Escrever à mão pode ser melhor para o aprendizado do que digitar
Estudos mostram que papel e caneta ajudam mais na memorização e no aprendizado. Mas você não precisa desprezar o laptop ou o smartphone.
Evernote, OneNote, Google Keep, apps de digitalização como CamScanner e Office Lens ou até mesmo editores como o Word. Esses são apenas alguns exemplos. O arsenal de ferramentas para tomada e organização de notas é tão grande que já não faz sentido usar cadernos ou blocos de anotações. Na verdade, faz sim: uma série de estudos tem mostrado que escrever à mão ajuda bastante na memorização e, principalmente, no aprendizado.
O problema de usar laptops e smartphones
Eu fiz faculdade em uma época em que os celulares mais avançados possuíam, no máximo, câmera fotográfica. O que tínhamos de mais próximo dos smartphones eram os famosos PDAs ou palmtops. Eles não eram muito práticos para uso em sala de aula, porém. Por isso, muitos dos meus colegas usavam notebooks ou os PCs dos laboratórios para fazer anotações.
Até tentei seguir pelo mesmo caminho, mas logo descobri que as notas que eu registrava no Word mais me atrapalhavam do que ajudavam. Era estranho, mas parecia que o esforço que eu fazia para organizá-las afetava a minha capacidade de compreensão. Resolvi ficar com o bom e velho caderno.
Mais tarde, quando comecei a ir em coletivas de imprensa, conferências e afins, eu tentei “entrar na moda” e passei a usar smartphone e tablet para registrar as indispensáveis notas que depois virariam posts. Parecia tão prático. Mas eu ficava todo atrapalhado. Novamente, decidi usar só papel e caneta mesmo.
Logo eu descobri que é assim com muita gente, seja no trabalho, seja na sala de aula. Deve ser assim com você também. Na verdade, com quase todo mundo. Pelo menos é o que sugerem os numerosos estudos sobre o assunto.
Os estudos
Um deles, publicado em 2014, foi realizado por pesquisadores da Universidade de Princeton e da Universidade da Califórnia. O estudo teve uma dinâmica bem simples. Dois grupos de estudantes foram avaliados em aulas de diversas disciplinas, como biologia, matemática e economia. Só que um grupo tomou notas com laptops; o outro, com papel e caneta.
O grupo que anotou tudo à mão registrou uma quantidade menor de informações, mas conseguiu se sair melhor que a turma que usou notebooks em quesitos como memória, compreensão e capacidade de generalização.
Em outra fase do estudo, os participantes assistiram a palestras sobre diversos temas, de algoritmos a morcegos. Esses estudantes foram submetidos a um teste logo após o evento e, uma semana depois, havendo tempo de sobra para eles consultarem as anotações, a avaliação foi repetida.
Novamente, aqueles que anotaram tudo à mão apresentaram resultados mais proveitosos. Os pesquisadores constataram que eles usaram menos palavras, em compensação, deixaram a impressão de que absorveram melhor o assunto — que aprenderam mais.
No grupo que usou laptops, os pesquisadores perceberam que as anotações foram feitas de maneira mais mecânica, digamos assim, como se os estudantes tivessem apenas transcrevido as falas, mas não sintetizado as ideias.
Outro estudo, esse realizado em 2012 pela Universidade de Washington, trouxe conclusões semelhantes: os pesquisadores descobriram que as pessoas que fizeram notas em computadores podiam se lembrar bem do conteúdo logo após assistirem a aulas, mas por um curto período. Elas fizeram mais notas que o pessoal que registrou tudo em papel, mas depois de 24 horas já tinham esquecido boa parte do conteúdo anotado. O grupo do caderno e caneta guardou tudo por muito mais tempo.
É pior com crianças
Os experimentos relatados acima, assim como tantos outros, foram conduzidos com pessoas alfabetizadas. Nesse grupo, basta que a escrita à mão volte a ser frequente para que os problemas percebidos com as notas em computadores sejam resolvidos. Mas o que acontece com indivíduos que ainda estão aprendendo a ler ou escrever, sendo mais exato, com crianças?
Várias escolas ao redor do mundo se apressaram em encher salas de aula e laboratórios com computadores. Mas o uso desses equipamentos precisa seguir um plano bem elaborado de ensino. Não basta substituir cadernos por teclados sob o discurso de que estamos na era digital ou qualquer coisa assim.
A prova está em um estudo realizado pela Universidade de Indiana. A equipe da neurocientista Karin James avaliou crianças que foram treinadas para copiar letras à mão e outro grupo que foi treinado para usar computadores para esse fim.
Você já deve ter adivinhado o que aconteceu: as crianças que escreveram as letras à mão se saíram bem nos testes. Com o auxílio de exames de ressonância magnética, a equipe de James percebeu que essas crianças apresentaram padrões de atividade cerebral semelhantes aos de pessoas alfabetizadas.
No grupo que usou computadores isso não aconteceu, o que sugere que esses estudantes podem ter mais dificuldade de aprendizado.
Por que isso acontece?
No caso das crianças, os cientistas estão cada vez mais convencidos de que elas aprendem não só a ler e a escrever com mais eficiência usando o papel, como também aperfeiçoam a capacidade de construir ideias e guardar informações.
Karin James explica que um dos principais fatores que contribuem para isso é que a criança aprende cada letra a reproduzindo de modo irregular. As capacidades motoras necessárias para a escrita são sempre estimuladas, portanto. Esse processo melhora a aprendizagem por conta do que é exigido do cérebro: concentração, memorização e várias outras habilidades são envolvidas.
Em relação aos indivíduos alfabetizados, a escrita à mão também aciona essas áreas (concentração, memorização etc.). Pam Mueller e Daniel Oppenheimer, líderes do estudo realizado na Universidade de Princeton e na Universidade da Califórnia, acreditam que escrever à mão, por ser uma atividade lenta (na comparação com a digitação), condiciona a pessoa a prestar mais atenção para não perder os detalhes relevantes e conseguir resumir o assunto. Para tanto, o cérebro precisa ouvir ou ver, extrair o que é útil dali e então decidir o que deve ser retido (ou seja, anotado).
Na digitação esse esforço é muito menor. O teclado nos dá agilidade, portanto, precisamos apenas reproduzir aquilo que está sendo apresentado. É um “modo automático”, que exige pouco esforço, fazendo a gente precisar refletir muito menos sobre o assunto.
Como se não bastasse, há um possível agravante: se você usa laptop ou smartphone para tomar notas, pode ficar tentado a dar aquela olhadinha inocente no Facebook ou em um site de notícias. Aí…
Mas não precisa ficar só no papel e caneta
Não se preocupe: se você utiliza Evernote, Google Keep ou até mesmo o Word nas aulas (ou em qualquer atividade que exige escrita), pode continuar usando essas ferramentas. O que é recomendável fazer é tentar achar um equilíbrio.
É o que tem funcionado para mim. Quando estou em um curso ou preciso fazer uma matéria, anoto tudo o que é importante em papel e, se necessário, abuso de sublinhados, setas e qualquer outro macete que ajude a reforçar a ideia principal. Mas eu não dispenso o Evernote: ali eu deixo material de consulta (como tabelas), esboços, imagens e informações complementares no geral.
Confesso aqui que até agenda de papel eu continuo usando: escrevendo os compromissos mais importantes à mão, consigo lembrar deles com mais facilidade. Muitas vezes não preciso nem consultar a agenda novamente.
Não digo que isso funciona para todo mundo. Cada caso é um caso. Se você acredita que laptops ou smartphones não te atrapalham em nada, ótimo. Mas se você fizer um teste e perceber que notas à mão estão te ajudando mais no aprendizado ou no trabalho, usar mais o caderno ou o bloco de anotações passa a ser mandatório, não?
Achar esse equilíbrio é importante porque, se por um lado a escrita à mão contribui para o aprendizado, por outro, a quantidade de informações que podemos anotar digitando é pelo menos duas vezes maior. A lentidão da escrita com caneta ou lápis muitas vezes nos faz descartar informações importantes. Assim, tentar aproveitar o melhor desses dois mundos talvez seja a atitude mais saudável para a sua produtividade.