“Máfia” de 19 brasileiros vira alvo do FBI por fraude em contas da Uber

Quadrilha de brasileiros fraudava contas no Uber e em outras plataformas, e permitia que pessoas não autorizadas pudessem trabalhar como motoristas

Pedro Knoth
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Aplicativo da Uber (Imagem: Charles Deluvio/Unsplash)

Um integrante que faz parte de uma quadrilha de brasileiros nos Estados Unidos acusada de falsificar e vender contas em serviços de delivery e aplicativos de corrida, como Uber e Lyft, confessou na semana passada detalhes da operação da “Máfia” — nome dado ao grupo de WhatsApp criado pelos suspeitos. Flávio Cândido da Silva, 36, confirmou que recebeu cerca de US$ 200 mil por vender perfis falsos para motoristas que, caso contrário, não seriam aceitos pelas plataformas.

Segundo a investigação liderada pelo Federal Bureau of Investigations (FBI), Flávio e mais 18 brasileiros roubaram dados de vítimas e falsificaram documentos para criar identidades falsas e forjar contas em plataformas como Uber, Lyft, DoorDash — app de delivery popular nos EUA — e outros dois serviços de entrega não revelados.

De acordo com documentos reunidos pelo Departamento de Justiça dos EUA, os brasileiros usavam o WhatsApp para combinar preços que eram cobrados aos motoristas que usavam as contas falsas — para que a taxa de um não se sobrepusesse à de outro. O grupo no mensageiro foi criado em junho de 2020 por Priscila Barbosa, uma das brasileiras suspeitas de integrar o esquema e que residia em Massachusetts, no nordeste do país.

A quadrilha opera, contudo, desde janeiro de 2020, como apontam as autoridades. Quando a pandemia chegou, os brasileiros se adaptaram, e deixaram de exclusivamente falsificar identidades para Uber e Lyft para incluírem apps de delivery no esquema. O motivo é o impacto negativo que o surto do coronavírus teve no setor de transporte por aplicativo.

“Máfia” falsificou 2 mil contas de Uber e outros

A quadrilha de brasileiros fraudou pelo menos 2 mil identidades, segundo a investigação. Os criminosos pediam para tirar fotos de documentos das vítimas durante a entrega de bebidas, para “checar” a idade do cliente. Em outros casos, os motoristas que tinham as identidades falsas colidiam de propósito com o carro das vítimas, de modo a obter fotos da carteira de motorista e número de segurança social da pessoa.

A partir desses dados, os golpistas forjavam novas carteiras de motorista para pessoas que não seriam aceitas pelos aplicativos, ou que simplesmente não atendiam aos requerimentos para trabalhar formalmente nos EUA. Para que o documento parecesse mais realista, as imagens das vítimas eram editadas no Photoshop, o que driblava a checagem visual que Uber e Lyft usam para reconhecer o dono da conta. Outra fonte dos dados foi a dark web.

Como um resultado das fraudes, formulários de renda foram criados para os perfis falsos, em uma tentativa de também driblar a Receita dos Estados Unidos (IRS).

O dinheiro chegava direto na conta bancária dos golpistas a partir do sistema de comissão das plataformas de transporte e delivery. Priscila Barbosa chegou a enviar uma imagem ao grupo “Máfia” com o valor obtido a partir do golpe: US$ 194.800 através de 487 contas falsificadas. O montante era depositado pelas próprias empresas em sua conta do Bank of America.

Extrato bancário da brasileira que fazia parte de um esquema de fraude de contas da Uber (Imagem: Reprodução)

Quadrilha usava spoofing de GPS para aumentar preços

Para maximizar o lucro ilícito e enganar o sistema de taxas dos aplicativos de delivery, os brasileiros usavam um spoofing de GPS, para fazer com que a entrega parecesse próxima demais, aumentando a taxa do pedido. No caso de Uber e Lyft, a tática era feita para aumentar o trajeto de uma viagem e, junto, o custo do serviço.

Em complemento ao spoofing para GPS, a quadrilha chegou a comprar bots para usar no esquema. Esses softwares faziam uma leitura automática das contas falsas criadas para obter pagamentos, aumentando o lucro.

Em maio deste ano, o Departamento de Justiça dos EUA indiciou todos os 19 brasileiros acusados por conspirarem a favor da falsificação de identidades. Cândido da Silva confessou o crime; ele também revelou o lucro obtido a partir do esquema, entre junho de 2019 e dezembro de 2020: cerca de US$ 200 mil.

O brasileiro ainda contou às autoridades que direcionou dados de contas falsificadas aos colegas da quadrilha, e que ajudou a impedir as plataformas de deletarem os perfis enganosos.

O FBI foi acionado porque o grupo não atuava apenas em Massachusetts, mas tinha membros do outro lado do país, na Califórnia, e ainda na Flórida. Três suspeitos continuam foragidos, segundo o Departamento de Justiça.

O crime de conspiração para cometer fraude pode levar os brasileiros a cumprirem 20 anos de prisão, três anos de liberdade sob custódia e ao pagamento de uma multa que pode chegar a US$ 500 mil, a depender do prejuízo ou lucro oriundo do esquema criminoso. O roubo de identidade é classificado como um agravante que leva a dois anos de reclusão, independentemente da sentença. Cândido da Silva será julgado pela Corte Federal do Distrito de Massachusetts em abril de 2022.

Uber e Lyft ajudaram FBI contra “máfia” de brasileiros

Para descobrir o esquema, o FBI não agiu sozinho. Agentes federais tiveram a ajuda das próprias plataformas usadas pela quadrilha de brasileiros.

Em um e-mail ao site The Record, a Uber confirmou que seu time global de Investigações identificou o esquema de fraude em 2020, e acionou a Justiça após descobri-lo. Essa equipe da empresa é liderada por um ex-agente especial do FBI em Boston, Vince Lisi.

Uber e Lyft auxiliaram nas investigações do FBI contra a quadrilha brasileira que operava nos EUA (Imagem: Thought Catalog/ Unsplash)

O time de Investigações de Lisi começou a rastrear as atividades da quadrilha em tempo real, e conseguiu repassar informações para a investigação feita pelo governo. Dessa forma, foi possível mapear elementos da rede criminosa espalhados pelos EUA.

Outra plataforma afetada foi a Lyft. A empresa, rival do Uber, também montou uma equipe especial para colaborar com a investigação da Justiça. Ao site Marketwatch, a companhia disse:

“A segurança da plataforma Lyft é nossa maior prioridade e nós trabalhamos junto ao Departamento de Justiça durante a investigação. A empresa tem um número de recursos para prevenir e detectar essa categoria de comportamento fraudulento, e nós estamos continuamente trabalhando para melhorar esses sistemas de verificação.”

A Lyft acrescentou que um desses recursos para prevenir fraudes é a exigência de uma foto da licença e uma foto do rosto em tempo real. A Uber não enviou um posicionamento atualizado, após a confissão de Cândido da Silva.

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Pedro Knoth

Pedro Knoth

Ex-autor

Pedro Knoth é jornalista e cursa pós-graduação em jornalismo investigativo pelo IDP, de Brasília. Foi autor no Tecnoblog cobrindo assuntos relacionados à legislação, empresas de tecnologia, dados e finanças entre 2021 e 2022. É usuário ávido de iPhone e Mac, e também estuda Python.

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