Fintechs não podem oferecer benefícios para sempre
Após anos de crescimento acelerado, as fintechs agora se veem mais vulneráveis em um cenário econômico pouco favorável
Após anos de crescimento acelerado, as fintechs agora se veem mais vulneráveis em um cenário econômico pouco favorável
Conta digital. Cartão de crédito sem anuidade. TED grátis. As fintechs passaram anos disponibilizando serviços e benefícios que os bancos tradicionais não tinham o costume de oferecer. Pelo menos não para todo mundo. Natural que essas vantagens tenham chamado a atenção do público.
Além disso, a vantagem tecnológica parecia estar do lado das fintechs. Resolver questões financeiras por aplicativo, sem precisar ir a uma agência bancária, era certamente um desejo de muitos. De repente, bancões pareciam ainda mais burocráticos e antigos.
Estes são alguns dos ingredientes do sucesso das fintechs. Uma pesquisa do ano passado registrou 250 milhões de contas em instituições desse tipo. Um número maior do que a população brasileira. Falava-se com empolgação dos bancos digitais, de como chacoalharam o mercado. Como Itaú, Santander e afins conseguiriam competir com players tão dinâmicos?
No entanto, 2022 trouxe surpresas. A euforia com as fintechs deu lugar à cautela. E os bancões, por sua vez, mostraram que tinham muito mais lenha para queimar.
Operando como startups, fintechs e bancos digitais priorizam a aquisição de usuários e otimização dos produtos oferecidos. A ideia é se mover rápido e conquistar a maior fatia de mercado possível; isto feito, o lucro chegará. Em teoria.
Mas a empresa tem custos. Se não há lucro, de onde vem essa grana? De investimento externo, basicamente. Startups recebem dinheiro de fundos de venture capital, que esperam, lá na frente, colher os bons frutos do crescimento da startup. Prejuízos são esperados, mas, enquanto houver otimismo, pode-se esperar que novas rodadas de investimento segurarão as pontas.
Os problemas começam quando o otimismo é abalado. E o atual momento econômico leva os fundos de venture capital a repensar suas prioridades. Quando a inflação corre solta e os juros aumentam, colocar dinheiro numa empresa com potencial de ser lucrativa em algum momento futuro pode não ser a melhor das ideias.
Startups no mundo todo estão lidando com esse problema. As fontes de investimento estão fluindo menos do que antes. Medidas precisam ser tomadas, portanto, para lidar com os inevitáveis prejuízos. Daí as diversas notícias sobre demissões em massa realizadas por unicórnios ao longo do ano. Com menos acesso à capital, estas empresas – algumas avaliadas em bilhões de dólares – fazem o necessário para se segurar.
Nesse contexto, a situação para o lado das fintechs fica para lá de complicada, já que elas estão entre as startups que mais recebem aportes. Assim, torna-se necessário fazer ajustes para continuar operando. Entre eles, cortar alguns dos benefícios que antes atraíam tanto os usuários.
Recentemente, o C6 anunciou que sua tag de pedágio e estacionamento, antes gratuita, passará a ser paga. Já alguns usuários do cartão Black do Banco Inter não poderão mais utilizar salas VIP ilimitadamente. O Nubank, que estreou na Bolsa de Nova York o ano passado, mudou as regras da Nuconta; se antes o rendimento era diário, com 100% do CDI, agora é necessário aguardar 30 dias.
Os motivos são óbvios: os custos não param de subir, e estes benefícios consomem caixa. Além disso, a piora no quadro econômica provoca um aumento na inadimplência. Ou seja: fintechs recebem menos dos fundos de investimento e de seus próprios clientes. Assim, algumas das vantagens antes oferecidas precisam ser eliminadas.
Vale apontar que o Brasil conta com mais de mil fintechs. Após o boom de empolgação nos últimos anos, podemos estar chegando num momento de consolidação, em que apenas os mais aptos ficam de pé. E isso provavelmente significará aqueles que tiverem mais racionalidades na hora de oferecer seus serviços, lembrando que não se pode agir como startup para sempre.
A alta na inflação e nos juros e a desaceleração nos investimentos trazem incômodo às fintechs, assim como elas próprias, num passado próximo, trouxeram aos bancões. Nesse sentido, as fintechs estão testemunhando alguns dos problemas comuns aos bancões.
A inadimplência é um deles. Mas, quando se trata de uma instituição com décadas de história, e experiência de sobra acumulada de outras recessões e crises econômicas, quem provavelmente terá melhores condições de lidar com esse problema? Quem tem mais dinheiro em caixa para resistir, caso a situação piore?
Além da maior robustez, os bancões aprenderam algumas lições com seus competidores, passando também a oferecer contas digitais e cartões sem anuidade. Também melhoraram na parte de tecnologia: para muitas coisas, o aplicativo substituiu a agência.
E houve um outro acontecimento no meio do caminho que acabou contribuindo para “enfraquecer” as vantagens oferecidas por fintechs: o PIX. Se antes o TED gratuito era um grande diferencial, agora ele se torna obsoleto. Qualquer banco dá suporte a transferências gratuitas.
Mais tempo de estrada; expertise acumulada para lidar inadimplência, cobrança e concessão de crédito; recursos para investir em tecnologia; pensando em retrospecto, talvez seja um tanto óbvio que os bancões, hoje, não estejam tão na defensiva em relação às fintechs. Assim como o Instagram copiou recursos do Snapchat e manteve sua dianteira, as instituições financeiras mais antigas e consolidadas também fazem valer todo o seu poderio.
No Tecnocast 260, discutimos o atual momento para fintechs e bancos digitais, apresentando os principais problemas por elas enfrentados e as armas dos bancões para manter a supremacia. Não deixe de ouvir.
ASSINE | Você pode ouvir o Tecnocast no Spotify, Google Podcasts, Apple Podcasts, Pocket Casts, Castbox, Overcast ou no seu player favorito.
Leia | O que é Beyond Banking? Entenda como bancos querem atrair novos clientes