Campanhas de crowdfunding (financiamento coletivo) são interessantes porque combatem um dos principais inimigos de uma boa ideia: a falta de dinheiro. Mas nunca há garantias de que o projeto irá vingar, mesmo quando a meta de arrecadação é alcançada. Com o Matchstick, a Mozilla descobriu isso na pele.
O dispositivo surgiu no Kickstarter em outubro de 2014 como uma alternativa mais em conta para o já barato (pelo menos nos Estados Unidos) Chromecast: US$ 25 (US$ 18 na campanha) contra US$ 35 do último.
Como hardware básico, o Matchstick prometia processador dual-core Rockchip 3066 (núcleos Cortex-A9), 1 GB de RAM, 4 GB para armazenamento interno de dados, HDMI e Wi-Fi 802.11n. A cereja do bolo era o Firefox OS como sistema operacional. Aplicativos para serviços como Netflix, YouTube e Spotify também foram prometidos.
A campanha teve como meta US$ 100 mil. Pouco mais de US$ 470 mil foram arrecadados. Sucesso absoluto! Bastava só iniciar a produção e enviar o produto aos compradores que apostaram na ideia. Em um mundo perfeito é simples assim.
Mas fevereiro — mês previsto para as primeiras entregas — chegou e nada de Matchstick. Os responsáveis pelo projeto publicaram então uma nota avisando que a entrega iria atrasar: o novo prazo passou a ser agosto de 2015.
Nem preciso dizer que a notícia desagradou. Teve gente pedindo o dinheiro de volta, queima de ônibus e tudo o mais. Ao menos havia a promessa de um upgrade: em vez de um processador dual-core, o Matchstick passaria a contar com um chip quad-core.
Na ocasião, a Mozilla — ou, para ser exato, a Matchstick, companhia criada para tocar a iniciativa — não informou exatamente o que deu errado, mas deixou uma pista: no comunicado, a equipe do projeto anunciou a busca por um especialista em tecnologias de DRM (gerenciamento de direitos digitais), um requisito para serviços como Netflix.
Tendo conseguido preencher essa vaga ou não, o fato é que agosto chegou e os desenvolvedores se viram obrigados a não perder mais tempo: na segunda-feira (3), a organização anunciou o fim do projeto. O motivo? Justamente a dificuldade para lidar com DRM:
“Depois de lutarmos com a implementação de DRM no Firefox OS na maior parte do ano, percebemos que o desenvolvimento contínuo dessa solução, apesar de mostrar indícios promissores, será um caminho longo e tortuoso. Chegamos à conclusão de que não seremos capazes de estimar com segurança a data de finalização do DRM sem pesquisa, desenvolvimento e integração mais significativas.”
Pois é. Não teremos mais um concorrente com Firefox OS para o Chromecast (a não ser que o projeto seja retomado com outra roupagem). A razão é uma limitação que os desenvolvedores não puderam prever antes de iniciar a campanha.
Vale rogar praga para o sujeito que inventou o DRM, mas o ponto aqui é que investir em um projeto de crowdfunding é sempre um jogo: muitos problemas comprometedores só são percebidos quando há verba suficiente para tirar o projeto do papel.
Há casos, por exemplo, de falhas de projeto que só são identificadas quando determinado componente vai para a linha de produção. Em outros, os desenvolvedores só descobrem tardiamente que o projeto infringe alguma patente. Há também custos não previstos com logística, fornecedores que atrasam a entrega (acontece mais do que a gente imagina), problemas com legislação e por aí vai.
Também não é necessário rejeitar tudo o que é projeto de crowdfunding. Felizmente, a maioria dos projetos vence na vida, a despeito de atrasos e outras adversidades. Só é importante ter em mente que, via de regra, você não está participando de uma pré-venda ao investir em uma campanha do tipo; você está apoiando uma ideia na expectativa de ser recompensado.
Talvez a Matchstick devesse insistir na ideia. Talvez, não. O fato é que desistir de um projeto como esse é tão ou mais difícil do que elaborar a ideia e pedir apoio. Reconhecer um fracasso não é uma fraqueza. Dói, mas é melhor do que deixar a bola de neve rolar e aumentar de tamanho.
A Matchstick promete devolver todo o dinheiro dos apoiadores — mais de 17 mil pessoas. Se você está entre eles, vai precisar de uma dose de paciência: como o processo é manual, a devolução pode demorar até 60 dias.