A bagunça das chamadas por 4G no Brasil e os desafios do VoLTE

Tecnologia VoLTE permite usar 4G para chamadas com voz em HD; padrão ainda engatinha no Brasil, mesmo após nove anos da estreia da quarta geração no país

Lucas Braga
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• Atualizado há 11 meses
Sem ampla adoção das operadoras, VoLTE é uma bagunça no Brasil
Sem ampla adoção das operadoras, VoLTE é uma bagunça no Brasil (Imagem: Guilherme Reis / Tecnoblog)

Seu smartphone serve para muita coisa: acessar redes sociais, usar aplicativos de banco, conversar com amigos no WhatsApp e até mesmo fazer ligações. Mas existe um grande problema: as operadoras do Brasil ainda não se adequaram completamente para a tecnologia VoLTE, que permite fazer chamadas tradicionais usando a rede 4G.

Trata-se de um tema delicado, visto que apenas uma grande operadora nacional adotou a tecnologia de forma massiva e as demais teles ainda dependem da rede 3G ou 2G para entregar chamadas aos seus clientes em muitas regiões. Em um momento em que Claro, TIM, Vivo e regionais se preparam para lançar o 5G, o VoLTE ainda é uma bagunça no Brasil.

O que é e por que usar VoLTE

O LTE foi desenvolvido de forma diferente em comparação com as demais tecnologias móveis. Na especificação original, o 4G foi pensado exclusivamente para transmissão de dados em alta velocidade. Padrões mais antigos como 2G ou 3G tinham dois métodos de transmissão: por circuito, que carregava o tráfego de voz, e por pacotes, para o tráfego de internet.

Mulher utilizando celular para chamadas. Foto: Vinzent Weinbeer/Pixabay
VoLTE será necessário para chamadas de voz no futuro (Imagem: Pixabay)

A tecnologia VoLTE resolve o problema da ausência do circuito de voz na quarta geração. Grosso modo, o padrão transforma as ligações tradicionais em VoIP e permite que o smartphone se conecte apenas à rede 4G para transmissão de dados e voz.

Isso traz algumas vantagens, como maior economia de bateria dos dispositivos, melhor qualidade da ligação e maiores velocidades de internet. Parece ótimo, mas, na prática a maioria dos brasileiros está longe de aproveitar os benefícios das chamadas via 4G.

Uma operadora que não oferece VoLTE acaba prejudicando a experiência do usuário, que poderia desfrutar de um serviço muito melhor. Nesses casos, o smartphone precisa se desconectar do 4G e rebaixar para o 3G ou 2G ao fazer e receber ligações convencionais.

É uma vergonha que isso aconteça mesmo após nove anos da estreia do 4G no Brasil. 🤡

As operadoras brasileiras na fila do pão do VoLTE

Temos quatro grandes operadoras nacionais no Brasil: Claro, Oi, TIM e Vivo. Delas, três possuem VoLTE, mas nem todas dão a mesma importância para o padrão que permite fazer ligações por 4G.

Essa matéria não aborda a Oi Móvel (que não tem nenhum traço de VoLTE, por sinal). A operadora foi vendida para Claro, TIM e Vivo, e os clientes serão divididos entre elas.

TIM parece ser a única que liga de verdade para o VoLTE

A TIM é, de longe, a operadora mais avançada no VoLTE no Brasil. O diretor de tecnologia da operadora, Leonardo Capdeville, conversou com o Tecnoblog e revelou que a operadora possui a tecnologia ativa em 4.770 mil municípios.

A TIM começou com a implementação do VoLTE em larga escala em 2019, e o executivo explica que o grande desafio está relacionado a cobertura.

“Nós tínhamos como visão fazer uma cobertura muito extensa usando a frequência de 700 MHz, implantada no 4G. Para o cliente se beneficiar dessa rede, ele precisava permanecer no 4G, tanto para dados como também para voz.

Não adianta estender a cobertura 4G para dados se, quando o cliente fosse fazer uma chamada de voz, voltasse para o 3G.”
Leonardo Capdeville, CTIO da TIM

A faixa de 700 MHz é muito importante para as operadoras: por se tratar de um espectro baixo, a penetração do sinal é muito maior em comparação com 1,8 GHz, 2,1 GHz ou 2,6 GHz. A TIM considera a frequência como primordial para uso do VoLTE, justamente pela maior cobertura:

“Para ter o VoLTE, você tem que ter a garantia de cobertura contínua no 4G. Se chamo no VoLTE, não tenho uma cobertura contínua e estou em deslocamento, vai cair do VoLTE e ir para a rede 3G.

O problema não é só a mudança do 4G para o 3G. Você sai da chamada de voz que está trafegando em dados para uma conexão de circuito.”
Leonardo Capdeville, CTIO da TIM

Leonardo Capdeville, CTIO da TIM Brasil (foto por Ismar Ingber)
Leonardo Capdeville, diretor de tecnologia da TIM (Imagem: Ismar Ingber/Divulgação)

Na prática, a transição de chamadas VoLTE para ligações de circuito é possível. No entanto, Capdeville afirma não ser o ideal:

“A eficiência é muito ruim, é muito baixa. Em média, de cada 100 handoffs (transferências) de chamadas entre redes 4G para 3G ou 2G, 20% caem. Ter esse índice de ineficiência é muito ruim para a percepção do cliente.”
Leonardo Capdeville, CTIO da TIM

Mesmo sendo a operadora com VoLTE mais abrangente, a adesão ao padrão não é tão expressiva. O executivo revela que 96% do volume de dados trafegado pela TIM ocorre na rede 4G, mas cerca de 60% das chamadas passam pela rede de quarta geração. Com mais de 99% dos municípios aptos a utilizar o padrão, Capdeville ressalta que nem todos os aparelhos são compatíveis — especialmente modelos antigos ou de entrada.

De qualquer forma, a ampla adoção ao VoLTE deixa a TIM em posições mais confortáveis. A operadora firmou um compromisso com a Anatel para levar 4G a todos os municípios brasileiros até 2023; a adesão massiva ao padrão permite que ela mantenha apenas a tecnologia LTE em alguns municípios, sobretudo nas regiões atendidas por antenas alimentadas por energia solar e conexão via satélite.

Vivo tem VoLTE, mas restringe planos e cidades

A segunda operadora que dá mais importância para VoLTE no Brasil é a Vivo. Segundo o site da empresa, consultado em março de 2022, a tecnologia está disponível em 1.268 municípios de 20 estados, incluindo o DF. Praticamente a metade se concentra em São Paulo, onde 624 localidades podem fazer chamadas pelo 4G.

Site da Vivo informa sobre disponibilidade da tecnologia VoLTE
Site da Vivo informa sobre disponibilidade da tecnologia VoLTE (Imagem: Reprodução)

A Vivo ainda não levou o VoLTE tão a sério como a TIM e operadoras de outros países. Alguns estados ainda nem possuem a tecnologia; outros, como o Rio de Janeiro, possuem apenas quatro municípios compatíveis com chamadas via 4G.

Outro grande problema da Vivo é a disponibilidade do serviço: quem utiliza o plano digital Vivo Easy, por exemplo, não está apto a utilizar a tecnologia VoLTE, enquanto pós-pago, controle e pré-pago podem ativar o padrão.

O Tecnoblog entrou em contato com a Vivo e enviou uma série de perguntas, mas a operadora se limitou a enviar o seguinte posicionamento:

“A Vivo informa que mantém em seu site uma página com informações claras sobre a tecnologia, aparelhos compatíveis, mapa de cobertura, além de um perguntas e respostas completo.”
Vivo

🤡

Claro: tem ou não tem VoLTE?

Quando se trata da tecnologia VoLTE, a Claro é operadora nacional mais atrasada entre as duas grandes concorrentes. Em seu site, as únicas referências para a tecnologia estão nos manuais de poucos aparelhos da Samsung, como o Galaxy S21+ 5G:

Manual da Claro menciona VoLTE restrito a clientes do pós-pago (Imagem: Reprodução)

As primeiras aparições da tecnologia VoLTE pela Claro surgiram em março de 2019, quando uma atualização para o iPhone liberou as chamadas por 4G nos ajustes de operadora. Naquela época, a tele informou que realizava testes com a tecnologia e que o serviço “poderia” estar disponível em algumas regiões do país.

De lá pra cá, pouco (ou nada) mudou, e a operadora não divulga nenhuma informação sobre a tecnologia. O que sabemos é que apenas alguns clientes de planos pós-pagos conseguem usar VoLTE em poucas cidades dos DDDs 11, 21 e 24.

O Tecnoblog enviou uma série de perguntas para a Claro sobre o VoLTE, mas a operadora não respondeu no prazo estabelecido.

A (falta de) compatibilidade de smartphones com VoLTE

Por se tratar de um padrão de ligações via rede de dados, o funcionamento de chamadas VoLTE é um pouco mais complexo e pode exigir a disponibilidade da tecnologia e configurações avançadas nos aparelhos.

Ícone de VoLTE no Samsung Galaxy S21
Ícone de VoLTE no Samsung Galaxy S21 (Imagem: Lucas Braga / Tecnoblog)

Em redes GSM e 3G, basta colocar o chip no celular e discar normalmente. No VoLTE é mais complicado:

  • alguns smartphones simplesmente não possuem o padrão disponível, mesmo modelos recentes comercializados pelo varejo nacional. A linha Galaxy M da Samsung, por exemplo, não oferece suporte a VoLTE de acordo com as listas das operadoras;
  • existem relatos de usuários de smartphones importados da Xiaomi e outras fabricantes fora da tríade Samsung-Motorola-Apple que não conseguem utilizar o VoLTE mesmo com a tecnologia ativada, como se existisse alguma restrição imposta pela operadora.

Perguntei para Claro, TIM e Vivo acerca da relação com fabricantes e habilitação do VoLTE e restrições à aparelhos.

A TIM respondeu:

“Nós sempre fazemos testes dos aparelhos que vendemos. Todos que estão na loja da TIM foram certificados no laboratório, testamos tudo, mas existem aparelhos que vem pelo varejo e não fazemos os mesmos testes.

Nunca encontramos um problema seríssimo de um terminal que não homologamos, que tivesse suporte a VoLTE e não conseguisse usar na rede.”
Leonardo Capdeville, CTIO da TIM

Claro e Vivo não responderam às perguntas do Tecnoblog.

As dificuldades se as operadoras não adotarem VoLTE

Por enquanto, a ausência do VoLTE não parece ser um grande problema para disponibilidade da telefonia celular no Brasil. No entanto, algo me preocupa para os próximos anos: operadoras de diversos lugares do mundo terão apenas redes 4G ou superior, sem qualquer disponibilidade de 3G ou 2G para chamadas de voz.

Winity II e cobertura em estradas

Uma das grandes novidades do leilão do 5G é a Winity II, uma nova operadora de telefonia móvel que irá atuar em todas as regiões do Brasil. Um dos compromissos firmados pela entrante é cobrir 36 mil km de estradas com sinal de celular, que deverão ser compartilhados com as demais concorrentes.

Antena da TIM cobre trecho de estrada em General Salgado/SP (Imagem: Reprodução/TIM)
Antena conectada via satélite cobre trecho de estrada em General Salgado/SP (Imagem: Reprodução/TIM)

Parece ótimo, mas tem um detalhe: a Winity II arrematou espectro em 700 MHz e deverá manter rede 4G. Sendo assim, a única forma de fazer chamadas tradicionais por essa rede será através da tecnologia VoLTE.

“Ah, mas você pode fazer chamada pelo WhatsApp!”. Experimenta ligar para polícia, ambulância ou bombeiros via aplicativo? Não dá.

Roaming internacional em risco

O desligamento das redes antigas ainda parece estar distante no Brasil, mas em outros países a realidade pode ser diferente. Nos Estados Unidos, por exemplo, a AT&T desativou a rede 3G em fevereiro de 2022, enquanto a T-Mobile ficará apenas com 4G e 5G a partir de julho.

Essa medida pode afetar turistas que viajam ao país, que ficarão sem a possibilidade de fazer e receber chamadas de voz. Até o momento, Claro, TIM e Vivo não possuem tecnologia para uso de VoLTE em roaming internacional.

Por sinal, a Claro bateu na trave no VoLTE em roaming internacional:

  • em fevereiro de 2022, a operadora havia atualizado seu site com a informação de que seria possível usar VoLTE na rede da AT&T, com uma lista de dispositivos compatíveis e instruções de configuração. O portal ainda alertava que o VoLTE na rede da T-Mobile estaria disponível a partir do segundo semestre.
  • em março, a Claro removeu a informação anterior do seu site e passou a alertar para a impossibilidade do uso de voz nos Estados Unidos pela rede da AT&T, que seria suportado na rede da T-Mobile até o desligamento em julho. Como alternativa, a operadora diz que os clientes poderão realizar chamadas por aplicativos como WhatsApp e Skype — como se essa solução fosse realmente substitutiva.

O Tecnoblog perguntou para a Claro o porquê do recuo, mas a operadora não respondeu. Também perguntamos para TIM e Vivo sobre o apagão no roaming, e apenas a tele italiana informou que faz testes com VoLTE para uso no exterior.

VoLTE permite chamadas em HD, porém depende

Um dos atributos mais legais do VoLTE é a possibilidade de fazer chamadas com qualidade muito superior em comparação com as redes 2G e 3G. A utilização de codecs mais modernos permite a voz em HD, mas ainda há muito o que fazer para que isso se torne uma realidade para todos.

Chamada via VoLTE indica uso de voz HD
Chamada via VoLTE indica uso de voz HD (Imagem: Lucas Braga / Tecnoblog)

Atualmente, TIM e Vivo dizem ter suporte a voz em HD, e para que a chamada tenha alta qualidade é necessário que ambos os aparelhos utilizem a tecnologia. Mas tem outro detalhe: ainda não existe interconexão de diferentes operadoras para VoLTE no Brasil.

O executivo da TIM explica:

Eu precisaria ter uma interconexão em VoLTE para que os dois smartphones ativassem o codec em HD. Isso a gente ainda não tem. Quando ligo para alguém que usa Vivo, por exemplo, vou utilizar as rotas de interconexão entre diferentes operadoras. Essas rotas ainda utilizam circuitos, o que leva a qualidade para baixo.
Leonardo Capdeville, CTIO da TIM

Perguntei se existe algum tipo de conversa entre as operadoras para ter interconexão em maior qualidade:

Ainda não. Nós poderíamos ter começado a conversar, mas não fizemos porque do outro lado o VoLTE ainda é muito limitado. Eu não sei se você tem conversado com as outras operadoras, mas elas não dão a mesma relevância para o VoLTE.
Leonardo Capdeville, CTIO da TIM

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Lucas Braga

Lucas Braga

Repórter especializado em telecom

Lucas Braga é analista de sistemas que flerta seriamente com o jornalismo de tecnologia. Com mais de 10 anos de experiência na cobertura de telecomunicações, lida com assuntos que envolvem as principais operadoras do Brasil e entidades regulatórias. Seu gosto por viagens o tornou especialista em acumular milhas aéreas.

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