Pois é, ainda estamos discutindo sobre trabalho remoto

A discussão sobre o modelo remoto continua, e declarações bombásticas (e simplistas) tumultuam a conversa

Josué de Oliveira
Por
• Atualizado há 1 ano e 2 meses
Pois é, ainda estamos falando de trabalho remoto (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)
Pois é, ainda estamos falando de trabalho remoto (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)

Elon Musk já deu seu ultimato: o trabalho remoto não é mais aceitável. E, por mais que estejamos cansados das polêmicas do (talvez) novo dono do Twitter, o que Musk fala sempre reverbera. Mesmo quando se tratam de afirmações um tanto reducionistas.

O fato é que o tema do trabalho remoto ainda provoca discussões, e com razão. Trata-se de um assunto complexo, com repercussões muito objetivas na vida de trabalhadores de todos os escalões. Trocar o escritório por residências, cafés ou coworkings gera diversas questões sobre organização, cultura corporativa e liderança. Em outras palavras, é um tema que merece análises mais sérias… e não tweets agressivos.

E quando a pandemia acabar?

Em 2020, auge da pandemia, o trabalho remoto já não era novidade. Várias empresas já operavam totalmente nessa lógica (o próprio Tecnoblog é exemplo disso). Para os profissionais familiarizados com o modelo, já havia uma rotina estabelecida para trabalhar de suas próprias casas. Quem caiu de paraquedas nesse universo teve que aprender na marra como lidar.

Lembro de como foi para mim. Na época, eu trabalhava numa editora. De um dia para o outro, os funcionários foram informados que deveriam permanecer em casa em respeito às normas do isolamento social. Não houve tempo para ensaio. A realidade se impôs.

Mesmo aterrizando no trabalho remoto sem nenhuma preparação, gostei muito do modelo. E sei que essa foi a realidade de muitos colegas. Era natural, portanto, especular sobre como a empresa lidaria com a obrigatoriedade do escritório quando a pandemia acabasse.

E, a julgar pela satisfação dos funcionários, pelos resultados (que continuaram chegando) e pela economia com manutenção do prédio, parecia que pelo menos um modelo híbrido poderia ser experimentado a longo prazo. Mas não foi isso que aconteceu lá e em várias outras empresas. O presencial voltou a ser a regra.

Muita gente não gostou.

O problema das respostas prontas

Pode ser tentador apelar para alguns clichês como explicação de por que o trabalho remoto não foi mantido em tantos lugares. Necessidade de controle por parte dos chefes, desconexão com as tendências do mercado, medo de arriscar… Nessa lógica, é como se houvesse um movimento organizado para rejeitar a mudança simplesmente porque as coisas têm que voltar ao “normal” e pronto.

Por outro lado, o que as manifestações de Elon Musk sobre o assunto mostram é que a negação do remoto também pode surgir do puro lugar-comum. Se houvesse uma associação entre trabalho remoto e não trabalhar, dificilmente tantas empresas teriam atravessado 2020 e 2021.

Da mesma forma, é preciso questionar: as opiniões de funcionários que trabalhem em posições que podem ser exercidas remotamente e prefiram esse formato devem ser apenas ignoradas? Isso não geraria um ambiente, digamos, complicado de gerir? Vale lembrar que a Apple enfrenta tensões internas devido ao assunto. Um diretor da empresa já se demitiu por não concordar as decisões dos executivos.

O único clichê que pode ser aplicado sem medo é que a solução provavelmente está em algum lugar no meio do caminho. Há questões de produtividade, cultura interna, liderança e até mesmo ferramentas de gestão que precisam ser consideradas. Algum nível de flexibilidade é desejável, mas o quanto ainda está dentro dos limites do debate razoável. E ele ainda está em andamento.

Na newsletter Galaxy Brain, do The Atlantic, o autor Charlie Warzel explica em poucas palavras a dificuldade de lidar com a questão:

Musk está tentando resumir o debate sobre o retorno ao escritório a um binário simplista de bom/mau, em vez daquilo que ele realmente é: um problema de gerenciamento complexo.

Isso é o mínimo que precisamos admitir sobre o trabalho remoto. Infelizmente, as opiniões incendiárias são as que tendem a ter maior projeção.

Relacionados

Escrito por

Josué de Oliveira

Josué de Oliveira

Produtor audiovisual

Josué de Oliveira é formado em Estudos de Mídia pela UFF. Seu interesse por podcasts vem desde a adolescência. Antes de se tornar produtor do Tecnocast, trabalhou no mercado editorial desenvolvendo livros digitais e criou o podcast Randômico, abordando temas tão variados quanto redes neurais, cartografia e plantio de batatas. Está sempre em busca de pautas que gerem conversas relevantes e divertidas.