O fiasco da Juicero, máquina de suco “inteligente” de US$ 400

Felipe Ventura
• Atualizado há 1 ano e 7 meses

Você deve conhecer as máquinas da Nespresso ou Dolce Gusto: elas usam cápsulas para produzir café, chocolate quente e outras bebidas. Uma startup nos EUA resolveu seguir esse mesmo modelo para criar uma máquina de suco orgânico — mas acabou se envolvendo em uma polêmica.

A Juicero, lançada há um ano por US$ 700, espreme pacotes proprietários de frutas e legumes picados para fazer suco. Você insere o pacote na máquina, ela lê um QR code na embalagem e confere na internet se os ingredientes estão frescos — sim, ela tem conexão Wi-Fi. Depois, ela aplica quatro toneladas de força para fazer um copo de suco.

O vídeo de divulgação parece um infomercial de TV, mostrando um casal desastrado tentando fazer suco:

A empresa recebeu US$ 120 milhões de investidores no Vale do Silício, incluindo a GV (antes conhecida como Google Ventures) e a famosa KPCB, que dedicou recursos a inúmeras companhias famosas de tecnologia como Uber, Amazon e Spotify. No ano passado, poucas startups de hardware receberam tanto dinheiro assim nos EUA.

Então, a Bloomberg descobriu que você pode simplesmente espremer o pacote com as mãos para conseguir o suco:

A máquina — que agora custa US$ 400 — extrai um pouco mais de líquido, porém demora bem mais que o processo manual. No teste da Bloomberg, uma repórter obteve 220 ml em um minuto e meio; a Juicero conseguiu 240 ml em dois minutos.

Como nota a Fast Company, a Juicero tem basicamente um sistema de DRM: ela exige conexão constante à internet, senão você não pode usar os pacotes. Cada um deles custa de US$ 5 a US$ 8 (R$ 15 a R$ 25) e rende um copo de suco. Uma análise do Washington Post mostra como isso é muito mais caro que outras alternativas:

Você só pode adquirir os pacotes se for dono de uma Juicero. Eles são entregues apenas em alguns estados dos EUA, e não podem viajar grandes distâncias senão estragam. (A empresa não congela os pacotes.) A embalagem de plástico é reciclável (após ser limpa), e a polpa na parte interna pode ser utilizada para compostagem.

Juicero responde

Após o dilúvio de críticas ao produto, o CEO Jeff Dunn respondeu em uma longa carta aberta. Ele lembra que já trabalhou na Coca-Cola; diz que espremer os pacotes da Juicero é como “hackear um produto para consumidores”; e tenta explicar o valor da máquina, sem muito sucesso.

Dunn diz que, graças à conectividade Wi-Fi da Juicero, ela é capaz de desativar remotamente um pacote caso um de seus ingredientes tenha sofrido recall. No entanto, é fácil avisar isso aos clientes de outra forma; por exemplo, através do app usado para controlar a máquina.

O executivo também promete uma qualidade de suco mais consistente com a Juicero: “o que você vai obter espremendo o pacote à mão é uma experiência medíocre (e talvez muito bagunçada) que você não vai querer repetir”.

Ele também anexou este vídeo — publicado por Chrissy Trampedach, chefe de comunicação da Juicero — mostrando um pacote Beta Glow aberto ao meio, com a polpa de cenouras e laranjas. Acho que a ideia é mostrar que o pacote não vem com o suco pronto.

Como apontam muitos críticos, a Juicero representa muito do que há de errado na cultura do Vale do Silício, vendendo pacotes caríssimos de polpa atrelados a um app, e dizendo que isto vai resolver um problema real — no caso, “os desafios de nutrição e obesidade dos EUA”. Doug Evans, fundador da Juicero, até comparou seu trabalho ao de Steve Jobs, dizendo em entrevista que queria popularizar as prensas para suco tal como a Apple popularizou computadores pessoais.

A resposta de Dunn não convence, e ele parece saber disso: a Juicero vai reembolsar qualquer cliente insatisfeito com a máquina, não importando quando ela tenha sido adquirida.

A Juicero conseguiu coordenar a produção de alimentos orgânicos, o processamento em pacotes, a entrega, e ainda criou uma máquina para extrair o suco. É um feito e tanto. Infelizmente, do jeito que está, não vejo muito futuro nessa ideia. É mais fácil bater um suco no liquidificador, sem se preocupar com Wi-Fi ou DRM.

Relacionados

Escrito por

Felipe Ventura

Felipe Ventura

Ex-editor

Felipe Ventura fez graduação em Economia pela FEA-USP, e trabalha com jornalismo desde 2009. No Tecnoblog, atuou entre 2017 e 2023 como editor de notícias, ajudando a cobrir os principais fatos de tecnologia. Sua paixão pela comunicação começou em um estágio na editora Axel Springer na Alemanha. Foi repórter e editor-assistente no Gizmodo Brasil.