Múltipla personalidade? Como nos adaptamos a cada rede social

Reclama sobre tudo no Twitter, mas a vida no Instagram é um verdadeiro conto de fadas? Entenda se uma pessoa pode mesmo “mudar de personalidade” em cada rede social

Ana Marques
Por
• Atualizado há 11 meses
Especial: Múltipla personalidade? Como nos adaptamos a cada rede social
Múltipla personalidade? Como nos adaptamos a cada rede social (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)

Se você usa diversas redes sociais no dia a dia, já deve ter notado as características comportamentais mais marcantes da base de usuários em cada uma delas. Reclamar no Twitter é tão bem socialmente aceito quanto dar bom dia e boa noite no “mundo real”. Nesse contexto, as pessoas que estão no microblog chegam a ser enérgicas ao dizer: “Quer viver num conto de fadas? Vá para o Instagram!”. O LinkedIn, por outro lado, é um universo à parte — já foi até taxado por muitos com uma rede tóxica, pela enxurrada de publicações motivacionais que “forçavam uma barra”.

Mas e quem está em todas essas redes ao mesmo tempo? Como se adaptam? Dá para ter várias “personalidades”, e continuar sendo… você mesmo?

Eu conversei com alguns especialistas em psicologia, comportamento social e marca pessoal para entender o fenômeno que parece moldar as nossas ações em cada plataforma. O resultado dessa pesquisa, e algumas dicas para se sair bem ao transitar entre diferentes redes, você encontra nas linhas a seguir.

Uma personalidade para cada rede social?

É comum, e a gente sabe disso: abrir o Instagram e compartilhar uma foto inspiradora sobre olhar o copo meio cheio, depois correr para o Twitter e desabafar sobre a obra no apartamento do vizinho. O que pode até soar como contradição em um primeiro momento, acontece todos os dias, com um monte de gente.

Algumas plataformas nos permitem ser mais “reclamões”, enquanto outras exigem maior seriedade. Há ainda aquelas que buscam positividade a qualquer custo, e é até difícil permanecer nelas quando a cota de felicidade está baixa.

Assim como instituições que frequentamos fora do digital — escola, hospitais, shoppings, local de trabalho — cada rede social também tem as suas regras de conduta. Elas têm influência sobre como nos expressamos. Mas será que elas são capazes de mudar a nossa personalidade?

Feed organizado no Instagram (Imagem: Lisa Fotios/Pexels)

Personalidade vs comportamento

Na psicologia, o conceito de personalidade pode ser definido como “diferenças individuais em padrões característicos de pensamento e comportamento”. Pesquisas científicas indicam que uma pessoa pode sofrer transtorno de personalidade (como narcisismo ou compulsão-obsessiva) por alguns fatores, entre eles, uma pré-disposição genética, situações de abuso outros agentes sociais — incluindo, é claro, as redes digitais.

Existe, porém, uma diferença entre personalidade e comportamento. O segundo pode ser entendido como um conjunto de atividades e reações de um indivíduo ao contexto social ao qual pertence ou está exposto. Em condições “normais”, o comportamento exterioriza a personalidade. Mas por ser menos intrínseco, é mais suscetível a mudanças temporárias.

Pessoa checando rede social pelo celular (Imagem: James Sutton/Unsplash)

Por exemplo: uma pessoa extrovertida pode se sentir acuada em determinada situação, e ter comportamentos que não são naturais à sua personalidade, como a reclusão, a falta de sociabilidade. Se este ambiente se torna seu “novo habitat”, talvez isso comece a mudar a sua personalidade, com o tempo.

Pensando em redes sociais, Bruno Munhoz Ribeiro, Psicólogo Clínico pela Telavita e pós-graduando em Neurologia clinica e intensiva, afirma o seguinte:

“O crescimento do uso e inserção das mídias sociais nos últimos anos vem transformando o modo como as pessoas têm exposto seu comportamento para os amigos, família e — por que não? — o mundo no universo virtual. As diferentes formas dessa exposição acontecer, em redes com estímulos diferentes, pode mostrar várias facetas de uma pessoa e em muitos casos mudarem seus padrões de comportamento e modo de vida.”

Ele explica também que não há apenas uma faixa etária específica para que a influência de redes tenham tenha efeito em seus usuários.

“Com a evolução da tecnologia nas últimas décadas, não tem sido possível determinar uma faixa etária específica para que o consumo de redes sociais comece a fazer efeito de forma massiva e significativa em aspectos comportamentais das pessoas. Nesse caso, as mais sensíveis a esse conteúdo são crianças em processo de desenvolvimento cognitivo, mas já há relatos de idoso que também acabam passando por esse processo com o crescimento e difusão dessas redes, em todos os casos é sempre necessário cautela no uso excessivo de tais ferramentas.”

Comunidade e recursos têm influência sobre usuários

Você pode até dizer: “Ué, se o perfil é seu, você posta o que quiser” — mas a verdade é que isso só funciona até a segunda página. Como explica Flavia Gamonar, professora, consultora e instrutora no LinkedIn Learning, participamos de redes sociais (digitais ou não), porque exergamos benefícios nelas, e receber apoio é um deles.

“Quando eu decido participar de uma rede social de pessoas que jogam futebol ou são de uma mesma comunidade religiosa, por exemplo, eu o faço porque enxergo que existem benefícios. O primeiro deles seria o fazer parte, me identificar. Mas, além disso, existe também o apoio, o endosso e a circulação de informações que interessam a mim e ao grupo.”

Ribeiro diz que para além da comunidade em si, os próprios recursos oferecidos por aplicativos e sites acabam moldando nosso comportamento no dia a dia. O psicólogo também associa esse fator aos sentimentos de alegria ou à opção de esconder sua verdadeira identidade em redes sociais.

“Redes de estímulo visual, como o Instagram, tendem a fortalecer o desejo de aceitação e aprovação social através de fotos e stories que muitas das vezes não expressam um sentimento legítimo de alegria ou prazer. Já redes como o Twitter ou Reddit, que têm em sua base a escrita, podem acabar libertando pontos mais criativos, ou que não dependem tanto da sua “imagem pessoal” para suas ideias expostas — um grande exemplo disso é a imensa criação de alter egos nesse tipo de redes.”

Flavia Gamonar também acredita que há duas grandes fontes de influência para um usuário que faz parte de uma rede social.

“O Instagram, por exemplo, quando criado tinha o propósito de compartilhar fotos e marcar a localização, mas com o tempo a plataforma recebeu novos recursos e novos usos. Os novos recursos levam a comportamentos que antes não existiam. E os usuários também moldam seu uso, seus rumos e isso pode levar à novos recursos. Então, eu acredito que os dois acontecem, um leva ao outro.”

O LinkedIn é um claro exemplo de como a comunidade é forte influenciadora na criação de determinados padrões de comportamento, que podem acabar mudando a percepção das outras pessoas em relação à sua identidade.

“Se formos citar alguns teóricos que falam sobre o assunto, teríamos Raquel Recurso e Erving Goffman. Eles tratam esses usos como faces e suas interações. Alguns teóricos discutem isso como identidade, ou seja, a identidade que assumimos nesses espaços, as várias faces que você assume em redes sociais para atingir seu propósito, para que as pessoas enxerguem você como você deseja ser enxergado. O trabalho de face são as ações que as pessoas empreendem para conseguir isso, como as publicações, os links, comentários, interações, tudo que as ajude manter a face criada por elas mesmas e reforçar quem são.”

Flavia Gamonar, professora e consultora

Por ser uma rede social profissional, o LinkedIn tem uma espécie de “código de conduta” diferente, uma “etiqueta invisível”, como diz Gamonar. Ela argumenta que, em tese, a publicação é livre, mas é preciso ter em mente o contexto e a justificativa para publicar sobre qualquer tema.

o que postar no linkedin / Ana Marques / Tecnoblog
Compondo post no LinkedIn (Imagem: Ana Marques/Tecnoblog)

Sobre a onda de posts considerados tóxicos na rede, Flavia diz que o problema é “romantizar tudo”. Nesse contexto, o desequilíbrio nas publicações pode gerar o efeito oposto: uma certa perda de personalidade, do que nos torna únicos.

“O grande problema é que algumas pessoas passam a romantizar tudo, a querer extrair uma lição de moral sempre, se colocam sem perceber em um pedestal de conselhos e vida perfeita. Aí a rede começa a ser chamada de tóxica, percebe? Então, é importante equilibrar para não exagerar nem para cá, nem para lá. Por isso a autenticidade e o fugir de fórmulas prontas é tão importante, senão você começa a fazer publicações iguais às do outro e fica tudo uma coisa só.”

No fim das contas, tudo está interligado

Não importa quais são os traços que você mais exibe em suas redes sociais: no final, todas as setas apontam para o mesmo lugar: você. Por isso, é aconselhável manter a coerência em relação à sua personalidade em todas as redes sociais, ainda que alguns comportamentos acabem sendo moldados de acordo com o ambiente específico que cada uma delas proporciona.

Não faz sentido, por exemplo, reclamar do trabalho no Twitter e agir como se tudo estivesse bem na “vida real”, no cotidiano. A discrepância entre essas atitudes pode acabar, inclusive, prejudicando a sua imagem diante de outras pessoas — como o seu chefe, seus colegas de trabalho, amigos ou familiares.

Faça algo bacana! (Imagem: Clark Tibbs/Unsplash)

André Santos, que é LinkedIn Top Voice e especialista em marca pessoal acredita que, apesar de existir um pouco da influência de comunidade e recursos sobre usuários de redes sociais, o ideal é não deixar nada disso mudar quem somos de verdade.

“Cada rede social tem seu próprio jeito. O Instagram e o TikTok, por exemplo, são mais informais. Já o LinkedIn, mais profissional. Mesmo assim, acredito que não devemos deixar isso mudar nossa essência e nosso jeito de ser. Eu, por exemplo, tento ser o mesmo André descontraído, independente da rede social.”

Para Santos, não vale a pena entrar em uma rede social apenas para ganhar público se você não se sente confortável em publicar na plataforma. A dica é clara: agir naturalmente. “Se você acredita que seu estilo se adapta em todas as redes, não vejo problema em estar nelas, desde que você seja natural (e consiga ter tempo para produzir conteúdos variados)”, pondera.

Por fim, Flavia Gamonar chama a atenção para o conceito de “privado” na internet, que acaba assumindo um teor diferente.

“Se eu mando um áudio privado num grupo de WhatsApp, ele deixa de ser privado se um dos integrantes do grupo decidir mostrar ou encaminhar esse áudio para alguém. Um Instagram fechado também pode ter posts printados e vazados. Ou seja, por mais que cada rede tenha seu propósito e características, vivemos uma era em que é essencial ser uma pessoa só, sem máscaras, sem nada a esconder. É preciso pensar muito antes de postar alguma coisa, porque no final do dia tudo está no mesmo quintal da internet e em minutos pode gerar desdobramentos inimagináveis em uma sociedade que tenta todos os dias ser melhor incluindo pessoas e cancelando quem acredita estar fora da linha.”

Receba mais sobre Instagram na sua caixa de entrada

* ao se inscrever você aceita a nossa política de privacidade
Newsletter
Ana Marques

Ana Marques

Gerente de Conteúdo

Ana Marques é jornalista e cobre o universo de eletrônicos de consumo desde 2016. Já participou de eventos nacionais e internacionais da indústria de tecnologia a convite de empresas como Samsung, Motorola, LG e Xiaomi. Analisou celulares, tablets, fones de ouvido, notebooks e wearables, entre outros dispositivos. Ana entrou no Tecnoblog em 2020, como repórter, foi editora-assistente de Notícias e, em 2022, passou a integrar o time de estratégia do site, como Gerente de Conteúdo. Escreveu a coluna "Vida Digital" no site da revista Seleções (Reader's Digest). Trabalhou no TechTudo e no hub de conteúdo do Zoom/Buscapé.

Relacionados