Uber fez mais bem que mal ao mercado de transporte
Órgão do Ministério da Fazenda vê Uber como inovador e positivo para sociedade
No duelo dos táxis, o Uber prejudicou o mercado de transporte individual? Aparentemente, não. Segundo uma avaliação divulgada na última sexta-feira (11) pela Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda), o serviço que “conecta motoristas a passageiros” inovou no mercado, atingindo consumidores que não utilizavam esse tipo de transporte.
A nota técnica foi divulgada a pedido do ofício de Consumidor e Ordem Econômica do Ministério Público Federal, por conta da representação contra a atuação do Uber formulada pela Associação Brasileira de Motoristas de Táxi (Abracomtaxi). O MPF pediu à Seae manifestação quanto aos efeitos da operação do Uber sobre a concorrência no mercado de transporte individual de passageiros.
A Abracomtaxi solicitava ao MPF providências para coibir a atividade do Uber no país. Entre as demandas, estava a proibição de utilizar o serviço no país ou fora dele e a intimação da Apple e do Google para remover o aplicativo das suas lojas “visando cessar violação à legislação”. Com isso, a associação queria “evitar maiores danos aos taxistas e aos usuários”.
Segundo a associação dos taxistas, o Uber provoca “instabilidade social e insegurança jurídica aos taxistas e usuários”, pelo fato do aplicativo não ser regulado. Eles ainda argumentam que os motoristas do Uber não cumprem nenhum requisito previsto na legislação para prestar o serviço, como identificação dos veículos, respeito à política tarifária e a credenciamento e fiscalização dos motoristas pelo poder público.
O que disse o Seae
Antes de divulgar a nota, a secretaria frisou que o Uber “possibilita que motoristas e usuários acessem os serviços comerciais de transporte de passageiros de uma maneira diferente da tradicional”, não se enquadrando nos desenhos regulatórios existentes.
Em uma avaliação do serviço de transporte individual de passageiros, dos dois lados, das inovações tecnológicas e dos impactos da concorrência, o Seae decidiu que o Uber é benéfico para os consumidores. O órgão ainda frisou que a regulamentação, caso necessária, deveria ser mínima, não podendo criar barreiras que inviabilizem o modelo de operação do Uber.
A nota técnica é composta de várias partes que, na avaliação da secretaria, definem a atuação do Uber. Segundo o órgão, o know-how (atividade profissional) do Uber não é empregar motoristas e possuir veículos, mas “revelar o potencial da infraestrutura de transporte já existente”, além de atender a demanda “reprimida” de transporte individual. O Seae entende que o mercado não está bem servido por transportes públicos ou táxis convencionais.
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Esse modelo aplicado pelo Uber, segundo o Seae, é inovador e contribuiu para ampliar o mercado dos serviços de AVP (Aluguel de Veículos Particulares). A rivalidade nesse mercado, fruto da concorrência entre o Uber e os taxistas, foi entendida pelo Seae como contestação do mercado do serviço de transporte individual, que é dominado pelos taxistas tradicionais.
“a concorrência é benéfica para a sociedade”
Dentro desse contexto, a Seae diz que a concorrência é benéfica para a sociedade, pois permite que a população possa escolher qual serviço de transporte individual de passageiros irá utilizar: os táxis ou o AVP. “Por isso, a introdução de aplicativos e o eventual crescimento do serviço AVP […] são pró-concorrenciais, o que, em tese, melhora o bem-estar dos consumidores”, completa o órgão.
Por fim, analisando o modelo de tarifação do preço dinâmico do Uber, a Seae considerou uma boa escolha, pois equilibra a oferta e demanda de maneira eficiente. O preço dinâmico sobe a tarifa em uma área específica caso haja muita gente pedindo carros do Uber para garantir que os passageiros tenham um carro a qualquer horário, “incentivando que mais motoristas se conectem no aplicativo”, segundo a empresa.
Regulamentação dos… táxis?
O Seae ainda defendeu a regulamentação dos serviços tradicionais de táxi para aperfeiçoar o mercado. Como argumento, o órgão citou um estudo de 1984 (!) da Comissão Federal de Comércio (FTC), que regula as práticas comerciais nos Estados Unidos. Nele, a FTC identificava imperfeições no mercado de serviços de táxis.
O estudo dizia que a regulação de entrada não se sustentava como forma de evitar congestionamento, e que o estabelecimento de tarifas mínimas não era justificável. Ou seja, duas características presentes ainda hoje na maioria das cidades brasileiras já eram consideradas defasadas há mais de 30 anos por um órgão de defesa do consumidor.
Na competição entre táxi e Uber, segundo o Seae, a introdução do Uber no mercado pressiona os taxistas a melhorarem seus serviços, o que também afeta o poder público, que precisa fazer novas abordagens regulatórias — nesse caso, para melhorar a atuação dos taxistas, não coibir e restringir a atividade do Uber. Com isso em mente, a secretaria sugeriu algumas medidas para melhorar o serviço de táxi.
Entre as sugestões, está a abolição da restrição à quantidade de táxis nas ruas, para garantir que a quantidade de táxis disponíveis esteja em equilíbrio com a demanda do mercado. A Seae também propõe uma desregulamentação tarifária, liberando os preços dos serviços de táxi e estabelecendo uma tarifa máxima, para permitir a concorrência interna por meio dos preços.
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Segundo o órgão, isso também inibe eventuais abusos de preços por parte dos taxistas, o que sabemos que acontece frequentemente em locais de grandes eventos. Junto com essa medida, eles aconselham maior transparência de preços, que devem estar sempre visíveis ao consumidor. Com o fim da tarifa única, o órgão recomenda que cada aplicativo de táxi possa definir o preço (ou ao menos a competição entre taxistas dentro dos aplicativos).
Em meio a um documento com várias outras sugestões para melhorar os serviços de táxis, como o incentivo da inovação tecnológica e o livre acesso aos pontos de táxi, a mensagem do Seae é clara: não é o Uber que tem que se adequar ao novo modelo. Permita-me terminar o post com uma observação do órgão: “A concorrência, aliada à diferenciação desses segmentos, funciona como um regulador desse mercado, pois permite ao consumidor exercer o seu direito de escolha”.