As questionáveis declarações que fizeram Richard Stallman cair em desgraça

Declarações sobre abuso sexual forçaram Stallman a sair do MIT e da Free Software Foundation

Emerson Alecrim
• Atualizado há 3 meses

Richard Stallman não é mais presidente da Free Software Foundation (FSF), organização criada pelo próprio em 1985. Ele também já não ocupa o cargo de pesquisador convidado que mantinha no MIT. Mas, não, Stallman não está se aposentando ou tirando um ano sabático. As suas declarações é que o afastaram dessas atividades.

Soa estranho, afinal, Stallman sempre foi uma figura polêmica. A sua trajetória é marcada por manifestações muitas vezes consideradas controversas sobre temas como política, religião, privacidade e, claro, software. Mas nenhuma delas teve consequências drásticas. Por que agora é diferente?

Bom, o assunto envolve uma investigação de abuso sexual. Não que Stallman tenha sido acusado de algo do tipo. Mas uma pessoa que ele conhecia, sim.

O escândalo Jeffrey Epstein

No fim da semana passada, uma estudante do MIT chamada Selam Jie Gano publicou um texto no Medium com o título Remove Richard Stallman. Na postagem, ela manifesta toda a sua indignação por conta de e-mails que Stallman enviou à lista de discussão do Laboratório de Ciência da Computação e Inteligência Artificial do MIT (MIT CSAIL).

Para entendermos o porquê, precisamos relembrar o escândalo do bilionário americano Jeffrey Epstein. Se você acompanhou o noticiário recente, deve se lembrar que, em agosto, Epstein foi encontrado morto na cadeia enquanto aguardava julgamento por acusações de abuso e tráfico sexual.

As autoridades dos Estados Unidos acreditam que Epstein controlou uma extensa rede de tráfico sexual envolvendo garotas menores de idade. No meio dos “clientes” dessa rede estariam várias personalidades renomadas, entre elas, Marvin Minsky, um dos pioneiros da inteligência artificial que, não por acaso, ajudou a criar o MIT CSAIL.

Minsky faleceu no início de 2016, aos 88 anos. As acusações contra ele vieram à tona em maio do mesmo ano, quando, durante uma investigação ligada às atividades de Epstein, Virginia Giuffre revelou às autoridades ter sido instruída por uma mulher ligada a ele a fazer sexo com Minsky durante viagem a uma ilha do falecido bilionário.

Para completar, uma testemunha declarou que Giuffre e Minsky pegaram mesmo um avião em março de 2001 para uma viagem particular. Na época, Virginia Giuffre tinha 17 anos.

Como Richard Stallman entra nessa história?

Voltemos ao post de Selam Jie Gano no Medium. No texto, ela menciona um evento agendado no Facebook para protestar contra o envolvimento do MIT com Jeffrey Epstein. Basicamente, o que os estudantes querem é que a instituição deixe de receber “dinheiro obscuro”.

De fato, Epstein fez doações milionárias ao MIT ao longo de vários anos. Recentemente, Joichi Ito pediu demissão do cargo de diretor do MIT Media Lab por ter pedido (e recebido) contribuições generosas a Epstein, mesmo depois de as denúncias contra o bilionário terem se tornado públicas. Estima-se que as doações de Epstein ao departamento chegaram a US$ 7,5 milhões.

Sabe-se também que Epstein mantinha contato com numerosos membros do MIT. Na descrição do evento de protesto no Facebook, os organizadores citam o envolvimento do bilionário com várias personalidades, como Nicholas Negroponte, Joichi Ito e Marvin Minsky, destacando que o falecido professor foi acusado de agredir [sexualmente] uma das vítimas (a então menor de idade Virginia Giuffre).

Richard Stallman não foi relacionado, mas ficou sabendo do protesto na lista do MIT CSAIL e tratou de defender Minsky. Foi aqui que ele se complicou. Em uma das mensagens, Stallman diz (em tradução livre): “podemos imaginar vários cenários, mas o mais plausível é de que ela [Virginia Giuffre] tenha se apresentado a ele [Marvin Minsky] de livre vontade”.

Em outra mensagem, Stallman afirma que “é moralmente absurdo definir ‘estupro’ de uma maneira que dependa de pormenores, como em que país isso ocorreu ou se a vítima tinha 18 ou 17 anos”.

O MIT já estava sob grande pressão por conta do envolvimento de Jeffrey Epstein com a instituição. Aliando esse fato com a publicação de Selam Gano, a situação de Stallman ficou insustentável. O próprio comunicou o seu afastamento da função de pesquisador convidado:

“Estou me demitindo imediatamente da minha função no CSAIL do MIT. Faço isso devido à pressão sobre o MIT e eu referente a uma série de mal-entendidos e interpretações equivocadas”.

A FSF confirmou que Stallman também não está mais à frente da organização:

“Em 16 de setembro de 2019, Richard M. Stallman, fundador e presidente da Free Software Foundation, renunciou ao cargo e a seu posto no conselho de administração”.

Essas não foram as primeiras declarações questionáveis de Stallman

Se havia alguma chance de Stallman ser mantido em suas funções, elas podem ter caído por terra devido ao seu histórico de declarações polêmicas de cunho sexual, sobretudo sobre pedofilia.

O Daily Beast citou vários exemplos. Um deles data de 2011. Stallman disse que o termo ‘pornografia infantil’ é desonesto porque “a censura coloca jovens apaixonados em risco direto de processo”.

Outro exemplo: em 2013, Stallman declarou que há poucas evidências de que a participação voluntária em atos sexuais prejudica as crianças.

Parece que Richard Stallman tentou se retratar dos seus posicionamentos questionáveis. Recentemente, ele escreveu que, por meio de conversas pessoais, entendeu que relações sexuais com menores podem resultar em prejuízo psicológico a eles, mesmo quando houver consenso.

De nada adiantou. Se a intenção era esta, a gente vê agora que a declaração não ajudou a manter Stallman nos cargos ocupados por tantos anos, ainda que ele não tenha sido acusado de nenhum crime.

O ponto aqui é que quedas são inevitáveis. Mas antes da queda vem o tropeço. Esse sim poderia ter sido evitado. Só que tudo indica que Richard Stallman é tão habituado a disparar opiniões polêmicas que ele não percebeu que, cedo ou tarde, elas poderiam se transformar em pedras no seu próprio caminho.

Com informações: TechCrunch, New York Post, Vice, The Verge, New Yorker, UOL.

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Emerson Alecrim

Emerson Alecrim

Repórter

Emerson Alecrim cobre tecnologia desde 2001 e entrou para o Tecnoblog em 2013, se especializando na cobertura de temas como hardware, sistemas operacionais e negócios. Formado em ciência da computação, seguiu carreira em comunicação, sempre mantendo a tecnologia como base. Em 2022, foi reconhecido no Prêmio ESET de Segurança em Informação. Em 2023, foi reconhecido no Prêmio Especialistas, em eletroeletrônicos. Participa do Tecnocast, já passou pelo TechTudo e mantém o site Infowester.