Na quinta-feira (16), Mark Zuckerberg publicou um textão. Mas um textão diferente daquilo que ele está acostumado a divulgar. O criador do Facebook usou cerca de 6 mil palavras para explicar a sua visão de que o caminho para um mundo melhor é a criação de uma comunidade global capaz de promover a paz, reduzir a pobreza, incentivar pesquisas científicas, essas coisas. É claro que a ideia é usar o Facebook para construir essa tal comunidade.
Zuckerberg afirma que o Facebook não é meramente uma empresa de tecnologia ou mídia, mas, acima de tudo, uma comunidade. As pessoas usam o serviço para diversos fins, inclusive ajudar e receber ajuda. Mark dá como exemplo o caso de uma mulher de nome Christina que encontrou em um grupo de mais de 2,4 mil pessoas o apoio necessário para enfrentar uma doença grave chamada epidermólise bolhosa (por acaso, falamos dessa doença aqui).
Esse espírito colaborativo é o que Zuckerberg quer intensificar no Facebook para resolver os problemas que afligem o mundo. Para tanto, ele se comprometeu a construir uma “infraestrutura social” que motivará os usuários da rede social a criarem grupos altruístas ou se unirem aos já existentes.
Mark Zuckerberg frisa que essa infraestrutura estará centrada em cinco tipos principais de comunidades:
- Comunidade solidária: os grupos que apoiam uma causa nobre, uma instituição ou um indivíduo;
- Comunidade segura: grupos que mobilizam pessoas para atuar em situações de crise — na reconstrução de um lugar atingido por desastres naturais ou na prevenção de atentados terroristas, por exemplo;
- Comunidade informada: grupos engajados na disseminação de informações consistentes. Na prática, é uma tentativa de combater notícias falsas;
- Comunidade civicamente engajada: uma extensão do primeiro tipo de comunidade, mas focada em processos políticos, fortalecimento da democracia e afins;
- Comunidade Inclusiva: a ideia aqui é fazer o Facebook ser usado para que os usuários reconheçam pessoas de todas as partes do planeta, independente de cultura, ideologia, religião, etc.
Todos esses tipos de comunidades (se você acha que essa palavra já apareceu demais aqui, tem que ver no discurso — mais de 100 vezes) já existem, mas Zuckerberg acredita que é necessário reforçá-las porque o processo de globalização que temos hoje deixa muita gente para trás.
Ainda na visão dele, esse “abandono” faz grupos que se sentem desprezados ou desesperançosos entenderem a globalização como um malefício, gerando movimentos antiglobalização em várias partes do mundo.
Mas é exatamente o contrário que precisamos buscar, segundo Mark: com a conexão global fica mais fácil combater desastres ambientais, ações terroristas, conflitos civis e por aí vai.
Mas é bom deixarmos o desconfiômetro ligado. O manifesto de Mark Zuckerberg, como o textão está sendo chamado, é muito bonito, repleto de positividade e bastante focado em generosidade. Mas as questões sociais apontadas ali envolvem várias circunstâncias. Não dá para tratá-las com tanta simplicidade.
Além disso, o que Zuckerberg propõe é, de modo geral, uma nova versão da globalização, digamos assim. Mas quão seguro é confiar a base desse engajamento global a uma empresa? Ainda que Mark seja bem-intencionado, o que garantirá que essa nova infraestrutura social não será manipulada para atender a interesses obscuros?
No fundo, o manifesto está mais para a descrição da estratégia que traçará o futuro do Facebook. É como se fosse uma tentativa de vender a imagem de uma organização do bem. Nesse contexto, “comunidade” soa muito melhor que “corporação”.
Um sinal de que houve grande preocupação de fazer o discurso passar uma imagem positiva é que o texto publicado por Zuckerberg não é o original. Horas antes da publicação, o manifesto foi divulgado pela Associated Press. A versão da agência tem um parágrafo que não está presente no texto que aparece no Facebook.
O trecho aborda o uso de inteligência artificial no monitoramento de mensagens (públicas e privadas) trocadas dentro do Facebook no intuito de identificar ações terroristas, bullying e outras ameaças.
Certamente, alguém do Facebook, sabendo que esse monitoramento é polêmico por ferir normas de privacidade, achou que seria uma boa ideia remover essa parte do manifesto. O mesmo parágrafo informa que essa tecnologia já está sendo desenvolvida, mas levará algum tempo para ficar pronta. É como se o Facebook tivesse deixado escapar algo que deveria ser segredo.