Por que o possível retorno do Google à China é tão polêmico

Google estaria planejando voltar a ter um buscador na China, mas em versão censurada. Assunto preocupa funcionários da companhia e até senadores dos EUA.

Emerson Alecrim
• Atualizado há 1 ano e 7 meses
Google

Ainda não há pronunciamento oficial, mas analistas de mercado já dão como certos os planos do Google de voltar à China com o seu buscador. Só não vai ser tarefa fácil: funcionários estão se queixando da ideia e senadores dos Estados Unidos manifestaram grande preocupação com esse possível retorno. A pergunta que fica no ar é: por quê?

O Google sai da China

O Google manteve uma versão chinesa do seu buscador entre 2006 e 2010. A situação começou a ficar estranha no final de 2009, quando os servidores da companhia sofreram ataques sofisticados que foram atribuídos a invasores da China. O Google passou então a trabalhar com a possibilidade de os ataques terem sido ordenados pelo governo chinês.

Mas os ataques não foram o único problema. Desde o início de suas operações no país, a companhia enfrentava pressão das autoridades locais para bloquear o acesso dos chineses a determinados tipos de conteúdo. De fato, a versão chinesa do buscador, baseada no endereço google.cn, tinha filtros de censura. Por outro lado, o endereço google.com, que não possuía nenhum tipo de restrição, podia ser acessado irrestritamente no país.

Sabendo que havia “brechas”, o governo chinês bloqueou o endereço google.com e sites de outras companhias estrangeiras. Nesse processo, outros serviços também acabaram sendo barrados, como o Gmail. A soma desses transtornos levou o Google a sair do mercado de buscas da China em março de 2010. O buscador só seria mantido se o governo chinês aceitasse uma versão sem censura, o que não ocorreu.

Com a decisão, o endereço google.cn passou a linkar para google.com.hk (faça o teste para conferir), versão sem restrições do buscador criada para Hong Kong.

Google.cn

Por que o Google estaria planejando voltar à China?

O Google nunca saiu totalmente da China. O buscador local foi descontinuado e, alguns serviços, como o YouTube, são restringidos no país até hoje. Por outro lado, o Google admitiu em comunicado recente que faz investimentos em empresas chinesas, como a JD.com, e mantém operações locais para dar suporte a apps móveis, como Google Translate e Files Go.

Estima-se que o Google tenha, atualmente, 700 funcionários na China. Eles atuam em projetos não muito expressivos, mas essas iniciativas ajudam a companhia a acompanhar de perto a notável evolução do mercado chinês.

Muito provavelmente, a companhia quer tirar proveito desse movimento. Outros mercados ao redor do mundo são importantes, mas, hoje, nenhum é tão grande e promissor quanto o da China. Basta observar o avanço de companhias como Huawei e Xiaomi no segmento de smartphones.

Há rumores de que o Google estaria até procurando provedores chineses para fornecer serviços como Drive e Docs por lá. O motivo? A China exige que informações digitais tratadas no país sejam armazenadas localmente. Essa mesma exigência fez a Apple transferir a versão chinesa do iCloud para datacenters de provedores locais.

Funcionários do Google estão preocupados

Todo mundo sabe que a China é uma potência econômica, portanto, não causa estranheza que uma empresa tente entrar ou aumentar a sua presença nesse mercado. Mas, no caso do Google, o retorno é visto como uma concordância da companhia com aquilo que a fez fechar o buscador chinês: a censura.

O governo chinês — mais precisamente, o Partido Comunista da China — restringe severamente o acesso a conteúdos relacionados à política nacional. O histórico protesto na Praça da Paz Celestial, em 1989, é só um dos exemplos dos numerosos assuntos políticos proibidos por lá. Mas não é só: questões ligadas a sexualismo, diversidade cultural, direitos humanos e qualquer outra temática passível de discussões podem ser barradas.

Grande Muralha da China (Foto: Max Pixel)

Serviços online que não seguem as imposições do governo da China sofrem consequências, não importa quão relevantes sejam em outros países. Facebook, LinkedIn e Twitter são outros exemplos de plataformas que são bloqueadas ou operam sob forte restrição na China por conta do controle sobre conteúdo.

Os rumores dão conta de que o DragonFly, codinome do suposto novo buscador do Google para a China, vai respeitar as obrigações determinadas pelo governo local. Isso significa que conteúdos proibidos no país não serão exibidos pela ferramenta. No lugar deles, o Google pode simplesmente informar que alguns resultados foram removidos da busca. Inicialmente, a ferramenta deve funcionar apenas no Android.

De acordo com o site The Intercept, funcionários que souberam do projeto estão manifestando preocupação e até indignação. Um deles chegou a relatar que foi convidado junto a dois colegas para trabalhar no DragonFly, mas que o trio pediu para não participar do projeto porque se sentia desconfortável com a ideia. O mesmo desconforto levou outro funcionário a simplesmente sair do Google.

Há um clima de tensão na companhia, tanto que, para evitar mais polêmicas e vazamentos de detalhes, o Google estaria adotando várias medidas internas para manter o projeto em sigilo, tanto quanto possível.

Mas, aparentemente, já há conflitos. De um lado estariam funcionários que apoiam o DragonFly sob o argumento de que boicotar a China não trará mudanças positivas. No outro estão funcionários que acreditam que o Google irá trair os próprios valores se concordar com um buscador com filtros tão severos.

Senadores dos Estados Unidos querem explicações do Google

Vários veículos da imprensa norte-americana pediram para o Google comentar o assunto, mas a empresa se recusa. Porém, em breve, ela poderá ser forçada a confirmar se está mesmo trabalhando no DragonFly: seis senadores enviaram uma carta a Sundar Pichai (PDF), CEO do Google, pedindo explicações.

Congresso dos Estados Unidos (Imagem: PxHere)

No documento, os senadores expressam “profunda preocupação” com o projeto, ressaltando que, com ele, o Google poderá se tornar cúmplice dos abusos de direitos humanos na China. Sobretudo, os legisladores querem saber “o que mudou nos últimos oito anos para a companhia aceitar uma cooperação com o regime de censura da China”.

Outro questionamento é se o Google vai submeter funcionários a treinamentos sobre valores de notícias marxistas, que seriam uma exigência do governo chinês para empresas que mantêm serviços de imprensa online no país.

Curiosamente, os senadores também pedem que Pichai informe se o DragonFly pode ser conciliado com a famosa expressão “não seja mau”, a despeito de o Google ter abandonado esse lema há algum tempo.

Por enquanto, o Google permanece em silêncio.

Com informações: The Intercept, The Verge, Engadget.

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Emerson Alecrim

Emerson Alecrim

Repórter

Emerson Alecrim cobre tecnologia desde 2001 e entrou para o Tecnoblog em 2013, se especializando na cobertura de temas como hardware, sistemas operacionais e negócios. Formado em ciência da computação, seguiu carreira em comunicação, sempre mantendo a tecnologia como base. Em 2022, foi reconhecido no Prêmio ESET de Segurança em Informação. Em 2023, foi reconhecido no Prêmio Especialistas, em eletroeletrônicos. Participa do Tecnocast, já passou pelo TechTudo e mantém o site Infowester.