação de editoras online, tem opinião semelhante: “o problema dos bloqueadores de anúncios é real e crescente, e essas ferramentas no iOS vão apenas acelerá-lo”, explica. Os temores não são desmedidos: se a prática de bloquear anúncios se popularizar no iOS, o que impedirá que o mesmo aconteça nas demais plataformas móveis?
Não se sabe como, mas a reação virá
Não é tarefa fácil encontrar solução para um problema tão complexo. De um lado há uma enormidade de usuários que buscam uma experiência de navegação mais segura e menos azucrinante. Do outro há uma diversidade de veículos online que dependem da publicidade online para continuar oferecendo conteúdo de graça, sem contar as agências que atuam nesse mercado.
Como uma das mais importantes associações para assuntos ligados à publicidade online, a Interactive Advertising Bureau (IAB) realizou reuniões em julho e agosto com o objetivo específico de discutir o problema. Daí já é possível perceber quão séria se tornou a questão dos bloqueadores.
Várias ideias pipocaram nos encontros. Algumas são bastante excêntricas, digamos assim. O presidente da WPP Group David Moore sugeriu, por exemplo, que os 100 sites mais visitados do mundo começassem, no mesmo dia, a não dar acesso a usuários que usam bloqueadores de anúncios.
Mas é só uma ideia. Não há nada em andamento nesse sentido. Mesmo que houvesse, as consequências teriam que ser bem mensuradas. Qualquer medida radical pode acabar trazendo mais complicações do que soluções.
Dá para tomar um problema recente com o Google como exemplo. No último final de semana, vários usuários do AdBlock Plus começaram a relatar que o Chrome “burlou” o bloqueio da ferramenta e passou a exibir anúncios no YouTube. O pior: as peças aparecem sem o botão “Pular anúncio”, obrigando o usuário a visualizar todo o comercial antes de acessar o vídeo.
É claro que as reações não foram das mais amistosas. Porém, algumas horas depois dos primeiros relatos, um desenvolvedor do Chromium chamado Rob Wu informou ao Neowin que o problema é efeito de um bug, não uma forma de “vingança”. A falha deve ser corrigida na próxima atualização do Chrome. Enquanto isso, dá para resolver o problema digitando chrome://apps na barra de endereços do navegador e removendo o app do YouTube que aparecer ali.
Intencional ou não, o fato é que o problema deixou no ar um clima de “o Google está me obrigando a visualizar um comercial inteiro no YouTube como punição”. Se isso já foi suficiente para gerar algum desconforto, imagine se o Google tivesse mesmo barrado oficialmente o AdBlock assim, de uma hora para outra.
Para não haver precipitações, a IAB decidiu criar várias frentes de estudos para enfrentar o fenômeno dos bloqueadores. Um grupo está focado em entender os vários perfis de usuários para saber quão tolerantes eles são aos anúncios em troca de conteúdo gratuito, por exemplo. Há também pesquisas que visam melhorar as tecnologias dos anúncios para fazê-los não afetar tanto o carregamento das páginas — de certa forma, isso já acontece com a lenta, mas progressiva migração do Flash para HTML5.
As razões para o uso crescente de bloqueadores
É importante dar atenção ao fator humano porque o AdBlock e semelhantes não se instalam ou se ativam sozinhos. Essa decisão está nas mãos do usuário, obviamente. A pesquisa da PageFair incluiu entrevistas com usuários dos Estados Unidos para descobrir as razões que os levariam a usar um bloqueador. Metade disse temer que seus dados de navegação sejam utilizados de maneira pouco ética para exibição de publicidade mais contextualizada; 41% dos usuários se aborrecem com páginas que exibem anúncios em excesso.
São razões legítimas, a princípio. Quem é que não se irrita com anúncios que só faltam saltar da tela de tão invasivos ou com aquela pesquisa no Google que acaba resultando em um banner que te “persegue” por uma semana? É de se esperar, por consequência, que alguma medida seja adotada com base nesses aspectos — algum tipo de acordo que libere automaticamente a exibição de anúncios em sites não abusivos, por exemplo.
Mas como há questões técnicas e vários interesses por trás dessa história, pode ser que a indústria da publicidade siga por caminhos mais tradicionais, como processos judiciais mais “enérgicos” (pelos menos até agora, as ações do tipo não deram muito certo). Até mesmo o desenvolvimento de tecnologias que bloqueiam os bloqueadores está sendo cogitado.
Os membros da IAB devem se reunir até o final do ano para decidir que caminho seguir. Por ora, a intenção parece ser apenas a de deixar claro que a reação virá, nem que isso tenha que se transformar em uma guerra.
Com informações: Advertising Age, WSJ.com