Reconhecimento facial pode auxiliar investigações contra invasão em Brasília
Tecnoblog conversou com especialistas sobre o uso dessa tecnologia para identificar os culpados; PF adquiriu novo sistema de biometria em 2021
Tecnoblog conversou com especialistas sobre o uso dessa tecnologia para identificar os culpados; PF adquiriu novo sistema de biometria em 2021
No último domingo, criminosos invadiram o prédio do Congresso, STF e Palácio do Planalto em Brasília. Com milhares de envolvidos, o governo precisará recorrer às tecnologias para identificar todos os participantes. O Tecnoblog apurou que o uso de reconhecimento facial é uma opção para a investigação e julgamento dos envolvidos.
No ano passado, a própria polícia do Distrito Federal utilizou drones para realizar a identificação para combater a prática de boca de urna nas Eleições Gerais de 2022. Além do governo, empresas privadas — incluindo redes sociais — também utilizam a tecnologia para o reconhecimento facial. As investigações também usarão dados de telefonia para identificar a localização dos suspeitos de invadirem o prédio dos três poderes
Desde 2020, a Serpro já possui um sistema de reconhecimento facial que é fornecido para empresas. O Biovalid usa o banco de dados da Secretaria Nacional de Trânsito para fazer a identificação biométrica. Através dele, as companhias podem fornecer mais segurança para os usuários ao validar os cadastros em serviços que exigem outras etapas de segurança — como apps de banco.
Nos primeiros instantes da invasão aos prédios dos Três Poderes, imagens de emissoras de televisão e das redes sociais, divulgadas pelos próprios participantes, mostravam os rostos dos envolvidos. Em alguns casos, criminosos mascarados retiraram o acessório dentro dos prédios públicos para se fotografarem dentro dos prédios do Três Poderes.
Além de divulgarem por conta própria a participação da invasão, os locais atacados contam com câmeras de segurança. O uso dessas câmeras também permitirá que as investigações cruzem os dados de banco de imagens com as pessoas filmadas dentro dos prédios. O sistema usado é o Abis, sigla em inglês para Solução Automatizada de Identificação Biométrica.
O Tecnoblog entrou em contato com a Polícia Federal para saber se ela usará tecnologia de biometria facial para identificar os invasores dos prédios e manifestantes. O órgão respondeu que não comenta investigações em andamento. Em 2021, a PF comprou o Abis para criar uma base de dados para ser usada pelas polícias judiciárias do Brasil — que inclui, além da própria PF, as polícias civis dos estados.
Não há restrições sobre o uso de tecnologias de reconhecimento facial na fase de investigação e de julgamento. Como explicou o advogado Maurício Zanoide de Moraes, professor de direito processual penal na USP e advogado, para o Tecnoblog, se essas provas são obtidas de maneira legal, elas são válidas — incluindo aquelas de perfis, como a conta “Contragolpe Brasil”, no Instagram. “Não tem diferença de onde serão [pegas as imagens], mas é preciso verificar a veracidade”, disse de Moraes.
Porém, como ressaltou de Moraes, que também é advogado sócio do escritório Zanoide, Braun e Castilho Advogados, as imagens não são provas absolutas e os sistemas (e as pessoas) podem apresentar erros. Um exemplo de falha é o caso de Thiago Albuquerque, funcionário do Banco do Brasil, que foi falsamente acusado de ser o homem que simulou defecar em uma mesa no prédio do STF. No momento da invasão, Albuquerque estava em Goiás.
Como milhares de participantes publicaram fotos nas redes sociais, incluindo nas contas de uso pessoal, é fácil identificar quem participou dos atos de vandalismo em Brasília. Nas redes sociais, usuários estão atuando em conjunto para identificar os responsáveis pela invasão aos prédios públicos — o principal perfil nessa atuação é o Contragolpe Brasil, que já sofreu restrição do Instagram.
A mobilização, fomentada principalmente por influenciadores e políticos, já realizou a identificação de centenas de participantes — sem contar os casos de políticos e militantes que foram facilmente identificados por já terem um grande alcance em seus perfis.
Entre os políticos identificados estão Pâmela Bório, ex-primeira dama da Paraíba; Marcos Alexandre Mataveli de Morais, ex-vice-prefeito de Pancas (ES) e José Ruy, vereador de Inhumas (GO). O reconhecimento desses invasores foi mais “fácil”, visto que, como no caso da ex-primeira dama da Paraíba, ela divulgou nos stories de seu Instagram que estava nos ataques ocorridos na Esplanada — a sua conta na rede social é verificada.
Por mais que a mobilização para reconhecer os invasores seja capaz de identificar corretamente alguns dos criminosos, ela não é feita usando softwares desenvolvidos para a biometria facial. Assim, ela pode levar a erros de identificação em imagens de baixa qualidade. Porém, há casos em que usuários identificaram corretamente participantes da tentativa de golpe.
O Ministério da Justiça também criou um email para que a população ajude a identificar os criminosos. Quem tiver qualquer informação sobre os envolvidos pode entrar contato pelo email denuncia@mj.gov.br. Já o canal de denúncias do Ministério Público Federal é a Sala de Atendimento ao Cidadão.
Porém, há diferenças entre os crimes praticados no último domingo. Em entrevista para o Tecnoblog, Diego Nunes, professor adjunto do departamento de direito da UFSC, explicou que pessoas que apenas seguraram cartazes pedindo por intervenção militar, sem invadir os espaços públicos, ou fizeram isso nas redes sociais respondem pelo crime tipificado no parágrafo único do artigo 286 do Código Penal. O crime possui pena de detenção, de três a seis meses, ou multa — algo considerado leve.
Já os criminosos que invadiram os prédios dos três poderes estão com problemas maiores. Eles podem ser enquadrados no crime de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, do artigo 359-L do código penal. Neste caso, a pena é de reclusão de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência.
Enquanto o reconhecimento por biometria facial pode mostrar algumas falhas, a localização dos celulares dos manifestantes é mais precisa. A AGU obrigou as operadoras de telefonia a guardarem por até 90 dias os registros de conexão de usuários que estiveram nas imediações da Praça dos Três Poderes no último domingo.
Esses registros serão usados para realizar a geolocalização dos participantes e a sua identificação. Afinal, até dá para tapar o rosto com máscara para não ser identificado. Difícil dizer que não é dono de uma linha identificada no momento dos atos terroristas.
Através desse método, usando o registro do cartão SIM e IMEI, é possível identificar quem é o proprietário de uma linha telefônica. Dizer que emprestou o celular é bem difícil de colar com os investigadores. Em caso de planos familiares, os telefones podem estar no nome de outra pessoa, mas não é nada que prejudique uma investigação.
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