16 GB que não é 16 GB: entendendo o processo contra Apple e Samsung no Brasil

A Proteste pode ter êxito no processo contra Apple e Samsung por não oferecerem a memória prometida?

Jean Prado
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• Atualizado há 1 ano e 5 meses

Quem acompanha o noticiário de tecnologia já conhece alguns casos polêmicos que surgiram devido ao fato das fabricantes não oferecerem o armazenamento interno informado nas caixas. Muitos já se acostumaram em comprar um dispositivo de 16 GB, mas ter apenas 11 GB de armazenamento disponível (às vezes, até menos). Mas não a Proteste.

A associação brasileira de defesa do consumidor abriu um processo contra a Apple e a Samsung justamente por essa diferença na memória interna anunciada contra a memória interna real, o que é comum em qualquer smartphone (ou produto tecnológico que tenha armazenamento) hoje em dia. Ela pede que as fabricantes parem de vender os produtos com a informação “errada” até a substituição das especificações “corretas”.

Isso significa que, se o pedido for aceito, a memória interna disponível terá de ficar em destaque nos anúncios, em vez do tamanho do armazenamento interno total. Isso incluiria a substituição da informação em páginas da web, embalagens e até no manual de instruções. Fico imaginando como seria ver um anúncio de um iPhone de 11 GB ou 55 GB de memória interna.

Mas será que essa ação faz todo o sentido e fomos enganados o tempo inteiro? Bem… não muito. Quem tem contato constante com esse tipo de produto sabe que a diferença na memória anunciada na verdade não é maldade das fabricantes, mas sim limitação da tecnologia. Além dos arquivos pessoais do consumidor, a memória flash também abriga os arquivos do sistema e aplicativos pré-instalados; no caso dos smartphones da Samsung, o consumo pode ser até maior por causa dos recursos adicionais em relação ao Android puro.

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Não faria sentido fabricar uma memória interna com exatamente o tamanho do sistema a mais (em vez de 16 GB, uma memória flash de 21 GB, por exemplo) para entregar os 16 GB prometidos no anúncio. Esse assunto já veio à tona nos Estados Unidos, onde a Apple foi processada por “diminuir” o espaço interno dos iPhones com a atualização para o iOS 8. A justificativa dada por dois usuários foi de que a fabricante “omite fatos materiais” para levar os consumidores a comprar seus produtos, e, posteriormente, vender mais espaço no iCloud.

No caso das ações da Proteste, ela se limita apenas a cobrar “o espaço prometido ao consumidor”, ainda que as duas empresas também informem nos respectivos sites a memória disponível. O processo movido contra as empresas, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, se baseia nos códigos 30 e 31 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Aqui estão eles:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Art. 31. a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados […].

A ação ainda exige que as duas empresas paguem uma indenização correspondente à memória interna não entregue calculada com base no preço de cada produto e em unidades vendidas. A Samsung pode ter de pagar até R$ 197 milhões, enquanto a Apple pagaria “apenas” R$ 21 milhões.

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Informação sobre a memória disponível no site da Samsung fica ao lado do armazenamento total.

Essa diferença, segundo a Proteste, é por conta dos aparelhos vendidos. Eles avaliaram 12 dispositivos da Samsung, incluindo o Galaxy S6 Edge, que mostra no site da empresa a memória disponível ao lado do armazenamento prometido, como você pode ver acima. No caso da Apple, foram seis dispositivos, incluindo o iPad mini 3 e o iPhone 6.

Em resposta ao Estadão, a Apple afirmou que a diferença de memória é afirmada em seu site. Na página de especificações, é possível ver “Capacidade¹” e, na parte inferior da página em tamanho minúsculo, a seguinte mensagem: “1GB = 1 bilhão de bytes. A capacidade real após a formatação é menor”. A Samsung não havia se pronunciado.

Mas será que a ação não é um tanto quanto exagerada? As fabricantes devem ser mais claras com esse tipo de informação ou já existe transparência o suficiente? Conversei sobre o assunto com Gustavo Kloh, professor no curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

Para ele, o objetivo maior da ação é incidir sobre a falta de clareza da informação sobre a memória interna disponível, uma vez que se descumpre o direito informativo. Apesar de concordar que a informação precise ser esclarecida, Kloh acha improvável que o pagamento da indenização seja efetivado.

Segundo ele, é difícil que uma entidade que briga por direitos do consumidor consiga um pagamento por falta de clareza nas informações do site. Kloh, no entanto, concorda que as informações são cruas demais para indicar o espaço no armazenamento interno. “O site da Apple não é o suficiente, porque a propaganda [televisiva] também deve veicular essas informações”, diz.

Um exemplo de clareza seria o site da Samsung, pois informa a memória disponível logo ao lado do armazenamento interno. Ainda assim, essa informação, segundo ele, deve constar ao menos no rodapé de algum informe publicitário, seja uma propaganda, letreiro de uma operadora ou um estande de vendas, por exemplo. O que raramente acontece hoje.

A ação do Proteste ainda pede que a Justiça obrigue a Apple e a Samsung de cessarem a venda dos produtos até substituirem as especificações enganosas em todos os canais de divulgação, incluindo embalagem e manual de instruções. No entanto, Kloh também acredita que a Proteste pode não conseguir uma mudança tão radical.

Ele ainda afirma que as empresas interpretam de forma invertida o art. 30 do CDC. “Toda publicidade é vaga hoje em dia. Se [a fabricante] diz que o celular é mais econômico [na bateria], isso pode ser desmistificado. Então elas dizem que ele é ‘a cara de um novo estilo’, o que não quer dizer nada. Elas têm de informar o consumidor por que aquele é o melhor produto”, defende.

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Jean Prado

Jean Prado

Ex-autor

Jean Prado é jornalista de tecnologia e conta com certificados nas áreas de Ciência de Dados, Python e Ciências Políticas. É especialista em análise e visualização de dados, e foi autor do Tecnoblog entre 2015 e 2018. Atualmente integra a equipe do Greenpeace Brasil.

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