Criminosos expulsam operadoras para vender internet precária em comunidades
No Rio de Janeiro e em outras cidades, criminosos têm uma nova "mina de ouro": o controle do acesso à internet em comunidades
Em cidades do interior ou em bairros periféricos, pequenos provedores são a salvação de quem precisa de internet banda larga. Mas, em muitas localidades, esse tipo de serviço fica nas mãos de criminosos, sobrando pouco ou nenhum espaço para provedores legítimos. Isso vem acontecendo em comunidades do Rio de Janeiro e de outras cidades.
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Empresas de telecomunicações legítimas até tentam oferecer seus serviços nessas localidades, mas, com frequência, são expulsas ou impedidas de instalar a infraestrutura necessária para isso. É o que conta a Reuters.
Um exemplo vem do Morro da Formiga, localizado na zona norte do Rio de Janeiro. Gabriel Ferrando, policial civil que vem investigando a atuação de provedores ilegais na cidade, afirma que chegou a questionar um técnico da TIM sobre queixas de falta de acesso à internet na comunidade. O funcionário respondeu que homens armados o expulsaram e disseram para ele não voltar ao local.
Não demorou para Ferrando descobrir o motivo: um novo provedor de internet se instalou na comunidade usando, para isso, equipamentos que seriam roubados, incluindo alguns da própria TIM. Os moradores locais passaram, então, a ter apenas duas opções: assinar o serviço do novo provedor ou ficar sem acesso à internet.
O caso do Morro da Formiga não é isolado. Entrevistas feitas pela Reuters com autoridades e executivos de empresas de telecomunicações mostram que esse tipo de ação do crime organizado tem ganhado força em várias comunidades e não se limitam ao Rio de Janeiro.
Para os moradores das regiões afetadas, o problema não chega a ser surpresa. Em muitas comunidades, criminosos já dominavam serviços de entrega de gás ou água, ou de transporte público, por exemplo.
O agravante no “negócio” de acesso à internet é que esse tipo de serviço é mais complexo, o que significa que os moradores ficam mais sujeitos a conexões instáveis ou a interrupções.
Havendo boa qualidade na prestação do serviço ou não, esses provedores tendem a ser rigorosos na cobrança da mensalidade. Um morador do bairro Campo Grande, também no Rio de Janeiro, contou à Reuters que um cobrador bate à sua porta todo mês para receber a mensalidade de R$ 35, que deve ser paga em espécie, não podendo haver atrasos.
Modus operandi dos provedores piratas
As investigações da polícia mostram que os provedores ilegais seguem um padrão com três passos principais para dominar a prestação de serviços de internet em comunidades.
O primeiro consiste em roubar ou vandalizar equipamentos de operadoras tradicionais para interromper os serviços oferecidos por elas. No segundo passo, criminosos ameaçam os técnicos enviados ao local para que o reparo não seja feito.
Por fim, provedores regionais que têm ligação com os criminosos se instalam nesses locais, muitas vezes fazendo uso da infraestrutura deixada pelo provedor “expulso”. Também não é raro que funcionários de operadoras legítimas contribuam para isso repassando, indevidamente, equipamentos e conhecimento técnico.
Operadoras pedem ação das autoridades
Marcos Ferrari, presidente da Conexis (entidade que representa empresas de telecomunicações no Brasil), comentou que o setor vem sofrendo com uma série de ações criminosas, incluindo vandalismo, roubo e, como já ficou claro, “expulsão” de territórios. Para o executivo, as autoridades precisam “combater este tipo de ação criminosa”.
Se em escala suficiente ou não, esforços para isso já existem. No caso do Morro da Formiga, um provedor de nome JPConnect vem sendo investigado. Em uma operação na sede da empresa realizada em janeiro, os policiais encontraram equipamentos que pertenciam às operadoras TIM, Oi, Claro e Telefônica Brasil (Vivo).
Outra empresa na mira da polícia, novamente no Rio de Janeiro, é a Net&Com. A polícia investiga se o provedor pagou criminosos ligados ao Comando Vermelho para obter ajuda no controle de serviços de acesso à internet em comunidades carentes da região metropolitana.
Eberthe Vieira de Souza Gomes, advogado que representa um dos controladores da JPConnect, disse à Reuters que as operações da empresa são legais e que ela ganhou mercado ofertando um produto de qualidade.
Já Pedro Santiago, advogado da Net&Com, disse que o provedor é “vítima de uma caça às bruxas” e que não há, nas escutas telefônicas feitas pela polícia, indícios de vínculo com criminosos.
O fato é que o problema está longe do fim. Um levantamento realizado pela Oi aponta que, em 2016, provadores legítimos encontravam restrições em 105 áreas do Rio de Janeiro. Em 2019, esse número quadriplicou. Tudo indica que a situação atual é ainda mais grave.