Aceite: o Instagram está mudando e não há muito o que você possa fazer
Com as novas dinâmicas de consumo de conteúdo e a pressão da concorrência, focar apenas em fotos seria um risco grande demais para o império de Zuckerberg
Com as novas dinâmicas de consumo de conteúdo e a pressão da concorrência, focar apenas em fotos seria um risco grande demais para o império de Zuckerberg
Não é de hoje que os vídeos começaram a aparecer no Instagram. A opção de postar gravações, inicialmente de até 15 segundos, surgiu ainda em junho de 2013, pouco mais de um ano após a venda do aplicativo para a Meta. É inegável, porém, como de um complemento da rede social, a opção se tornou um dos grandes focos da empresa, se sobressaindo às fotos, interferindo em sua interface e, até mesmo, mexendo na dinâmica da plataforma.
A presença cada vez mais forte dos vídeos têm incomodado muita gente, que não consegue mais reconhecer o Instagram e acredita que a plataforma está lutando para emular o sucesso do TikTok. Mas será que a rede social está mesmo fugindo da sua identidade? Ou, de fato, o Instagram não pode mais seguir como era antes?
Duas Kardashians incomodam muito mais. Isso porque em julho de 2022 as discussões acerca dos rumos do Instagram se tornaram ainda mais acaloradas quando Kim Kardashian e Kylie Jenner resolveram aderir a uma campanha que circulava pela rede e pedia que “o Instagram voltasse a ser o Instagram novamente”.
Vale lembrar que a mesma Kylie Jenner, em fevereiro de 2018, também decidiu se pronunciar sobre algumas mudanças que o Snapchat havia adotado. Na época, a reclamação feita pela influenciadora fez com que o aplicativo tivesse suas ações desvalorizadas e perdesse nada menos do que US$ 1,3 bilhão, além de ter uma repercussão altamente negativa.
O episódio recente, em que Kim e Kyle resolveram se posicionar contra a onda de vídeos do Instagram, resultou em uma declaração, dada por Adam Mosseri, chefe da plataforma. No vídeo, ele reafirmou a posição da rede social e argumentou que o futuro do aplicativo estava de fato nesse tipo de conteúdo.
Mosseri contou, poucos dias depois, que gravou o vídeo antes mesmo de saber do envolvimento das Kardashians. Mas, independentemente disso, é sabido que a repercussão e resultados negativos acerca das mudanças tiveram impacto na empresa: o Instagram decidiu abandonar os testes de um novo feed com as fotos e vídeos em tela cheia e diminuir os conteúdos recomendados que apareciam na timeline.
O foco ainda eram os vídeos, como eles fizeram questão de frisar. Mas uma pequena batalha havia sido ganha em meio a uma guerra travada já há muito tempo.
O foco sobre os vídeos causou estranheza entre os usuários do Instagram desde o momento em que as fotos começaram a ser deixadas de lado. Ainda que eles já fossem presentes na rede social, de repente, apenas conteúdos feitos em movimento eram entregues, vistos e indicados.
A jornalista e criadora de conteúdo Camila Ravanelli vivenciou esse momento de transição. Ela explicou, em entrevista ao Tecnoblog, o que aconteceu na época e como essa mudança persiste até hoje.
“Quando começou esse boom [do TikTok], a entrega do Instagram ficou horrível e eles começaram com essas mil atualizações que derrubaram a distribuição das fotos. Eles entregavam ainda o carrossel, mas foto única não chegava. E só piorou.”
A mudança, é claro, impactou de maneira contundente no conteúdo de quem trabalhava com a plataforma. Além das gravações pedirem uma certa desenvoltura em frente às câmeras, havia também a necessidade de saber editar os vídeos e se render a um tipo de conteúdo que nem sempre deixava a pessoa confortável.
“Eu mudei o meu conteúdo para o infoentretenimento, em que eu apareço bem menos. É mais uma questão de ensinar, com aqueles vídeos que apontam e que estão sempre em alta. Eu tento fazer uma edição legal e sincronizações, coisas que chamam a atenção. Mas hoje, a maior dificuldade é o tempo. Porque quanto menor [a gravação], há mais entrega e mais consumo. […] E, às vezes, você não consegue passar a mensagem em um vídeo tão curto.”
Camila Ravanelli, jornalista e criadora de conteúdo
Da mesma maneira, usuários comuns do Instagram também se viram bombardeados por vídeos a todo momento. Nada de fotos de amigos curtindo o final de semana, de comidas apetitosas, de um pôr-do-sol bonito ou mesmo dos influenciadores que ele acompanhava. Tudo agora vinha em movimento, assim como no TikTok.
Daniela Andrioli e Jamile Cury, criadoras da agência de marketing digital Bola de Cristal, durante entrevista ao Tecnoblog explicaram a dinâmica da plataforma de sempre apostar em novos recursos e mudanças.
“O Instagram sempre esteve em constante evolução com as novidades que aparecem no mercado. Quase todas as ferramentas ali são uma “cópia” do que há de melhor em outras plataformas. Os Stories são cópia do Snapchat. O antigo IGTV era cópia do YouTube. A “sacolinha” tenta imitar um e-commerce. Os Reels são cópia do TikTok e, provavelmente, se surgir algo mais relevante nos próximos anos, eles tentarão incluir na plataforma.”
Daniela e Jamile trabalham diariamente com clientes que tentam empreender na rede social e entendem a estratégia adotada pelo aplicativo para investir com tanto afinco nos vídeos. “A intenção do Instagram é que as pessoas não saiam da plataforma, por isso, eles continuarão sempre em busca do que prende o usuário.”
A premissa faz sentido, afinal, o sucesso do TikTok e a explosão de vídeos curtos estão aí para provar que há, de fato, demanda e busca por esses conteúdos. Mas por que, então, o Instagram não consegue agradar seus usuários? O que existe no TikTok que não funciona na rede da Meta?
Responder essa pergunta dizendo que o Instagram não é o TikTok pode ser simplista demais, ainda que, obviamente, isso seja uma verdade. Acontece, porém, que diferente de ferramentas de outras plataformas que o Instagram reproduziu, como os Stories do Snapchat, por exemplo, os vídeos do TikTok possuem uma linguagem atrelada à própria rede em que nasceram.
Dessa vez não estamos falando de um recurso que simplesmente pode ser transportado de um aplicativo para outro. Mas sim de toda a construção de identidade de uma plataforma, que desde sua interface até seu propósito, sempre priorizou os vídeos curtos.
Em conversa exclusiva com o Tecnoblog, Thiago Costa, professor e integrante do Núcleo de Mídias Digitais da pós-graduação em Comunicação e Marketing Digital da FAAP, explica a “mágica” do TikTok.
“O vídeo é muito mais fácil de ser processado pelo nosso cérebro do que o texto. Tem um esforço muito menor porque eu não preciso pensar muito. O TikTok faz os algoritmos funcionarem em dois caminhos: um de gratificações rápidas e outro quando a plataforma gera um autoplay. É isso que explica um pouco do porquê ele é tão viciante.”
Com alicerces tão diferentes, fica difícil imaginar como misturar a proposta de ambas as redes de maneira que agrade os usuários. Afinal, o TikTok muito mais do que apostar em vídeos, entrega esse conteúdo de uma maneira e em uma interface muito específica.
“Acho que evolução todo negócio precisa ter. Você precisa se adaptar às tendências do público, mas você também precisa entender o que o público espera de você e evoluir sem perder a sua identidade. E acho que, em algum momento, eles [o Instagram] perderam um pouco da identidade. E nem sei se é essa coisa de fazer muito vídeo. […] A perda de identidade veio de olhar demais para a concorrência e querer copiá-la.”
Thiago Costa, professor e integrante do Núcleo de Mídias Digitais da pós-graduação em Comunicação e Marketing Digital da FAAP
Vale lembrar, no entanto, que para além das dificuldades de adesão desse tipo de conteúdo, há também que se considerar uma certa resistência planejada aos vídeos por parte de determinados criadores. Influencers de beleza e fitness que criaram impérios usando filtros e fotos editadas, enfrentam agora o obstáculo de reproduzir o mesmo em vídeo, soando de forma natural.
No Reino Unido, por exemplo, a ASA (Advertising Standards Authority) precisou banir o uso de filtros e edições em campanhas de beleza que pudessem induzir o consumidor ao erro. Mas, em outros países, celebridades fizeram e fazem carreira através de imagens que não são condizentes com a realidade. Algo que, em vídeo, naturalmente, se torna muito mais difícil de reproduzir.
As próprias Kardashians já foram bastante criticadas sobre o uso excessivo de Photoshop, tendo inúmeras de suas fotos viralizadas por pesarem demais a mão nas edições.
O fato de haver uma rejeição do público e, ainda assim, a plataforma insistir nas mudanças, nos faz questionar o que está por trás dessa escolha. Já que, como qualquer empresa, o Instagram toma decisões comerciais, que visam trazer lucro à companhia.
Em entrevista ao Platformer, Mosseri explicou que existe uma diferença entre o que os dados internos do Instagram mostram e como muitas pessoas têm se posicionado sobre essas diretrizes. Afora o fato das pessoas estarem compartilhando mais vídeos, elas também têm interagido mais com os vídeos do que com as fotos. O que explica porque o aplicativo continua a priorizar esses conteúdos.
Além disso, o chefe da rede deixou claro que isso não é um reflexo da própria entrega “exagerada” da plataforma, mas sim do consumo de vídeos como um todo que aumentou nos últimos anos. Segundo Mosseri, conforme o custo de dados diminui e a velocidade da conexão aumenta, mais os vídeos se tornam populares — algo que já era observado muito antes das alterações efetuadas pelo Instagram.
“Há esse crescimento consistente de vídeos no Instagram em relação às fotos — o que, aliás, é muito anterior a qualquer um de nossos trabalhos e recomendações no feed. É apenas uma mudança de paradigma que temos visto há muitos, muitos anos.”
Adam Mosseri em entrevista ao Platformer
Para se ter ideia, em 2020, 80% dos brasileiros afirmaram assistir a vídeos gratuitos online e 72% disseram que consomem conteúdos como esse em redes sociais. A informação é da pesquisa Inside Video, do Kantar Ibope Media.
Costa, no entanto, explica que mesmo a fala de Mosseri sendo verdadeira, o Instagram não pode se ausentar do fato de que ao entregar mais vídeos, está estimulando os usuários a consumirem mais essas publicações.
“De um lado, sim, há uma questão de que as pessoas têm mais acesso e um acesso com mais qualidade. Elas vão consumir mais vídeos e há mais vídeos sendo produzidos porque essa é uma relação direta. […] Então a gente tem esse conjunto de fatores, mas não dá para dizer que a plataforma não tem culpa nessa história também.”
Há anos o Instagram deixou de ser apenas uma rede de compartilhamento de fotos. Assim como outras ferramentas foram sendo adicionadas à plataforma ao longo dos tempos e se tornaram indissociáveis do formato, os vídeos vieram para ficar. O aplicativo é, hoje, uma rede social híbrida, que combina e suporta os dois tipos de publicações.
Diferente de outras redes como o Tumblr e o Flickr, que ficaram presas a apenas um tipo de conteúdo e hoje são restritas a um nicho, o Instagram sempre focou o público global. Desde que foi comprada pela Meta, a plataforma se porta e evolui como uma rede de massa, que se adapta às mudanças de consumo e tendências do seu tempo. O que implica, muitas vezes, em tomar medidas que saem da “caixinha” a qual os usuários estão acostumados.
Para além dessas mudanças, no entanto, o que se questiona quanto ao futuro do Instagram é até que ponto essas renovações constantes da plataforma mais aproximarão do que afastarão o público. Qual é o limite entre a mudança e a perda de identidade?
Os dados internos refletem uma questão numérica da plataforma, que é muitas vezes suficiente para uma tomada de decisão comercial. Mas os fatores externos provam que há um problema na forma como esse conteúdo é entregue, e o barulho feito pelo público não pode, e nem está, passando despercebido.
“Precisa existir um equilíbrio: os vídeos se misturarem com os outros conteúdos para deixar a plataforma plural, como era antigamente. […] É bom sempre lembrarmos: sem pessoas, o Instagram perde toda sua força e se torna apenas um app.”
Leia | Como apagar fotos e vídeos do Feed do Instagram pelo celular ou PC
Daniela Andrioli e Jamile Cury, criadoras da agência de marketing digital Bola de Cristal