Troquei meu Android por um iPhone
Após mais de dois anos no Android, estou há três meses usando um iPhone
Depois de um ano e meio de uso, meu velho Galaxy Nexus estava pedindo para ser aposentado. O hardware se tornou obsoleto, a lentidão nos aplicativos mais novos estava incomodando e o Google deu a última facada no aparelho ao anunciar que não liberaria a atualização para o KitKat. Eu queria um smartphone novo e, após alguns dias de pesquisa, decidi mudar de plataforma e comprar meu primeiro iPhone.
Não sou exatamente novato no iOS, mas esta é a primeira vez que tenho um iPhone como smartphone principal; até então, minha experiência se restringia ao iPad. Pelo menos no meu caso, há uma grande diferença de uso: enquanto o tablet é usado para assistir a vídeos e ler textos com formatação complexa ou cheios de gráficos, que não ficam bons na tela e-ink do Kindle, o smartphone está sempre comigo por conta dos recursos de comunicação e funciona como um organizador de informações. É nele que salvo compromissos, anotações e gravações.
Então, apesar do iOS não ser uma plataforma totalmente nova para mim, considero esta uma alteração bastante significativa no meu dia a dia. E como toda mudança, a troca não foi a coisa mais fácil do mundo: ela trouxe boas surpresas, certas dificuldades e algumas reclamações. Neste artigo, conto como está sendo o processo de transição após três meses usando um iPhone 5s.
Por que um iPhone?
Quando publiquei um texto semelhante, detalhando minha mudança para o OS X após dez felizes anos usando Windows, citei vários motivos pelos quais considerava o MacBook Air uma compra melhor que outros notebooks considerando o meu perfil de uso. Eu queria escrever algo cheio de justificativas aqui, mas não há nenhum motivo especial para ter comprado um iPhone: eu simplesmente queria experimentar algo novo.
Após mais de dois anos usando Android sem grandes reclamações, cerca de seis meses sendo proprietário de um Windows Phone e tendo testado dezenas de aparelhos das duas plataformas nos últimos anos, só faltava a experiência com mais um dos três principais sistemas operacionais para smartphones do mercado.
Portanto, mesmo recomendando frequentemente um Moto X para colegas que procuram um bom smartphone, ou um Moto G para quem não quer gastar muito dinheiro, decidi comprar um iPhone 5s no início de dezembro. Como sou um adepto de serviços de streaming de músicas e uso pouco espaço, optei pelo modelo de 16 GB, o menos caro. A curiosidade por algo novo gerou um rombo de 2 mil reais, já considerando o desconto da operadora por ser cliente pós-pago.
Tem um app para isso
A variedade de aplicativos é um dos fatores mais importantes na hora de escolher uma nova plataforma. Para mim, na verdade, é o mais importante: um sistema operacional, por melhor que seja, fica atrás da concorrência quando não se tem um bom ecossistema. Os aplicativos e recursos nativos são feitos para atender razoavelmente bem a maioria dos usuários, mas a criatividade dos desenvolvedores é essencial para encher as lojas de aplicativos de boas alternativas e tornar um smartphone mais útil.
Isso fica bem claro para mim quando vejo minha primeira tela inicial, onde posiciono os aplicativos que mais tenho usado no iPhone. Dos 24 atalhos, apenas sete abrem aplicativos pré-instalados. Há 18 aplicativos nativos da Apple que estão escondidos em uma pasta e quase nunca são abertos, o que inclui o Mapas (uso Google Maps), Calendário (uso Fantastical), Mail (uso Mailbox), Música (uso Spotify) e Notas (uso Simplenote).
Quanto aos aplicativos, nenhuma decepção: assim como nas minhas primeiras impressões do OS X, há uma sensação de que os desenvolvedores do iOS dão mais atenção ao design das interfaces, o que parece ter se intensificado após o lançamento do iOS 7, que possui visual bem diferente das versões anteriores. Assim como os desenvolvedores parecem ter mais cuidado com suas criações, eles também parecem estar mais dispostos a cobrar pelo trabalho que no Android: os aplicativos mais conhecidos para iOS são pagos (e alguns deles são bem caros).
Ok, é mentira, houve uma decepção no início sim: eu sou um grande usuário de serviços do Google, então o Hangouts é uma das minhas principais formas de comunicação. Enquanto o Android possui integração perfeita com o Hangouts, o iOS tinha apenas um aplicativo com interface antiga e cheio de falhas. Felizmente, o Google atualizou o aplicativo para iOS recentemente e o tornou muito melhor.
Entre as boas surpresas do iOS estão aplicativos como o Tweetbot (US$ 4,99), cliente de Twitter que vale cada centavo; Ashes (US$ 7,99), leitor de RSS com suporte ao Fever; Fantastical (US$ 3,99), aplicativo de calendário com interface bonita e prática; iA Writer (US$ 4,99), um editor de texto que uso para escrever e revisar artigos longos e também possuo no Mac; e Mailbox, gerenciador de emails que usava no iPad e virou um dos aplicativos que mais uso no iPhone.
Apesar de não ser o sistema operacional móvel mais usado no mundo, boa parte dos desenvolvedores ainda prioriza a plataforma da Apple. Além de muitos aplicativos ainda chegarem primeiro ao iOS, atualizações que incluem novos recursos às vezes chegam apenas semanas ou meses depois em outras plataformas. O Paper ainda não tem previsão para sair do iPhone, o Plants vs. Zombies 2 demorou dois meses para aparecer no Android e o útil IFTTT ainda não possui aplicativo oficial para o robô verde, e estes são apenas alguns exemplos.
Por que isso ainda acontece? Alguns dizem que desenvolver para Android é mais complicado, já que há inúmeros aparelhos com hardware totalmente diferente um do outro. Outros afirmam que, apesar de possuir menos usuários, desenvolver para iOS é mais lucrativo, uma vez que proprietários de Android estariam menos dispostos a pagar por conteúdo. Seja como for, quando um novo aplicativo ou jogo badalado aparece, minha impressão é a de que donos de Android e Windows Phone ainda são tratados como cidadãos de segunda classe. Bom para quem usa iOS, certo?
O que nem todo mundo comenta
Nenhum produto é perfeito, e isso ficou ainda mais claro durante esses três meses usando um iPhone 5s. Há uma ideia bastante difundida de que o Android é um sistema operacional instável, algo que talvez tenha origem a partir das modificações por parte das fabricantes (que acabam acrescentando falhas) e de smartphones de baixo custo com hardware limitado. Pode ser que eu tenha sido premiado, mas a verdade é que achei o iOS pior que o Android nesse quesito.
O principal problema são as reinicializações automáticas, que acontecem sem motivo aparente: enquanto o aparelho está sobre a mesa, uma tela preta com a maçã da Apple aparece do nada. O iPhone 5s tem reiniciado sozinho em várias ocasiões, seja enquanto está descansando ou sendo usado: em uma das vezes, a tal tela preta apareceu assim que abri o aplicativo de câmera para tirar uma foto durante a Campus Party. Uma tarefa simples, que demoraria três segundos para ser feita, levou mais de um minuto.
Durante a Campus Party, o aparelho reiniciou religiosamente todos os dias. Como o evento é conhecido por ser bem quente e São Paulo bateu recordes de temperatura durante o mês de janeiro, havia até uma possibilidade de que um superaquecimento fosse o culpado pelas reinicializações. No entanto, não vi nenhuma vez o aviso de que o iPhone “precisa esfriar”, geralmente exibido nessas situações. Além disso, o problema aconteceu inclusive em Barcelona, durante a Mobile World Congress, onde as temperaturas giravam em torno dos 12ºC, mas apenas uma vez em uma semana.
As reinicializações aleatórias são um problema conhecido do iOS 7. A própria Apple reconheceu o defeito e havia prometido em janeiro uma correção de software para a falha. Mas, enquanto escrevo este parágrafo, com a última versão do iOS, continuo com um smartphone com preço sugerido de R$ 2.799 que reinicia sozinho. Será que cinco meses após o lançamento não foi tempo suficiente para encontrar uma solução?
Os aplicativos do iOS, apesar de parecerem mais bem cuidados e possuírem belas interfaces, foram tão ou mais instáveis que os do Android. Tanto aplicativos de terceiros (especialmente Mailbox, Ashes, Hangouts, Nike+ Move e Facebook) como nativos (Safari e o menu de ajustes) travaram e fecharam repentinamente algumas vezes ao dia durante esses três meses de uso. Para não ficar apenas em impressões pessoais, pesquisei a respeito e encontrei um estudo que corrobora minha experiência.
No entanto, as falhas dos aplicativos são tratadas de maneira diferente: o Android costuma exibir uma mensagem de erro informando que o aplicativo falhou, enquanto o iOS simplesmente encerra o aplicativo sem mais nem menos, mesmo comportamento adotado pelo Windows Phone. Google, Apple e Microsoft fazem vários testes antes de lançar um novo sistema operacional, então pode ser que a falta de mensagens de erro seja proposital, para causar menos frustrações ao usuário e passar a impressão de que há menos falhas. Pode até funcionar, mas é apenas um paliativo.
Atualização: o problema das reinicializações automáticas foi totalmente corrigido com a atualização para o iOS 7.1. Os aplicativos que anteriormente fechavam sozinhos se tornaram mais estáveis. De acordo com o Ars Technica, as falhas provavelmente estavam relacionadas ao chip A7 de 64 bits, que equipa não apenas o iPhone 5s, mas também o iPad Air e iPad mini com tela Retina. Outros aparelhos não sofriam do mesmo problema.
É preciso se adaptar
Uma das peculiaridades do iOS é que o usuário não precisa gerenciar arquivos, diferente do Android e de sistemas operacionais para desktops. No iOS, cada aplicativo possui seus próprios arquivos, que não podem ser acessados facilmente por outros aplicativos. Essa abordagem simplifica as coisas para o usuário comum, funciona bem com o conceito de sincronização do iTunes e pode ser positivo na maioria das vezes, mas é discutível.
Como os arquivos são do aplicativo e não do iOS, algumas tarefas se tornam mais complicadas do que deveriam. Por exemplo, ao receber documentos importantes por email, que necessitavam de consultas periódicas, eu frequentemente abria o cliente de email apenas para ver os arquivos posteriormente. Não é algo muito prático e, como o Mailbox limpa o cache de arquivos baixados regularmente, era necessário baixar os arquivos mais de uma vez. Consegui resolver o problema centralizando documentos importantes no ótimo Documents by Readdle.
No Android, bastava fazer download dos documentos e abri-los a partir de um gerenciador de arquivos ou de um aplicativo dedicado para isso, como um leitor de PDF. Além disso, se eu quisesse abrir os documentos em um computador, por exemplo, era só conectar o aparelho com um cabo ou transferi-los sem fio com aplicativos como o AirDroid.
O botão de compartilhamento do iOS foi outro problema: ele é bastante limitado. No Android, esse botão está presente nos principais aplicativos e serve como uma ponte entre eles. Isso significa que, enquanto eu estiver navegando pelo Chrome ou lendo um artigo no Press, posso salvar o texto no Pocket com dois toques para ler depois.
Por ser um sistema mais fechado, no iOS as opções de compartilhamento se limitam a redes sociais, email e mensagem. Para salvar um texto no Pocket pelo iOS, preciso instalar um nada prático bookmarklet no Safari, fazer uma gambiarra enviando o link por email ou copiar o link para a área de transferência e então abrir o Pocket. Não é a coisa mais complicada do mundo, mas poderia ser mais simples.
O que sinto falta
Os smartphones Android possuem várias interfaces diferentes devido às modificações das fabricantes, mas quase todas possuem um elemento em comum: permitem adicionar não apenas ícones de aplicativos, mas também widgets na tela inicial. Até a linha Nokia X, com uma interface extremamente modificada, que lembra muito mais o Windows Phone do que o Android, permite adicionar widgets. No iOS, não há widgets ou algo parecido.
Durante o tempo em que usei Android, eu nunca fui um usuário que enchia a tela de widgets, mas alguns eram bem úteis: o Google Agenda me mostrava os compromissos dos próximos dias, o Gmail me mostrava os últimos emails recebidos e o Google Keep me ajudava a manter a lista de tarefas e as anotações sob controle. Tudo isso sem abrir nenhum aplicativo: as informações estavam logo ali, na minha cara. O iOS até exibe algumas informações úteis na central de notificações, mas nada tão adaptável como no Android.
A App Store é superior ao Google Play em alguns pontos, como a quantidade e qualidade dos aplicativos, mas ainda carece de recursos. Não há como experimentar um aplicativo, por exemplo: para quem fez uma compra e se arrependeu, o processo de reembolso não é tão trivial e claro. No Android, posso testar um aplicativo por 15 minutos e desistir da compra. No Windows Phone, melhor ainda: a maioria dos desenvolvedores disponibiliza versões de teste, com algum tipo de limitação (funciona por alguns dias, possui anúncios ou não tem todos os recursos, por exemplo).
Além disso, a necessidade de abrir o aplicativo da App Store ou conectar o aparelho ao iTunes é uma ideia pouco prática quando comparado aos outros sistemas, que permitem instalar aplicativos apenas clicando em um botão na versão web da Play Store ou Windows Phone Store. Quando estou navegando em um site e leio uma recomendação de aplicativo, quero apenas apertar um botão e instalá-lo, não pegar o smartphone, abrir a App Store, fazer uma busca, tentar encontrar o aplicativo, tocar em um botão, digitar minha senha (ou colocar minha digital) e confirmar a instalação.
Entre os aplicativos, praticamente todos os que estão disponíveis para Android também possuem versão para iOS, mas o SwiftKey é o que mais gera saudades. A Apple não permite a instalação de teclados de terceiros que operem de maneira global, ou seja, que funcionem em todos os aplicativos. O SwiftKey levou algumas das tecnologias do teclado para Android ao iOS por meio do aplicativo de notas SwiftKey Note, mas os diferenciais só estão disponíveis nele.
O SwiftKey é um dos primeiros aplicativos que instalo quando testo um novo smartphone com Android. À primeira vista, ele pode não parecer tão diferente, mas o segredo está no autocorretor, que aprende à medida que você escreve e corrige palavras automaticamente de maneira extremamente eficiente. Como ele permite sincronizar o dicionário com a nuvem e possui a capacidade de aprender com o que você já digitou (através de emails do Gmail, posts no Facebook e tweets), hoje o SwiftKey praticamente adivinha o que vou escrever.
E o iPhone?
Enquanto o software tem seus problemas e dificuldades de adaptação, do hardware não tenho muito o que reclamar: o iPhone 5s é um aparelho fantástico. Ele tem o melhor acabamento que já vi em um smartphone, uma tela com qualidade impecável, uma câmera que tira fotos excelentes e um desempenho que ainda não notei em nenhum Android. Não é para menos: a Apple conseguiu desenvolver um ótimo processador e ainda tem a vantagem sobre os concorrentes de produzir tanto o hardware quanto o software, para extrair o máximo de desempenho possível.
O sensor de impressões digitais Touch ID é bastante útil no dia a dia. Pode parecer besteira, mas é difícil ter que voltar a digitar senhas para desbloquear o aparelho ou fazer compras na App Store depois de passar algum tempo simplesmente mantendo o dedo posicionado no botão Home. É bom saber que é possível manter os dados protegidos caso o aparelho caia em mãos erradas ao mesmo tempo em que desbloqueá-lo seja uma tarefa tão natural para o dono.
Meu único problema com o iPhone 5s talvez seja a bateria: para muita gente, ela é suficiente para aguentar um dia inteiro e chegar em casa com um resto de carga; para mim, mensagens de bateria fraca sendo exibidas antes do fim do dia (às vezes bem antes) são uma situação bastante comum. Há quem prefira smartphones finos; particularmente, prefiro aparelhos com baterias maiores, mesmo que isso signifique um aumento na espessura e no peso.
Mas pelo menos há um lado bom nessa história: com capacidade de apenas 1.560 mAh, carregar o iPhone 5s é extremamente rápido, seja pelo carregador de tomada, seja pela porta USB do notebook. Se a bateria não consegue durar o dia todo comigo, pelo menos não perco muito tempo deixando o smartphone carregando.
Vale a pena comprar um iPhone 5s? Pensando no custo-benefício, de maneira alguma: é possível adquirir excelentes smartphones com Android e Windows Phone pela metade do preço, de forma que atualmente não faz muito sentido gastar cerca de 3 mil reais por um celular. No caso da Apple, há também o problema dos preços abaixarem somente quando uma nova geração é apresentada, enquanto smartphones de outras fabricantes frequentemente aparecem em promoções por preços muito menores que os de lançamento.
Por outro lado, para quem quer comprar fora, ganhou um bom desconto da operadora ou simplesmente enjoou do aparelho atual, recomendo a compra: o iOS pode ter seus problemas e a bateria do aparelho poderia durar mais, mas o iPhone 5s é o melhor e mais equilibrado smartphone que já tive contato até o momento.