Sem dúvida o assunto do momento é a inciativa da Anatel em monitorar nossas chamadas telefônicas, obtendo documentos fiscais com os números chamados e recebidos, data, hora, duração e valor das ligações recebidas e efetuadas. Especialistas em Direito divergem da legalidade desta atitude. Há quem diga que é inconstitucional. O Ministério Público Federal, por sua vez, não vê restrições para o monitoramento, desde que os dados não vazem.

Tudo nessa história é estranho. A começar pela motivação da agência em iniciar essa prática: “para fiscalizar e exigir melhoras no cumprimento das metas de qualidade”. Se os maiores problemas que os consumidores enfrentam são de ordem comercial – pós-venda ruim, suporte capenga, divergências entre os serviços contratados e os efetivamente entregues -, de que jeito a Anatel vai fiscalizar? Que relevância possuem detalhes como data, hora e origem das chamadas ao se mensurar a qualidade dos serviços prestados?

Outro fato mal contado é o gasto precipitado de R$ 970 milhões em equipamentos para acessar as centrais de chamadas e o cadastro de clientes de operadoras de celular em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro – isso antes do texto ser submetido à aprovação do conselho diretor! Então o monitoramento está garantido de qualquer jeito?

O texto da proposta também é esquisito. A Anatel garante que o monitoramento de chamadas somente será feito com a autorização dos consumidores. Diz que não há quebra de sigilo porque “não acessará o conteúdo das chamadas”. Mas nada disso está especificado no documento.

Ora, a quem interessa o conteúdo das chamadas feitas em milhões de linhas fixas e móveis ativas? É tecnicamente impossível registrar todas as conversas telefônicas de todos os brasileiros ao mesmo tempo! O que interessa é justamente o que a Anatel quer – a duração das chamadas, as cidades de origem e destino, valor gasto, nome e CPF do titular que interessam -, pois são dados valiosíssimos no mercado negro de venda de cadastros.

Homem segura seu celular. (foto: Flickr - thenestor)
“O senhor poderia estar confirmando os seus dados?”

Venda de dados

Você sabe o que é um alias de e-mail? É uma espécie de apelido, que visa proteger o endereço real, evitando spam (e melhor: descobrindo a origem dele).

O Google fornece essa ferramenta aos usuários do Gmail. Faça o seguinte teste: ao criar um cadastro numa loja online, coloque seu endereço de email como: seu.username+nome.da.loja@gmail.com.

Se a loja for mal intencionada, logo você começará a receber spam no endereço seu.username+nome.da.loja@gmail.com. É batata. Muitas lojas passam uma aura de sérias e transparentes, dizendo nos próprios cadastros que “preservam o sigilo de seus dados”. Quem garante? E pior, como descobrir que ela não preservou?

O alias pode ser usado no mundo real também. Conversando com um especialista em gestão da informação, soube que os dados que usamos ao preencher formulários como solicitações de cartões de crédito ou de fidelidade, cadastros em lojas, promoções, sorteios e até doações para entidades assistenciais também estão em risco.

Como ele descobriu isso?

Simples. Ao preencher os formulários com seu endereço, ele sempre coloca uma informação praticamente imperceptível. Pegando um exemplo hipotético:

José da Silva
Av. Dilma Rousseff, 33 – apto 3 bloco A bah
Curitiba-PR

Ninguém sabe, mas o “bah” no final do endereço é o alias que ele usou quando fez o cadastro, por exemplo, nas Casas Bahia, e o endereço foi transcrito ipsis litteris para o banco de dados.

Foi assim que ele descobriu quem são os picaretas quando passou a receber em sua casa cartões de crédito não solicitados, propagandas para assinar revistas, catálogos de lojas, propostas de crédito consignado e o escambau.

Além de desmascarar shoppings que sorteavam carros e emissoras de TV que recebem cadastros para reality shows via internet, ele ficou estupefato ao ver que até entidades acima de qualquer suspeita, como órgãos públicos, faziam mau uso de seus dados. Chega-se ao grau de refinamento de se falsificar boletos bancários, que a vítima ingenuamente quita achando que está pagando outra conta.

Há quem diga que não há o que fazer. Com esses tempos modernos, a privacidade morreu. Basta ver as redes sociais. Sim, mas ainda temos o direto de expor qualquer informação se quisermos.

E quanto à Anatel?

Bem, é claro que a agência não pretende vender os nossos dados… Eu acho. Mas certamente há gente mal-intencionada louca para penetrar nesse banco de dados e roubá-lo. Será que o sistema será seguro? O governo garantirá nossa privacidade? Bem, a julgar pelas trapalhadas recentes do SiSU, é de se ficar com um pé atrás, não?

Foto: Flickr – thenestor.

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Escrito por

Bia Kunze

Bia Kunze

Ex-colunista

Bia Kunze é consultora e palestrante em tecnologia móvel e novas mídias. Foi colunista no Tecnoblog entre 2009 e 2013, escrevendo sobre temas relacionados a sua área de conhecimento como smartphones e internet. Ela também criou o blog Garota Sem Fio e o podcast PodSemFio. O programa foi um dos vencedores do concurso The Best Of The Blogs, da empresa alemã Deutsche Welle, em 2006.