O suposto roubo de tecnologia que fez a Waymo (Google) levar o Uber aos tribunais
Ex-engenheiro do Google está sendo acusado de levar a tecnologia de carro autônomo da empresa ao Uber. É uma história que envolve dados sigilosos e muito dinheiro.
Ex-engenheiro do Google está sendo acusado de levar a tecnologia de carro autônomo da empresa ao Uber. É uma história que envolve dados sigilosos e muito dinheiro.
A grande maioria das pessoas nunca viu um carro autônomo, mas o assunto está tão em alta que já rende até batalhas judiciais. A Waymo, empresa da Alphabet que está dando continuidade ao veículo sem motorista do Google, acusa o Uber de roubar a sua tecnologia. Na semana passada, mais documentos foram apresentados para reforçar a acusação. E eles colocam o Uber em uma situação bastante desconfortável.
Oficialmente, a briga começou na última semana de fevereiro, quando a Waymo entrou com um processo contra o Uber em um tribunal de San Francisco. A ação envolve principalmente a Otto, startup focada em caminhões autônomos que o Uber comprou em agosto de 2016 pela bagatela de US$ 680 milhões.
Por trás da Otto está Anthony Levandowski, engenheiro industrial que trabalhou no Google antes de fundar a startup. Adivinha com qual projeto ele esteve envolvido antes de partir para um negócio próprio? Isso mesmo, o carro autônomo do Google.
Antes de se desligar do Google, Levandowski usou os privilégios de acesso que tinha à rede privada da companhia para baixar mais de 14 mil arquivos sigilosos em um notebook pessoal, de acordo com o processo. Foram 9,7 GB de dados, com 2 GB contendo informações altamente confidencias do Lidar, um tipo de sistema bastante importante ao carro autônomo.
Cabe ao Lidar (Light Detection and Ranging) fazer o papel dos “olhos”. Com o sistema, o carro consegue notar a aproximação de pedestres ou obstáculos, assim como de outros veículos. Isso é possível graças à emissão de feixes de laser: o sistema calcula quanto tempo demora para a luz refletir e, com isso, mede as distâncias dos objetos, formas e outros parâmetros.
É uma tecnologia tão complexa que, segundo o Google, centenas de engenheiros se dedicaram ao seu desenvolvimento e milhões de dólares foram gastos. O objetivo aqui não foi só criar um sistema confiável, mas também viável do ponto de vista econômico. Os engenheiros conseguiram, tanto que a Waymo afirma que a “apropriação dessa tecnologia é equivalente a roubar a receita secreta de uma empresa de bebidas” — uma inconfundível referência à fórmula da Coca-Cola.
Naturalmente, o Google tratou de proteger todos os arquivos referentes ao Lidar. Esse cuidado continuou quando a divisão responsável pelo projeto do carro autônomo passou a se chamar Waymo. Só que não existe nada 100% seguro, certo?
O suposto vazamento só foi descoberto porque um fornecedor de componentes para o Lidar enviou um email ao Uber e, por engano (será?), colocou a Waymo em cópia. Os anexos da mensagem continham desenhos de uma placa de circuito muito parecida com a do Lidar da empresa.
Coincidência é uma palavra que não existe no mundo dos negócios. A Waymo decidiu investigar o aparente vazamento, portanto. Coube a Gary Brown, engenheiro de segurança do Google, tocar esse trabalho.
Analisando registros de acessos, logs de atividades e afins, a equipe de Brown descobriu que, em 2015, seis meses antes de sair da empresa, Levandowski baixou os quase 10 GB de dados. No meio dos arquivos estavam os desenhos dos circuitos do Lidar.
Os registros apontam que Levandowski usou softwares para download em massa de arquivos e, depois, transferiu os dados para um HD externo. Na sequência, o laptop teria sido formatado para os rastros do procedimento serem apagados.
Para a Waymo, Levandowski não agiu sozinho. A investigação de Brown indica que outros ex-funcionários do Google que agora trabalham na Otto também baixaram informações confidenciais do Lidar. Os nomes revelados até agora são de Radu Raduta e Sameer Kshirsagar.
É lógico que a Waymo apresentou documentos para provar suas ações contra Levandowski e Uber. Na primeira olhada, esses documentos são suficientes para um parecer favorável. Mas, na semana passada, a Waymo entregou mais provas e, com base nelas, espera que o tribunal emita uma ordem para impedir que o Uber continue no projeto com a Otto — ou que pelo menos deixe de fazê-lo com a tecnologia do Lidar.
No meio da documentação adicional está o relato do engenheiro de hardware Pierre-Yves Droz. Ele afirma que, no início de 2016, durante uma caminhada pelo campus do Google em Mountain View, Levandowski revelou o plano de criar uma companhia tendo como base a tecnologia da Waymo.
Na mesma época, Levandowski foi visto visitando a sede do Uber. Meses antes, o engenheiro havia confidenciado a Droz, durante um jantar, que a empresa estava disposta a absorver a equipe responsável pelo Lidar para criar um projeto de veículo autônomo. Para a Waymo, esses são sinais fortes de que Levandowski arquitetou um plano para levar a tecnologia do Google para a Otto.
Inicialmente, o Uber alegou que as acusações não tinham fundamento. Agora, com os novos documentos, a empresa disse que não tem nada a comentar, ao menos até que tudo seja analisado por seus advogados.
Mas a situação é desfavorável. O Uber está sendo acusado de apropriação de propriedade intelectual. Isso é muito sério. Tão sério que a Waymo não abriria o processo se não tivesse certeza de que está mesmo sendo trapaceada.
Como todo processo dessa magnitude, as idas e vindas aos tribunais devem durar meses. Mas é bom que o Uber consiga provar a sua inocência nessa história, do contrário, as consequências serão devastadoras: pagamento de indenizações volumosas e “filme queimado” são algumas delas. É tudo o que uma empresa que está se envolvendo em um escândalo atrás do outro não precisava ter.