A indústria reclama, mas o mercado irregular de celulares prospera

Na loja oficial, o smartphone custa mais de R$ 2000; no mercado paralelo, o mesmo produto pode custar menos da metade do preço

Josué de Oliveira
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No mercado irregular, o desconto é a regra (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)
No mercado irregular, o desconto é a regra (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)

Preço é um dos fatores mais importantes na hora de adquirir um produto, se não o determinante. Sempre que é possível conseguir um desconto, os olhos do consumidor brilham.

Essa é, em essência, a explicação por trás dos números expressivos de celulares irregulares em circulação no Brasil. E aqui não estamos falando de imitações ou celulares piratas, mas de produtos totalmente originais, cuja entrada no país se dá por caminhos não oficiais.

De acordo com levantamento da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), foram 5,5 aparelhos adquiridos de forma irregular só em 2023. É um aumento de 37,5% em relação ao ano passado.

Os celulares chegam ao Brasil via Paraguai, e são vendidos em marketplaces internet afora. E, por mais que o processo seja ilícito, os números mostram que usuário está ciente — ou, pelo menos, que deseja continuar.

Afinal, todo mundo quer pagar menos. E, no mercado paralelo, é menos de verdade.

Menos de R$ 1000

A discussão sobre o funcionamento e origens do mercado irregular é longa. Basta ouvir o Tecnocast 318, onde abordamos o tema, para perceber a complexidade das questões envolvidas.

Como revelado pelo Tecnoblog, a diferença de preço entre smartphones oficiais — vendidos nas lojas das marcas ou por parceiros autorizados — e os irregulares pode chegar aos 50%. Ou até menos que isso.

O principal exemplo é o Redmi Note 12, campeão de vendas no mercado paralelo. De R$ 2.599 na loja oficial da Xiaomi por R$ 940 em marketplaces. Fica difícil argumentar contra um “desconto” que Black Friday nenhuma consegue superar.

A indústria tenta, é claro. A Abinee chama a atenção para a concorrência desleal, uma vez que os players que vendem regularmente pagam uma série de impostos. O impacto da evasão fiscal chegaria à casa dos R$ 2,1 bilhões.

Mas a força deste argumento junto ao público é pequena, para dizer o mínimo. Sejam por interesse pessoal — pagar menos — ou por questões culturais mais aprofundadas — desconfiança em relação à política tradicional, por exemplo —, os impostos não arrecadados não sensibilizam o consumidor.

Além disso, cabe questionar a cifra. Os R$ 2,1 bilhões só chegariam aos cofres públicos caso os celulares fossem de fato adquiridos pelos meios oficiais, e não podemos garantir que seriam. É até possível afirmar o oposto: os preços oficiais dos aparelhos no Brasil afastariam o comprador do produto. No fim das contas, o mercado irregular existe para responder a um problema muito claro: o preço alto dos celulares no país.

As raízes do problema

A pergunta que se coloca, portanto, é: por que celulares são tão caros por aqui? Aqui o principal culpado é um velho conhecido: a carga tributária.

Diversos tributos incidem sobre eletrônicos do consumo no Brasil. São eles o Imposto sobre Produtos Industrializados e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, além das contribuições PISe COFINS.

Se o aparelho vem do exterior, mais um imposto recai sobre ele: o Imposto de Importação. Esses valores se somam aos custos de produção, logística, marketing e, naturalmente, à margem de lucro desejada pelas empresas.

No fim, isso se traduz num preço final que não cabe no bolso de muitos brasileiros. De acordo com dados do IDC relativos ao primeiro trimestre do ano, o valor médio dos celulares mais vendidos no país no período foi de R$ 700 a R$ 999. Atualmente, é difícil encontrar bons aparelhos intermediários nesse valor.

A não ser, é claro, que você olhe além das ofertas oficiais. Enquanto a carga tributária joga os preços lá para cima, o mercado paralelo se mostra uma opção no mínimo tentadora.

O mais importante é pagar menos

Há também um aspecto de cunho mais prático: combater a operação irregular passa longe de ser uma tarefa fácil.

Celulares são pequenos, de modo que trazê-los pela fronteira não requer uma grande estrutura. Também há o problema dos marketplaces, onde os produtos são vendidos. É um ambiente difícil de controlar.

E aqui estão incluídos varejistas grandes e confiáveis, como Amazon e Mercado Livre. Pelo menos é o que afirma o presidente-executivo da Abinee, Humberto Barbato, acrescentando que ambos os players não assinaram um acordo com a Anatel no contexto da repressão à venda de produtos piratas.

As empresas se defendem. O Mercado Livre informou ao Tecnoblog que está em contato com a Anatel e que remove da plataforma os itens irregulares. Também disse que mais de 100 mil anúncios foram apagados e 388 mil vendedores foram notificados sobre as regras de telecomunicações em 2023. Alguns deles ainda enfrentaram medidas criminais, de acordo com a empresa.

Já a Amazon declarou, em resumo, que não comercializa produtos contrabandeados e que exige por contrato que os vendedores do marketplace possuam as licenças e homologações necessárias. Também disse que a eventual infração pode resultar em interrupção das vendas e destruição dos produtos nos centros de distribuição da Amazon, sem direito a reembolso.

Outro ator importante nessa história é a Xiaomi, fabricante mais presente no mercado irregular. Em nota ao Tecnoblog, a empresa recomenda que os usuários comprem seus dispositivos pelos canais oficiais, para desfrutarem do período de garantia, cobertura do serviço e autenticidade.

Mas nem mesmo estes argumentos freiam a venda paralela. Assistências técnicas não oficiais existem aos montes no país, compensando a falta da cobertura autorizada. E, mesmo que o celular quebre de vez, o preço de dois aparelhos irregulares em marketplaces por vezes é menor do que o de um pelas vias oficiais.

Reprimir o mercado irregular exigirá mudanças no comportamento do consumidor. E, com celulares chegando ao Brasil por preços tão altos, fica difícil encontrar razões que motivem o usuário a rever sua conduta.

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Josué de Oliveira

Josué de Oliveira

Produtor audiovisual

Josué de Oliveira é formado em Estudos de Mídia pela UFF. Seu interesse por podcasts vem desde a adolescência. Antes de se tornar produtor do Tecnocast, trabalhou no mercado editorial desenvolvendo livros digitais e criou o podcast Randômico, abordando temas tão variados quanto redes neurais, cartografia e plantio de batatas. Está sempre em busca de pautas que gerem conversas relevantes e divertidas.

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