Como resolver a confusão dos chats?

As muitas ferramentas de troca de mensagens fragmentam o processo de comunicação. Seria mais prático se os aplicativos conversassem entre si?

Josué de Oliveira
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Como resolver a confusão dos chats? (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)
Como resolver a confusão dos chats? (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)

Houve um tempo em que estar on-line era uma escolha. O mesmo valia para comunicação instantânea. Havia alguns poucos programas, como ICQ e MSN, e o momento de usá-los era quando nos sentávamos na frente do computador.

As soluções para envio e recebimento de mensagens são muito mais numerosas hoje em dia. E não se tratam só dos aplicativos dedicados a isso, como WhatsApp e Telegram. Redes sociais como Instagram e Twitter também oferecem a funcionalidade de chat.

O resultado é uma multiplicidade de contextos em que a comunicação se dá. Pessoas com quem conversamos apenas num aplicativo específico. Grupos destinados à família, amigos, trabalho.

A variedade de chats pode gerar dinâmicas curiosas, como a obrigatoriedade de estar em aplicativos que você preferia não usar simplesmente porque é onde todo mundo se conecta. Afinal, não dá para mandar mensagens de um para o outro. Os espaços de comunicação são lugares fechados.

Comunicação restrita

O chat é importante para as empresas de tecnologia como forma de fidelizar usuários. Basta observar o caso da Apple.

Já faz algum tempo que o Google tenta convencer a maçã a adotar o padrão RCS. Atualmente, quando um celular Android se comunica por mensagem com um iPhone, o padrão utilizado é o SMS/MMS, antigo e defasado.

Isso gera uma série de situações chatas para grupos de conversa que contam com usuários de iPhone e Android. Afinal, o SMS tem limitações para envio de certos arquivos, além de ser menos seguro.

iPhones também disparam mensagens de aviso toda vez que o usuário de Android simplesmente curte uma mensagem. Cria-se um ambiente incômodo para quem não usa o aparelho da Apple.

Tudo seria resolvido com a adoção do RCS, padrão mais recente, seguro, e sem estas limitações. A Apple, no entanto, resiste. O chat pode não ser efetivamente lucrativo para a empresa, mas é uma porta de entrada para seu ecossistema. O importante é ter usuários, mesmo que eles cheguem na base do constrangimento.

iMessage (imagem: Rodnae Productions/Pexels)
iMessage (imagem: Rodnae Productions/Pexels)

Os demais aplicativos também impõem limitações. WhatsApp conversa com WhatsApp, Telegram com Telegram. DMs do Instagram só podem ser trocadas entre usuários do Instagram. Se um novo aplicativo de conversa surgir e se tornar muito popular, será necessário criar conta numa nova plataforma para conversar com quem está na mesma plataforma.

Isso faz bastante sentido para as empresas, é claro. Para o usuário, no entanto, é o que dá origem à confusão de chats. Talvez ela diminuísse se desse para mandar uma mensagem do Telegram para o WhatsApp, por exemplo. Mas, como vimos no caso da Apple, o interesse está em manter os usuários no seu próprio aplicativo.

A não ser, é claro, que a interoperabilidade seja imposta de cima para baixo.

Interoperabilidade no horizonte

No Tecnocast 311, conversamos sobre o Digital Markets Act, legislação da União Europeia. Entre outras coisas, ela torna necessário que aplicativos como WhatsApp e Messenger possam trocar mensagens com outros, como Signal e Telegram.

Já tivemos inclusive um pequeno vislumbre dessa funcionalidade no WhatsApp. Em um beta para Android, uma seção para conversas com outros aplicativos deu as caras. Há desafios técnicos para esse tipo de implementação, mas claramente a Meta, dona do WhatsApp, está correndo atrás.

A legislação pode resultar num contexto de maior competição. Se aplicativos menores podem enviar e receber mensagens dos maiores, o diferencial deixa de ser a exclusividade. As empresas teriam que se mexer para criar novas funcionalidades e recursos, e, assim, realmente chamar a atenção dos usuários.

WhatsApp: tela de conversa com outros aplicativos (WABetaInfo)
WhatsApp: tela de conversa com outros aplicativos (WABetaInfo)

Porém, o cenário contrário também é possível. Com a interoperabilidade, quem usa as soluções fornecidas por grandes empresas poderia acabar ainda mais imerso nesses aplicativos. Afinal, se é possível mandar e receber mensagens de competidores, qual é o incentivo para pensar em alternativas?

É preciso esperar para ver como a coisa vai funcionar na prática, e quais serão os resultados. O que fica evidente é que a interoperabilidade está no horizonte. E não apenas através de leis. O mercado também oferece opções.

Tudo na mesma inbox

No dia 24 de outubro, foi noticiado que a Automattic, dona do Wordpress e do Tumblr, havia adquirido mais uma empresa para seu portfólio. Trata-se da Texts.com, companhia que promete um aplicativo que integra diversas ferramentas de comunicação num lugar só.

Entre os serviços que o Texts.com engloba estão o Messenger, WhatsApp, Telegram e Signal. Até mesmo DMs do Instagram estão incluídas, assim como as mensagens do LinkedIn. Ferramentas de colaboração, como Slack e Discord, também entram debaixo do mesmo guarda-chuva.

A transação custou US$ 50 milhões. E o Texts.com não é a única solução que busca espaço nesse segmento. Outro produto que também oferece uma inbox que organiza seus aplicativos de mensagens é o Beeper, anunciado em 2021.

Beeper reúne 15 apps, incluindo WhatsApp e Telegram (Imagem: Divulgação/Beeper)
Beeper reúne 15 apps, incluindo WhatsApp e Telegram (Imagem: Divulgação/Beeper)

A aposta de ambas as empresas é que existe valor em simplificar a confusão de chats. O modelo de negócios é simples: você paga para ter acesso ao produto, e não precisa mais se preocupar com vários aplicativos de conversa ao mesmo tempo.

Há um número relevante de consumidores dispostos a pagar por estas soluções? Isso ainda está para ser verificado, mas o investimento da Automattic parece indicar que a interoperabilidade está sendo vista como algo estratégico. Talvez o futuro nos mostre que organizar a confusão dos chats é um negócio lucrativo.

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Josué de Oliveira

Josué de Oliveira

Produtor audiovisual

Josué de Oliveira é formado em Estudos de Mídia pela UFF. Seu interesse por podcasts vem desde a adolescência. Antes de se tornar produtor do Tecnocast, trabalhou no mercado editorial desenvolvendo livros digitais e criou o podcast Randômico, abordando temas tão variados quanto redes neurais, cartografia e plantio de batatas. Está sempre em busca de pautas que gerem conversas relevantes e divertidas.

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