O Google foi pego de surpresa pelo ChatGPT?

A empresa que se tornou sinônimo de buscas na internet se esforça para mostrar que ainda é superior no campo de batalha da IA

Josué de Oliveira
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Empresa que dorme, a onda leva (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)
Empresa que dorme, a onda leva (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)

Quem acompanhou o Google I/O 2023, evento da empresa voltado para desenvolvedores, ouviu falar de IA a todo momento. A diferença em relação aos anúncios e lançamentos da edição do ano passado é nítida, e mostra para onde as atenções do mercado de tecnologia estão voltadas no momento.

Pode parecer uma mudança brusca. Afinal, no ano passado, a palavra da moda era “metaverso”; agora, estamos todos falando de outra coisa. Mas essa guinada faz sentido. Desde meados de 2022, temos visto usos objetivamente práticos de produtos com inteligência artificial, em especial do ChatGPT.

Foi justamente esse último — e sua integração ao Bing, buscador da Microsoft — que despertou uma conversa sobre o lugar ocupado pelo Google no cenário das buscas. Pela primeira vez em muito tempo, o modelo de negócios do maior player do setor foi posto em cheque.

Nesse contexto, o Google anunciou o Bard, seu próprio chatbot. A solução, no entanto, não convenceu nem os funcionários do Google. A sensação era de que a empresa tentava correr atrás do prejuízo, e um tanto desajeitadamente. Teria o Google sido pego de surpresa por um player mais inovador?

Diferentes, mas parecidos

Empresas que ficam muito tempo no topo podem acabar se acomodando. Com tudo dando tão certo, a empresa deixa de inovar porque seu modelo de negócios simplesmente funciona. Afinal, o crescimento esperado já veio.

O aparecimento do ChatGPT sugere que algo semelhante teria acontecido com o Google. O nº 1 das buscas teria se tornado preguiçoso após anos sem um rival. E agora que um finalmente se apresentava, o Google não sabia muito bem como responder, lançando o Bard num movimento de desespero.

Mas não é bem assim. Como discutimos no Tecnocast 287, pesquisadores do Google articulavam ainda em 2021 as limitações do sistema clássico de busca para lidar com demandas mais específicas, e já mencionavam modelos de linguagem pré-treinados como uma possível solução.

ChatGPT em português (imagem: Emerson Alecrim/Tecnoblog)
ChatGPT em português (imagem: Emerson Alecrim/Tecnoblog)

Além disso, muito do que faz o ChatGPT funcionar já está presente no Google. É o caso do processamento de linguagem natural, por exemplo, que possibilita a sugestão de novas composições para suas próximas buscas a partir de um entendimento semântico dos termos pesquisados.

A experiência disso é que é muito diferente. O ChatGPT retorna textos que replicam a linguagem natural com incrível precisão, característica que gerou todo o barulho em torno da ferramenta. Já a busca do Google mantém o seu funcionamento padrão: encontra a informação na web e a apresenta como uma lista de links.

Também vale lembrar que a própria arquitetura sobre a qual o ChatGPT foi desenvolvida é obra do Google. O modelo foi disponibilizado de modo aberto, como o professor Diogo Cortiz nos conta no Tecnocast 282.

O Google não foi pego de surpresa por uma tecnologia nova, portanto. A surpresa foi de outra natureza: um competidor disposto a arriscar.

O cronograma mudou

Com tantos recursos em pesquisa e desenvolvimento, o Google provavelmente já previa a mudança de chave que a inteligência artificial produziria. Mas tinha um cronograma próprio visando capitanear esse novo movimento.

Então a Microsoft, que nem de longe representava uma ameaça ao Google no âmbito das buscas, se antecipou. Trouxe a tecnologia do ChatGPT para o Bing, e há meses vem apresentando novas aplicações com inteligência artificial.

Essa postura certamente não muda o jogo em termos objetivos, mas ajuda a posicionar a empresa num lugar de maior destaque. De repente, a possibilidade da Microsoft ser um player real frente ao Google é ventilada. Até bem pouco tempo, isso seria considerado piada.

É um ganho sobretudo simbólico, mas ele pode acabar trazendo desdobramentos reais. Por exemplo: o New York Times revelou que a Samsung chegou a cogitar a troca do Google pelo Bing como buscador padrão em seus dispositivos. Quando algo assim seria concebível?

Apresentação do Bard
Apresentação do Bard (Imagem: Reprodução/Google)

A empolgação gerada pela inteligência artificial atingiu o Google, até intocável em sua posição de superioridade. Talvez por isso as respostas da empresa tenham parecido menos empolgantes. Com mais a perder, a empresa precisa agir com cautela.

A Microsoft, por sua vez, pode se dar ao luxo de agir de modo mais próximo de uma startup, liberando suas ferramentas de IA para o público com menos receio. Daí vem o alerta aceso no Google nos últimos meses, e os esforços — inclusive no último Google I/O — para deixar claro que ainda são o maior player do cenário, e que vão dominar inclusive no âmbito da inteligência artificial.

Em outras palavras, a Microsoft acelerou o cronograma do Google. A nós, resta assistir enquanto as gigantes brigam.

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Josué de Oliveira

Josué de Oliveira

Produtor audiovisual

Josué de Oliveira é formado em Estudos de Mídia pela UFF. Seu interesse por podcasts vem desde a adolescência. Antes de se tornar produtor do Tecnocast, trabalhou no mercado editorial desenvolvendo livros digitais e criou o podcast Randômico, abordando temas tão variados quanto redes neurais, cartografia e plantio de batatas. Está sempre em busca de pautas que gerem conversas relevantes e divertidas.

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