O imposto sobre serviços de streaming como Netflix e Spotify é inconstitucional?

Há quem defenda que sim. Advogados questionam se a disponibilização de conteúdo é (ou não) um serviço.

Jean Prado
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• Atualizado há 1 ano
A Netflix oferece aos assinantes acesso a um acervo de filmes e séries. Isso é um serviço?

Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei complementar que estendia a cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS) para os serviços que oferecem conteúdo pela internet, como streaming de música (Spotify) e filmes (Netflix). Há quem defenda, no entanto, que essa extensão do imposto é inconstitucional.

Antes de explicar o porquê, é preciso entender como funciona a cobrança do ISS: ele foi estabelecido na lei complementar 116/2003 e define os serviços que devem ser taxados. A lei proíbe que os municípios isentem ou reduzam o ISS para não haver vantagem de um município em detrimento de outro.

O projeto de lei complementar 366/2013 é de autoria do senador Romero Jucá (PMDB) e propõe justamente algumas alterações na lei complementar 116/2003, como a tributação de serviços de streaming, como Netflix e Spotify. Observe no art. 3º:

1.09 – Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS).

Originado no Senado, o projeto de lei foi para a Câmara dos Deputados para revisão, sofreu emendas e alterações (como a remoção da tributação do desenvolvimento de programas) e agora volta ao Senado para uma segunda votação ― que ainda não aconteceu. Caso ele seja aprovado, só precisará da sanção da presidente Dilma Rousseff para entrar em vigor.

Inconstitucional ou não?

Quem acredita que essa medida é inconstitucional argumenta que, apesar da primeira linha dos termos de uso da Netflix a definir como “serviço de assinatura online”, a empresa não pode ser considerada um serviço do ponto de vista jurídico. Observe o que diz o texto que originou o questionamento, publicado por um advogado no JusBrasil:

Do ponto de vista jurídico, um serviço é uma obrigação de fazer, ou seja, um acordo mediante o qual alguém se compromete a fazer algo para outra pessoa. Assim, um médico que realiza uma consulta, certamente presta um serviço. Um advogado que elabora uma petição também. O mesmo ocorre com um publicitário contratado para elaborar uma campanha publicitária.

Dessa forma, como defende o texto, não é como se a Netflix fosse paga para oferecer um serviço. O que ela faz, basicamente, é dar acesso a um conteúdo alocado em um certo servidor, com essa transmissão feita pela internet. O texto ainda defende que a Netflix faz mais uma locação digital de seu conteúdo do que a oferta de um serviço.

O ISS já foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de atuar sobre operações parecidas, como a locação de bens móveis. “Locar algo é disponibilizar algo, não realizar um serviço”, segundo Bruno Barchi Muniz, autor do texto no JusBrasil e advogado da LBM Advogados.

O que é um serviço, afinal?

Para obter uma visão mais aprofundada do assunto, conversei com Renata Ciampi, especialista em direito digital e tecnologia e advogada do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados.

Definitivamente, do ponto de vista jurídico, o serviço é uma obrigação de fazer. Dessa forma, para a advogada, o que a Netflix disponibiliza não é um serviço: ela apenas te dá o acesso a uma base de dados, como se uma locadora te desse o acesso (antigamente, de forma física) a um acervo de filmes e séries. “Essa disponibilização eu entendo que não é um serviço”, diz.

Ciampi também mencionou a proibição do STF da atuação do ISS pela locação de bens móveis. Segundo a mais alta instância do poder judiciário, a locação de um bem móvel não é um serviço, então não pode ser taxada como tal.

A extensão do ISS para ferramentas de streaming seria inconstitucional, portanto, já que a Constitução prevê a criação do imposto sobre serviço para um serviço de qualquer natureza. Considerando que a disponibilização de conteúdo não é um serviço, ela também não poderia ser tributada pelo ISS.

O Spotify oferece acesso a um enorme acervo de músicas.
O Spotify oferece acesso a um enorme acervo de músicas.

Como esse projeto de lei foi aprovado na Câmara, então? Segundo Ciampi, não é incomum a criação de tributações que depois não chegam a valer. “Quase todos os dias impostos inconstitucionais são criados, que depois são derrubados pelo judiciário. Empresas que se sentirem prejudicadas com a criação do tributo podem entrar com medidas judiciárias para derrubá-lo. Há subsídios e respaldos para defender os dois lados”, explica.

Aproveitei para questioná-la se a alta do dólar, que já chegou a R$ 4,14 nesta quarta-feira (23), pode influenciar diretamente na mensalidade de serviços como Netflix e Spotify. Segundo ela, como é estabelecido um preço fixo para acessar um conteúdo, a flutuação de câmbio não interfere tanto como um imposto. “Um tributo novo impacta mais que a alta do dólar, porque é um valor mais alto”, esclarece.

Entrei em contato com a assessoria da Netflix e do Spotify para obter o posicionamento das empresas sobre a extensão do ISS para suas respectivas áreas de atuação. Este post será atualizado quando obtivermos uma resposta.

Atualização em 23/08/2015 às 14h30. Em resposta ao Tecnoblog, a assessoria de imprensa do Spotify afirmou que não comenta decisões que ainda não foram tomadas. No momento certo, a empresa disse que falará sobre o assunto. A assessoria de imprensa da Netflix também afirmou que a empresa não tem comentário sobre o assunto.

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Jean Prado

Jean Prado

Ex-autor

Jean Prado é jornalista de tecnologia e conta com certificados nas áreas de Ciência de Dados, Python e Ciências Políticas. É especialista em análise e visualização de dados, e foi autor do Tecnoblog entre 2015 e 2018. Atualmente integra a equipe do Greenpeace Brasil.

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