Foi banido sem motivo em um game? A Justiça pode recuperar sua conta

Todos os jogadores têm amplo direito à defesa e à informação, segundo o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal

Murilo Tunholi
Por
• Atualizado há 11 meses
Foi banido sem motivo em um game? A Justiça pode recuperar sua conta (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)
Foi banido sem motivo em um game? A Justiça pode recuperar sua conta (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)

Ter a conta banida em jogos online é uma das punições mais severas que um jogador pode receber por violar as regras de conduta das desenvolvedoras. Em certos casos, a pessoa pode receber até três suspensões temporárias antes de perder a conta. Porém, algumas empresas preferem remover os usuários do game logo na primeira infração, sem qualquer garantia de defesa.

O problema de adotar um sistema de banimentos sem tolerâncias é que há chances de pessoas inocentes acabarem sendo punidas injustamente. Isso aconteceu com Luiz Victor “ArcanjoPro” Arcanjo, de 22 anos, ex-streamer e jogador de Free Fire. Ele teve a conta desativada por um erro da Garena, mas conseguiu recuperar o acesso após mover uma ação judicial contra a empresa.

É importante respeitar os termos de uso das desenvolvedoras e manter uma boa conduta para não ser punido, mas também é preciso conhecer as leis que protegem os jogadores em situações de injustiça. Afinal, por mais que as empresas tenham suas regras, elas ainda devem reconhecer os direitos garantidos aos usuários não só pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), como também pela nossa Constituição Federal.

Nas linhas a seguir, conto a história do banimento de Arcanjo e relembro outras situações de exclusões permanentes em Free FireLeague of Legends e PlayStation Network que foram parar na Justiça. Também explico como identificar um banimento indevido e em quais casos é possível entrar na Justiça para recuperar a conta.

Aviso de conta suspensa em Free Fire (Foto: Reprodução)
Aviso de conta suspensa em Free Fire (Foto: Reprodução)

Arcanjo foi banido de Free Fire pelo “hack do barril”

O banimento de Arcanjo foi somente mais um entre as diversas punições aplicadas em Free Fire todos os dias. Em abril deste ano, o Battle Royale da Garena baniu cerca de 1,3 milhão de jogadores em um intervalo de duas semanas. Segundo a desenvolvedora, todas essas contas foram desativadas por usarem hacks nas partidas.

É provável, porém, que alguns desses jogadores não tenham trapaceado, mas acabaram sendo pegos pelo sistema de detecção automática de hacks da Garena por outros motivos, assim como aconteceu com Arcanjo no ano passado e com outras pessoas que também entraram com ações judiciais contra a desenvolvedora.

Ao Tecnoblog, Arcanjo contou como aconteceu o banimento dele em Free Fire, assim como os detalhes sobre o processo de recuperação da conta pela Justiça. Logo antes de ter o perfil no jogo excluído, em junho de 2020, ele havia recebido o primeiro salário como streamer na extinta NimoTV e estava começando a se profissionalizar.

“Na época, eu estava jogando uma partida aleatória e apareceu um cara usando o hack do barril. Era um jogador que burlava o anti-cheat e conseguia matar todo mundo que estava na partida simplesmente explodindo um barril de óleo”, explicou Arcanjo. “Além disso, ele conseguia transferir as denúncias que recebia para os outros players que estavam jogando”, concluiu.

O “hack do barril” citado por Arcanjo nunca foi comentado oficialmente pela Garena. Mas, nas redes sociais, jogadores de Free Fire relataram terem encontrado a mesma trapaça em diversas partidas. No Twitter, o perfil @GarenaFFBrasil postou um vídeo mostrando o programa malicioso em ação.

Ao receber o aviso que sua conta tinha sido desativada, Arcanjo tentou entrar em contato com a Garena por e-mail mais de uma vez, inclusive mostrando evidências de que não estava usando programas ilegais na partida. Ele contou que a empresa mandava sempre a mesma mensagem automática, dizendo que o perfil havia sido banido por uso de hacks e não seria reativado em qualquer circunstância.

Após lidar com diversas respostas iguais, Arcanjo pensou em desistir e largar tanto o Free Fire quanto a carreira de criador de conteúdo. “Eles não só baniram a conta, como também bloquearam o IMEI do meu celular. Então eu não podia criar um outro perfil para tentar jogar nem nada”, relatou o streamer. Foi aí que uma última solução surgiu: levar o caso aos tribunais de Justiça.

No processo, os advogados do streamer apresentaram todas as tentativas de contato com a Garena e pediram que a empresa comprovasse o uso de hack pelo jogador. A desenvolvedora não conseguiu reunir as evidências, alegando que seria necessário fazer uma perícia detalhada das partidas. Devido à falta de provas, o juiz ordenou a devolução da conta.

A Garena reativou o perfil de Arcanjo poucos dias após a abertura do processo, mas a ação ainda corre no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) sob o número 0000085-43.2020.8.17.3200 para garantir o pagamento de indenização por danos morais.

PlayStation 5 (Imagem: Vivi Werneck/Tecnoblog)
PlayStation 5 (Imagem: Vivi Werneck/Tecnoblog)

PS5 bloqueado e bans em LoL e também param na Justiça

Aqui no Tecnoblog, reportamos outros processos abertos contra empresas de games que puniram usuários injustamente. A Sony já sofreu duas derrotas no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) por banir dois PlayStation 5 da PSN após os donos compartilharem jogos da PS Plus Collection com outras pessoas.

Vale citar também o caso do jogador de League of Legends que venceu uma ação judicial contra a Riot Games no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). No processo, o autor conseguiu pedir a transferência de skins e itens comprados com dinheiro real de uma conta banida para um perfil novo.

Tanto nos processos contra a Sony quanto na ação contra a Riot Games, os banimentos foram julgados como abusivos por violarem o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Em ambas as situações, os juízes consideraram que os jogadores haviam sido colocados em desvantagem exagerada, pois precisariam pagar novamente por um console ou pelas skins para voltarem a jogar.

Banimentos podem ser considerados punições financeiras

Para o advogado Pedro Amaral, as exclusões permanentes em jogos online funcionam como uma forma de punir financeiramente os jogadores em vez proteger a comunidade de trapaceiros ou pessoas mal intencionadas. Isso fica ainda mais grave em ocorrências nas quais as empresas não são transparentes.

As desenvolvedoras vão falar que estão salvando a comunidade ao banir jogadores tóxicos, mas, no mesmo e-mail avisando sobre a punição, elas convidam essas mesmas pessoas para voltarem por meio de outras contas. Então, o único efeito prático da punição é excluir a conta e tomar para a empresa o saldo não utilizado de dinheiro virtual — que pode ser Riot Points, Diamantes, etc.

Pedro Amaral, sócio do escritório Amaral e Bohrer Advogados e fundador do Tomaz.app.

Amaral acredita que é preciso rever como as punições são aplicadas e pensar na ideia de um ensino pedagógico, para ajudar as pessoas a melhorarem. “Qualquer punição em uma relação de consumo tem que ser feita de forma transparente. O consumidor tem o direito de ter informação e, como qualquer pessoa desse país, de se defender”, explicou ao Tecnoblog.

Sistema de banimento de campeões em League of Legends (Imagem: Divulgação/Riot Games)
Sistema de banimento de campeões em League of Legends (Imagem: Divulgação/Riot Games)

O que dizem os termos de uso das desenvolvedora?

A Riot Games e a Garena deixam claro nos seus Termos de Uso que podem interromper o funcionamento das contas de usuários caso violem as regras. Algumas empresas são mais tolerantes que outras, mas todas acabam se apoiando na remoção permanente do jogador para tentar resolver os problemas de má conduta.

No regulamento da Riot Games, por exemplo, a empresa informa que pode “encerrar ou suspender a conta sem aviso prévio”, caso os usuários violem os Termos de Uso. Além disso, a desenvolvedora explica que pode “fazer essas determinações com a ajuda de sistemas automatizados e ferramentas de machine learning”.

Por mais que o sistema de verificação de ocorrências seja automático, a Riot Games ainda abre espaço para que os jogadores contestem as punições. “Se você achar que cometemos um erro, entre em contato conosco com os detalhes e nós analisaremos seu caso, embora possamos suspender sua conta durante nossa análise. Você também pode contestar nossas decisões”, explica a empresa.

Isso significa que, em problemas relacionados a League of LegendsValorant ou qualquer outro jogo da produtora, é possível tentar resolver a questão diretamente com a empresa num prazo de 30 dias antes de recorrer à Justiça. Aliás, a Riot Games não limita os direitos legais dos usuários de entrarem com um processo, caso precisem.

Devido à cautela da Riot Games em relação às punições, são mais raros os casos nos quais os banimentos em LoL ou Valorant são contestáveis. De acordo com Amaral, a empresa usa a regra da reincidência — ou seja, os jogadores podem receber até três punições mais leves e transparentes antes de serem banidos. Nesse cenário, o advogado afirmou ser muito difícil tentar recuperar a conta pela Justiça.

A Garena, por outro lado, remove o jogador do game em qualquer tipo de violação dos termos de uso. “Free Fire tem uma política de tolerância zero com trapaças e trapaceiros. Nós suspendemos as contas trapaceiras permanentemente. Aparelhos usados para trapacear também serão suspensos do acesso ao Free Fire, mesmo com outras contas”, informa a empresa.

Além disso, a desenvolvedora garante não punir contas por engano. “Todas as contas suspensas apresentam evidências claras do uso de trapaças. Usar aplicativos de terceiros ou de fontes não oficiais resultará em suspensão da conta”. Porém, algumas punições em Free Fire param nos tribunais, como a de Arcanjo, e são revistas devido à falta de provas.

A Garena também não abre espaço para o jogador se defender da punição. “Uma conta suspensa por evidências de uso de trapaças não será reativada sob nenhuma circunstância”, avisa a produtora. Para Amaral, esse tipo de situação pode ser levada ao Procon ou até mesmo à Justiça, caso o player tenha sido excluído por engano pelo sistema de detecção automática de trapaças.

“Eu não acho razoável ter uma punição por algoritmo, automática, onde não há nem espaço para o jogador se defender. Isso para mim é completamente errado e qualquer punição nesse contexto é inválida. Não se pode punir uma pessoa sem dar direito à plena defesa. Isso está na Constituição Federal”, concluiu Amaral.

Aviso de banimento em League of Legends (Imagem: Reprodução)
Aviso de banimento em League of Legends (Imagem: Reprodução)

Tive minha conta banida! E agora?

Antes de procurar o Procon ou mover uma ação judicial, é importante entrar em contato com as desenvolvedoras para tentar resolver a situação diretamente com elas, explicando o acontecimento e exibindo as provas da inocência. É possível usar os canais de comunicação oficiais das empresas, como tickets de suporte, e-mail, redes sociais e até atendimento por telefone.

Caso a empresa não esclareça o motivo do banimento ou não comprove a violação das regras, mesmo depois de diversas mensagens, o jogador pode procurar meios legais para tentar recuperar o acesso à conta e o dinheiro virtual que ficou retido no perfil excluído.

Renata Reis, coordenadora de atendimento do Procon de São Paulo, explicou ao Tecnoblog que todos os usuários de jogos online têm o direito básico à informação, assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor. Se a pessoa considerar que foi colocada em desvantagem financeira pela desenvolvedora, ela pode procurar o Procon de cada estado para tentar resolver o problema.

Quando um consumidor questiona um banimento e diz que é indevido, e a empresa não consegue esclarecer a punição ou comprovar que existe alguma ilegalidade no ato praticado pelo jogador, a gente pode trabalhar com a falta de informação, que é direito básico do Código de Defesa do Consumidor, e com a prática abusiva, que é o artigo 39.

Renata Reis, coordenadora de atendimento do Procon-SP.

O Procon, contudo, pode não conseguir fechar um acordo entre o jogador e a desenvolvedora sozinho. Nessa situação, a pessoa pode reunir todas as evidências e entrar com uma ação na Justiça, mostrando as tentativas de contato com as empresas, as provas do banimento indevido e até mesmo a notificação do Procon.

Para o advogado Pedro Amaral, é importante que os jogadores busquem ir atrás dos seus direitos, caso as desenvolvedoras não esclareçam o motivo do banimento ou se recusem a apresentar as provas da infração. Além da opção de contratar um advogado particular, quem não tem boa condição financeira pode procurar a Defensoria Pública de cada estado.

Receba mais sobre Justiça na sua caixa de entrada

* ao se inscrever você aceita a nossa política de privacidade
Newsletter
Murilo Tunholi

Murilo Tunholi

Ex-autor

Jornalista, atua como repórter de videogames e tecnologia desde 2018. Tem experiência em analisar jogos e hardware, assim como em cobrir eventos e torneios de esports. Passou pela Editora Globo (TechTudo), Mosaico (Buscapé/Zoom) e no Tecnoblog, foi autor entre 2021 e 2022. É apaixonado por gastronomia, informática, música e Pokémon. Já cursou Química, mas pendurou o jaleco para realizar o sonho de trabalhar com games.

Relacionados