Uma carta de amor a Mass Effect
Este artigo é claramente um fan service e uma declaração de amor a Shepard, a tripulação da Normandy e a uma história incrível
Este artigo é claramente um fan service e uma declaração de amor a Shepard, a tripulação da Normandy e a uma história incrível
O título pode ser simples, mas resume bem o que pretendo tratar aqui: o quentinho no coração que Mass Effect traz até hoje aos seus fãs e a mim também. A série, especialmente a trilogia Shepard, remete ao que considero os últimos anos da “época de ouro” da BioWare, em que o estúdio também responsável por Dragon Age criou alguns dos personagens mais cativantes da indústria dos games.
Atenção: falarei sobre aspectos importantes da história, então, há spoilers aqui!
Se você nunca jogou Mass Effect, e espero mudar sua opinião até o final deste texto, muito resumidamente, a história principal da trilogia mostra a saga da Comandante Shepard e sua tripulação (formada por humanos e seres de outras espécies) para evitar que a vida na galáxia seja extinta por conta do ataque dos Reapers (que se parecem piolhos sintéticos gigantes).
Note que estou tratando Shepard como “ela”, isso porque para mim a versão canon da personagem é a interpretada pela incrível Jennifer Hale. A opção masculina foi dublada por Mark Meer, que também fez um excelente trabalho.
A história principal como um todo é bem interessante (mesmo com o final controverso de Mass Effect 3), mas onde a franquia realmente se destaca é em como ela consegue fazer com que o jogador se apegue a seus personagens e se apaixone por eles; qualquer decisão “errada” ou mais difícil que se faça traz uma dor no coração que vai te remoer por anos (ou até você jogar tudo de novo para consertar sua própria lambança, se for possível).
Apesar de Mass Effect: Legendary Edition ter sido lançado em 2021 (e eu já fechei a trilogia novamente), o primeiro game saiu lá em 2007. E nisso se vão 15 anos desde meu primeiro contato com um RPG de temática espacial, que sempre torci o nariz. Ah sim, eu nunca curti muito nada nesse estilo. No entanto, um dia resolvi dar uma chance a um jogo que não envolvesse elfos, orcs ou dragões e bem… Aqui estou eu escrevendo esse artigo.
O início da construção da personalidade de Shepard começa a ser moldado com a customização da personagem, lá no início do primeiro Mass Effect. Para efeitos próprios de narrativa, sempre tento investir num perfil de superação das personagens que crio. Por isso, a origem da minha comandante foi como uma rebelde que vivia na Terra e depois se tornou uma heroína militar, quando ninguém imaginava ser possível. E assim, por mérito e coragem, ela se tornou a comandante da Normandy.
Clichês pessoais à parte, a BioWare deu tanta importância para a jornada da heroína (ainda bem!) que é possível levar todo o seu progresso, e suas decisões, de um jogo para o outro dando continuidade à saga. Dá para sentir toda a evolução dos sentimentos de Shepard, seus conflitos internos, frustrações, algumas alegrias e atos de bravura.
E por falar em sentimentos, Shepard é uma comandante com o peso da responsabilidade de salvar uma galáxia nas costas (haja terapia para lidar com tudo isso). Então, independentemente se escolher seguir como Paragon ou Renegade, ou seja, um alinhamento mais bondoso ou mais hostil, é claramente notável que ela fará de tudo, custe o que custar, para ser bem sucedida nesse objetivo… Ou se sacrificará tentando.
Apesar de jamais ter derramado uma lágrima sequer, mesmo diante do caos gerado por Saren Arterius, ou pelos horrores criados pelos Collectors e, consequentemente, pelos Reapers (que sempre estiveram no comando de todo esse inferno), Shepard se mantém firme em seu propósito, mesmo sendo nitidamente perceptível que tudo isso a destrói um pouco por dentro com o passar do tempo.
E é aí que brilha o maravilhoso trabalho de dublagem. Mesmo sem, às vezes, conseguir demonstrar emoções facialmente, a interpretação cirúrgica da Jennifer Hale e do Mark Meer dão todo o tom de liderança e, por vezes, de luto na fala da personagem. Não foram poucas às vezes que me senti inspirada ou angustiada com Shepard. Há decisões a tomar que são inevitáveis, mas nem por isso são fáceis de fazer (falarei mais sobre isso adiante).
Por outro lado, mesmo que em raros momentos, Shepard também se permite respirar um pouco, se envolver sentimentalmente e até sorrir do seu jeito atrapalhado, de quem não sabe lidar muito bem com interações sociais ou descontração. Você sente que ela também fica feliz. É impossível não dar um risinho nos momentos de alívio cômico quando, por exemplo, ela tenta dançar com os tripulantes (e amigos) da Normandy ou mesmo caindo de bêbada ao encarar uma bebida Krogan num bar da Citadel.
O ápice da demonstração de comando e liderança desta personagem, na minha opinião, acontece durante os momentos de clímax da história, aquela parte da resolução do jogo; a hora da verdade. Ou quando o game te avisa (direta ou indiretamente) que esta é a última missão da campanha principal.
Após as já clássicas cenas do último bate papo com seus aliados e, se for o caso, um último momento romântico com seu (ou sua) affair, eis que Shepard precisa (como líder e comandante) se colocar à frente de toda tripulação e da galáxia, no caso de Mass Effect 3, para dar aquele boost final na moral já abalada de todos.
E só de lembrar disso, me arrepio novamente. Mesmo com todos os traumas, mesmo lutando contra a própria vontade de simplesmente desistir (afinal, ela é humana), Shepard se ergue e convoca todos à batalha, para darem o seu melhor. Até você, apenas como jogador, se sente tão motivado pela urgência e importância daquele discurso que te dá vontade de levantar e ir junto.
No que eu seria útil numa batalha espacial? Não faço a menor ideia. Mas Shepard, me leva também! Eu faço o café.
Tão importante quanto salvar a galáxia da aniquilação por piolhos sintéticos gigantes é descobrir quem será corajoso (ou louco) o suficiente para encarar essa missão com você. Apesar de ser um RPG de ação com muitos tiros, granadas e poderes biotics lançando e despedaçando inimigos no ar, Mass Effect é profundamente sustentado pelas relações que Shepard cultiva (para o bem ou para o mal) com a tripulação da Normandy. Em outras palavras, com seus incríveis (em sua maioria) aliados.
O grau de simpatia e impacto que alguns destes NPCs causam nos fãs (eu me incluo nessa) até hoje é o responsável por centenas de histórias criadas pelos próprios jogadores, bonequinhos vendidos (eu tenho dois e mais a miniatura da Normandy), artes, animações, cosplays e por aí vai. Cada um deles, destaque especial para os não humanos, você encontra ao longo da jornada da comandante e precisa ajudá-los a resolver alguns problemas para conquistar a lealdade deles ou quem sabe até seu coração.
A DLC Citadel, por exemplo, que eu costumo dizer ser o maior fan service da história dos games, é um verdadeiro abraço com carinho da BioWare nos jogadores. A história deste conteúdo extra não fará diferença alguma na campanha principal e, talvez, seja o único momento de real descontração entre Shepard e toda a equipe da Normandy. É uma experiência única que quem jogou sabe.
E sobre os membros da sua equipe, eu sei que cada fã tem seu grupo preferido de aliados e aqueles dois especiais que estão quase sempre com você em todas as missões, mas gostaria de compartilhar os meus três queridinhos: a asari Liara T’Soni (minha eterna crush no game), o turian Garrus Vakarian (“não existe Shepard sem Vakarian”) e a quarian Tali’Zorah Vas Normandy (sei que não é o “sobrenome” original dela, mas ela ganhou esse novo título com honras ao mérito). Curto o krogan Urdnot Wrex também, mas esses três que citei antes são meus preferidos.
Novamente, preciso exaltar o trabalho de dublagem do jogo, que faz com que você passe a amar ou queira dar um tapa na cara em alguns destes NPCs. Em relação aos seus aliados, os laços que cria com eles, ao longo dos três jogos, transcendem as barreiras do digital e eu me sentia genuinamente preocupada com o bem-estar de todos.
Por mais que se queira ver logo o desenrolar da trama principal, acredite, você vai parar sim para ajudar a resolver as questões pendentes destes personagens. E isso porque os diálogos trocados fazem com que o jogador se importe e deseje conquistar a amizade e lealdade de cada um destes tripulantes. E nossa… Como isso será útil nos momentos decisivos. Afinal, ninguém vai se jogar numa missão suicida, com confiança e bravura, se não acreditar o suficiente em você.
E falando em missões suicidas…
Ah… As decisões polêmicas e controversas de Mass Effect… A angústia é parte constante dos principais plot twists e momentos-chave de todos os jogos da série. Já no primeiro jogo, você sente um gostinho desse desespero ao ter que escolher qual dos seus dois aliados, desde o início da campanha, vai sacrificar para salvar o outro. É nesse nível de desespero. E o pior é que tem que escolher um dos dois: ou salva a Ashley Williams, ou o Kaidan Alenko (ambos humanos como você).
E para aumentar a culpa no coração de Shepard (e no seu coração também) ambos pedem para morrer no lugar do outro. E, assim que consegue escolher a quem salvar, o que fica para se sacrificar ainda diz que foi uma honra lutar ao seu lado. Sério… Eu me senti o pior ser humano das galáxias naquele momento.
E essa é apenas algumas das decisões controversas do jogo e que continuam nos demais games. Em Mass Effect 2, a situação do seu psicológico piora ainda mais ao encarar a infame “missão suicida”. Resumidamente, os Collectors, protheans (uma raça ancestral, altamente desenvolvida, mas extinta) que foram transformados em abominações e escravizados pelos Reapers, sequestraram quase toda a tripulação da Normandy.
Você (Shepard) precisa reunir os aliados que ainda restam e viajar até uma dimensão paralela, da qual nenhuma nave jamais voltou, para tentar resgatar seus tripulantes antes que eles sejam dissolvidos ao nível molecular e usados de alimento para uma espécie de híbrido macabro de ser humano com Reaper (cabeças explodindo nesse momento, mas é isso mesmo).
Lembra que eu falei antes da importância de se fazer todas as missões de lealdade dos membros da sua equipe? É aqui que elas farão toda diferença… Na sobrevivência deles mesmos. Para mim, esta é a missão que o jogador deve fazer com mais atenção de toda a trilogia já que você pode, realmente, matar todo mundo!
Se conhecer bem sua equipe, saberá exatamente quem é o mais indicado para cada etapa da incursão à base dos Collectors. Saberá também (da melhor ou pior maneira) como é importante manter a Normandy devidamente equipada, calibrada (peça ajuda ao Garrus) e com todos os equipamentos atualizados.
Na missão suicida de Mass Effect 2, quanto mais tempo demorar para fazê-la, menos pessoas conseguirá salvar. Daí a questão da urgência citada no título deste tópico. Você não vai querer que seus tripulantes virem sopa. Mas se tudo der certo e se todas as escolhas foram feitas adequadamente, a Normandy não terá que transportar o caixão high-tech de nenhum aliado e você conseguirá salvar a todos.
Inclusive, não posso deixar de destacar aqui um dos diálogos mais maravilhosos dessa missão, que acontece assim que a Doutora Karin Chakwas (a médica da Normandy e uma das fiéis escudeiras da comandante) é salva de um dos casulos dos Collectors:
Muitos pontos valiosos para a jornada da heroína conquistados por Shepard, nesse momento.
Mas chegando em Mass Effect 3 e no ápice da sua campanha, ou seja, no confronto final com o Reapers, que já estavam tocando o terror, destruindo planetas e dizimando exércitos de resistência, que a resolução mais controversa para a história da trilogia aconteceu e causou a revolta de muitos fãs (a minha, inclusive).
Isso porque a última ação de Shepard ao final de toda a sua odisseia, depois de todo o sofrimento que ela passou e após ter mobilizado diferentes espécies sencientes da galáxia em prol de um objetivo em comum (derrotar os Reapers)… Resume-se a escolher entre três cores: azul, verde ou vermelho. É isso. E todas essas cores resultarão no mesmo final (com algumas pequenas mudanças): o sacrifício de Shepard e a destruição dos Mass Relays, que permitem viagens mais rápidas entre os sistemas.
Essas três cores representam três “escolhas”, em forma de fachos de luz em uma espécie de cabine, que o jogador precisa fazer: azul para que Shepard se torne um Reaper (!!!) e ordene que os demais piolhos sintéticos desistam da destruição da galáxia; verde para ela aceitar que os orgânicos se fundam aos sintéticos e todos vivam em “harmonia” (com os Reapers agora ajudando, pasmem, a quem antes eles queriam reduzir a pó) e, finalmente, vermelho em que Shepard resolve explodir tudo porque já está de saco cheio.
O final mais aceito pelos fãs e que os próprios jogadores, ou a maioria deles, escolheram como canon foi o de Destruição, ou seja, a escolha vermelha. Ao explodir a base de tiro e ódio a cabine com o facho vermelho, Shepard também destrói todos os seres sintéticos, incluindo os Reapers. Infelizmente, os Geths (seres sintéticos criados pelos quarians e que se aliam a Shepard) e a EDI (a inteligência artificial super simpática da Normandy) são sacrificados nesse processo.
A comandante, em teoria, morre. No entanto, num extra pós créditos é possível ver rapidamente o torso de Shepard entre os escombros (depois que tudo explodiu) dando um suspiro. E a cena acaba nesse ponto. Isso é o máximo de esperança que podemos ter que a protagonista tenha sobrevivido de alguma forma.
Acredito que, por isso, este final também foi escolhido pela maioria dos fãs como canon e eu faço parte desse grupo. Não é possível que, depois de tudo o que passamos (Shepard e eu), tenhamos que morrer por conta de um final jogado de qualquer jeito. E esta, talvez, seja minha única crítica à história da trilogia.
A revolta dos fãs foi tamanha que a própria BioWare lançou um DLC gratuito, na época, com um final estendido. Não mudou muita coisa, mas ao menos você via com mais clareza as forças que Shepard reuniu realmente lutando e vibrando com a vitória contra os Reapers. Esse final extra já faz parte da Legendary Edition (assim como todos os DLCs já lançados).
O ano é 2017 e a BioWare lança Andromeda, uma espécie de spin-off, e o nome da nova galáxia que as espécies (os humanos, inclusos) da Via-Láctea enviaram arcas com vários representantes de seus povos para encontrar um novo caminho, um recomeço.
Resumindo a história, as quatro raças que compõem o conselho da Citadel e mais os quarians, criaram a Iniciativa Andromeda, para popular novos mundos nesta galáxia distante. Para isso, 20 mil cidadãos de cada espécie foram enviados para Andromeda, numa viagem só de ida de mais de 600 anos! É claro que todo mundo foi dormindo.
Cada arca tinha um líder responsável por encontrar esse novo caminho, e era conhecido como o Pathfinder. E o jogador se torna justamente um desses líderes, mas pelo lado dos humanos. Você pode jogar sendo ou Sara, ou Scott Rider. Ah, as decisões que você fez na trilogia Mass Effect não têm impacto algum em Andromeda. Até porque a história deste jogo acontece centenas de anos após a saga de Shepard.
Dito isso, o grande problema de Andromeda para mim é que parece que ele foi feito só porque tinha que haver um novo jogo. Apesar dos vários bugs e da animação facial dos personagens, que pareciam estar em constante estado de pânico (eles melhoraram um pouco isso depois, com um patch), o jogo é até legal, mas sem a mesma alma que a trilogia Shepard.
O game foi desenvolvido por um estúdio diferente também e teve vários problemas durante a sua produção, como profissionais importantes do time saindo do projeto e mudanças criativas radicais já durante o desenvolvimento. Os fãs reclamaram, até porque esperavam algo épico como antes.
O resultado é que Mass Effect: Andromeda não é um jogo de todo ruim, mas é raso e incompleto. Ele não mostrou, por exemplo, o que aconteceu com a arca dos quarians — que se perdeu antes de chegar ao seu destino (isso provavelmente sairia num DLC). Mas quem sabe um próximo jogo da série não poderia aproveitar e resolver esse mistério.
E sobre um novo jogo…
Se você leu até aqui, muito obrigada. Minha intenção inicial não era escrever um artigo tão extenso, mas Mass Effect é uma franquia que me marcou de forma única como jogadora, então acabei me empolgando “um pouquinho”. E olha que ainda faltou muita coisa para comentar! Sobre o futuro da série e, conforme o único teaser mostrado pelo BioWare (até o momento da publicação deste especial), minha esperança de ver alguns dos personagens antigos se reacendeu.
Isso porque dá para notar que o rosto de Liara aparece de lado numa cena, e agora ela está um pouco mais velha, o que mostra que os eventos do futuro game devem se passar séculos após Mass Effect 3. As asari, raça de Liara, podem viver centenas de anos. Nessa linha de pensamento, pode ser que Wrex ainda esteja vivo também, já que os krogan também têm uma expectativa de vida alta. Mas, por enquanto, tudo isso é apenas especulação.
De coração, o que espero é que a BioWare consiga novamente resgatar a alma que fez da trilogia Mass Effect um dos jogos mais fantásticos já lançados em termos de narrativa, imersão e construção de personagens. Shepard se tornou um ícone e, certamente, um excelente exemplo de como construir com louvor uma protagonista forte e determinada, mesmo tendo seus defeitos. Ela não é perfeita, assim como todo ser humano, mas é a única com coragem o suficiente para superar o que for e salvar a bendita galáxia.
E se você nunca jogou nada da franquia antes, faça um favor a si mesmo e jogue a Mass Effect: Legendary Edition que reúne os três jogos e todas as DLCs já lançadas. Eles só deram uma melhorada suave no visual e ajustaram algumas coisas pontuais do gameplay, mas vale muito a pena jogar. Ah, e está no Xbox Game Pass também.
No mais, e correndo o risco de ser extremamente fangirl neste momento, Mass Effect não apenas faz parte da minha história como jogadora, mas é parte também da história da indústria dos games como um todo. É um título indispensável, especialmente para os que dizem gostar de ótimas histórias (e quem discordar está errado). E é isso… Este é o fim desta “singela” carta de amor. Até a próxima!