Twitter recebeu mais de R$ 4 milhões para publicidade do governo Bolsonaro
Parte da verba destinada ao Twitter para publicidade não consta no Portal da Transparência; a rede social enfrenta críticas por apoiar fake news
Parte da verba destinada ao Twitter para publicidade não consta no Portal da Transparência; a rede social enfrenta críticas por apoiar fake news
Criticado por apoiar fake news, o Twitter Brasil já recebeu do governo de Jair Bolsonaro R$ 4,6 milhões em dinheiro destinado para propaganda desde janeiro de 2019, quando o presidente iniciou o mandato. Contudo, dados no Portal da Transparência reunidos pelo Tecnoblog mostram que a Presidência da República e mais nove ministérios gastaram somente R$ 1,9 milhão. Os R$ 2,7 milhões restantes foram descobertos por uma investigação do Núcleo Jornalismo publicada nesta sexta-feira (7).
De acordo com dados do Portal da Transparência, que reúne despesas públicas, o governo Bolsonaro praticamente dobrou o repasse para propagandas no Twitter durante a pandemia.
Foram R$ 600.676,89 empenhados pelo governo na plataforma até março de 2020. Depois que a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou calamidade mundial devido à COVID-19, esse gasto subiu para R$ 1.337.030,68 — aumento de aproximadamente 122%. No total, isso corresponde a cerca de R$ 1,9 milhão.
O órgão que mais gastou foi o Ministério da Saúde, que desembolsou R$ 772,4 mil desde 2019, ou 39% do total. Em seguida, vem a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), que antes de junho de 2020 era de responsabilidade da Presidência da República, e agora está sob controle do Ministério das Comunicações. A secretaria destinou R$ 546,3 mil ao Twitter — cerca de 28%.
Declaradamente, a Secom repassou R$ 112.483,48 ao Twitter somente em 2021. Mas uma reportagem do Núcleo Jornalismo detalha que, na verdade, a instituição gastou mais R$ 2,7 milhões com publicidade na rede social no ano passado. Esses gastos sequer foram divulgados no Portal da Transparência.
Usar agências de publicidade terceirizadas para destinar gastos públicos a uma empresa privada não é ilegal. Contudo, a medida não agrega as despesas do governo com o Twitter, dificultando o rastreamento desses gastos por parte de veículos de notícia e cidadãos comuns.
Somados, os gastos ocultos da Secom com os totais do governo declarados no Portal da Transparência chegam a R$ 4,6 milhões destinados ao Twitter Brasil.
Em novembro de 2019, Jack Dorsey, fundador e ex-diretor executivo do Twitter, postou em sua conta pessoal uma nova diretriz da plataforma de não aceitar mais anúncios políticos. Essa medida vale para todos os países onde o Twitter atua, inclusive o Brasil.
Mais tarde, foi decidido que a regra inclui qualquer conteúdo que menciona um candidato, funcionário do governo eleito ou indicado (como presidente e ministros), eleição, referendo, votação, legislação, regulamento, diretiva ou resultado judicial.
Em seu post com detalhes sobre a medida, Jack Dorsey afirma:
“Uma mensagem política ganha alcance quando as pessoas decidem seguir aquela conta ou retuitar o post. Pagar por impulsionamento remove esse processo, forçando aos usuários anúncios partidários altamente específicos. Nós acreditamos que essa decisão não deve ser influenciada por dinheiro.”
Entretanto, essas regras não valem para o conteúdo impulsionado pelo governo. O Twitter explicou ao Tecnoblog que “existe uma diferença entre propaganda política e impulsionamento de posts de perfis de órgãos públicos”. A rede social complementou:
“O impulsionamento de conteúdos de perfis oficiais de órgãos públicos com o fim de educar, informar ou fornecer um serviço público não é proibido por essas regras, desde que os conteúdos não estejam veiculados em nome de pessoas ou entidades proibidas de anunciar de acordo com nossa política de conteúdo político e não as mencionem especificamente.
Para impulsionar conteúdos, órgãos públicos devem se certificar como anunciantes de conteúdo com base em causa, e os conteúdos devem observar o cumprimento das regras de conteúdo político — ou seja, não podem mencionar candidatos, partidos políticos, funcionários do governo.”
A relação entre Twitter e o governo Bolsonaro passou por alguns atritos — a rede social já colocou tags de desinformação em postagens do Ministério da Saúde. Em janeiro de 2021, a pasta fez um post promovendo o chamado “tratamento precoce”.
Mas para aliados do presidente, a plataforma não toma ação. É o caso da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF). Na última quinta-feira (6), a parlamentar aliada ao Planalto fez uma live no Twitter para criticar a vacinação para crianças. Um dos convidados de Kicis para debater o tema chega a citar que “não se consegue descobrir evidências de que vacinas salvam vidas”. A transmissão continua no ar, e não recebeu nenhuma etiqueta de desinformação, como o post do Ministério da Saúde.
Na última terça-feira (4), o Twitter concedeu seu estimado selo azul de verificação para a influenciadora bolsonarista Bárbara Destefani, do canal de YouTube Te Atualizei. Ela tem mais de 1,5 milhões de inscritos na plataforma de vídeos, e junta 723 mil seguidores na rede social de 280 caracteres. Em suas páginas, Destefani questiona a vacinação contra a COVID-19.
Destefani teve seu canal desmonetizado por decisão do ministro e corregedor-geral do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Felipe Salomão, por espalhar desinformação sobre o sistema eleitoral brasileiro. A influenciadora também foi alvo do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, no inquérito das Fake News.
O Twitter já se mostrou contrário a decisões judiciais que obrigam a plataforma a derrubar contas. E isso é corroborado por dados sessão de transparência da rede social.
Eles revelam que, no Brasil, a plataforma atendeu a somente 22% dos pedidos judiciais impostos para remover contas ou conteúdo entre 2012 e 2020.
Toda vez que o Twitter é intimado pela Justiça, ele segue um procedimento de “compliance”, que significa deletar conteúdo ou conta conforme a determinação judicial, ou segundo seu próprio TOS (Terms of Service).
A falta de moderação própria do Twitter se reflete nos dados de contas apagadas por violarem as regras do site: entre junho e dezembro de 2020, por exemplo, das 1.686 contas que foram alvo de alguma medida legal no Brasil, apenas 117 foram deletadas por infração do TOS.
Ontem, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu agir contra a plataforma, e pediu para que ela explicasse por que não há um botão para denunciar fake news sobre a COVID-19 para usuários brasileiros. Esse recurso já existe para quem navega no Twitter em países como EUA, Coreia do Sul e Austrália.
Pressionado pela Justiça e pelos próprios usuários, que levantaram a hashtag #TwitterApoiaFakeNews, o Twitter afirmou em uma série de posts que “a eventual implementação em todo o mundo dependerá dos resultados aferidos”. O MPF também exigiu saber qual é o processo interno da rede social para verificar contas com o selo azul, e se a publicação de desinformação sobre saúde pública é considerada.
A mensagem automática que aparece sobre o selo azul de Bárbara Destefani e outras contas verificadas é de que o perfil foi autenticado por se tratar de uma “pessoa notável, no governo, nas notícias, no entretenimento ou em outra categoria designada”.
Mas a plataforma sinalizou que pode haver problemas com os critérios de verificação:
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